Aos 52 aos, Luís Freitas Lobo já experimentou de tudo no mundo do comentário futebolístico português. O comentador natural de Braga nunca escondeu a sua paixão pelo futebol e foi essa paixão que o puxou para o espaço mediático.
Nesta entrevista ao JPN, sublinha que o seu novo livro não é sobre o lado mais tático do futebol, aborda “a diferença abismal” entre as equipas da Primeira Liga, assume que gostava de integrar a estrutura de um clube e analisa o momento dos três grandes do futebol português.
JPN – Publicou agora o seu terceiro livro, “O Futebol com que Sonhei”, depois de “Os Magos do Futebol” (2002) e de “O Planeta do Futebol” (2009). Começo por esse trabalho mais recente. Sente que conseguiu transpor para o livro o futebol com que sempre sonhou?
Luís Freitas Lobo (LFL) – Eu sinto que tentei da melhor maneira. Deu-me prazer tentar e isso é o primeiro passo para alguém conseguir fazer uma coisa que chegue às pessoas. Espero que, do outro lado, exista o mesmo sentimento porque só aí é que há essa capacidade de comunicar. Penso que sim, que consegui… Agora, também depende muito de quem lê.
JPN – Sentiu a sua missão cumprida…
LFL – Senti. Isso senti porque, no fim, senti-me satisfeito comigo próprio, mas sei que estou a falar com pessoas diferentes. Haverá quem tenha uma sensibilidade diferente e haverá quem tenha uma igual ou parecida… É um livro, como eu gosto de dizer, para quem ama o futebol. Não é um livro sobre táticas, nem sobre bloco baixo, nem sobre transições, nem sobre polémicas, muito menos isso, ou grandes segredos do futebol… É sobre histórias, sobre as minhas emoções e as minhas memórias e aquilo que eu gosto no futebol desde que comecei a ver futebol.
JPN – Na biografia que consta do livro é apresentado como alguém que só não pensa em futebol 24 horas por dia, porque também tem de dormir. Acha que dormir é uma perda de tempo?
LFL – [Risos] Não. O que eu acho é que quem sabe só de futebol, também sabe pouco de futebol. Penso que nós, para conhecermos alguma coisa, temos que passar muito tempo dedicados a trabalhar nessa área. É isso que te aproxima da felicidade: teres prazer naquilo que fazes. Da mesma forma, acho que a única maneira de aprender a escrever é lendo – não conheço outra técnica, por mais escolas de escrita criativa que possam existir agora. Lendo, formamos o nosso ADN, o nosso código genético de escrita, o nosso estilo, conseguirmos ter as nossas influências e a nossa identidade. No futebol é a mesma coisa. Para saber de futebol, tem de se perceber o mundo, perceber as pessoas e depois perceber o jogo.
JPN – Como comentador, prefere trabalhar em que meio: rádio, televisão ou imprensa?
LFL – São diferentes… É difícil escolher, mas digo a escrita. Acho que a escrita é a base de tudo. A televisão foi algo que aconteceu por acaso. Quando comecei a carreira, sempre tentei escrever para mais sítios, mas nunca tentei a televisão. Desde miúdo que tentei escrever os meus próprios jornais, quando tinha oito, nove ou dez anos… Ainda os tenho guardados! Eu tenho muita dificuldade em entender que alguém seja jornalista sem ter uma base de escrita. Quando estás a escrever, tens uma linha de pensamento muito superior àquela que tens quando estás a falar. Se eu tivesse de escolher o meio mais importante, voltava à minha primeira paixão.
Teve sempre presença na comunicação social, mas, a título de exemplo, em 2009, foi público que o candidato à presidência do Vitória Sport Clube, Manuel Pinto Brasil, pensou em si para diretor desportivo. Alguma vez se imaginou com um papel de decisão num clube?
Já, claro que sim. A questão de ser diretor desportivo já foi colocada. A situação concreta de que falam foi num processo eleitoral e, por isso, não foi uma coisa que se possa considerar um convite, mas esses convites já aconteceram noutros contextos. Também foi público o caso do Sporting, já fora de um contexto de campanha eleitoral. Na altura seria para diretor desportivo ou integrando, de alguma forma, a estrutura do futebol. Sim, é algo que pode acontecer… [Pausa] Até acho que faria sentido.
Gostava que acontecesse?
Gostava, mas se não acontecer não faz mal. Não faço disso uma obsessão, mas seria um desafio diferente. No fundo, sou uma pessoa que gosta de se reinventar e de procurar motivações diferentes. Ainda não descobri se isso é um defeito ou uma qualidade [Risos]. Ainda assim, só seria diretor desportivo com as minhas ideias. Foi por isso que não fui para o Sporting ou para outros clubes que não foram públicos. Eu sei que não há casas perfeitas e que nos temos de adaptar a essas circunstâncias, mas, fosse ganhar ou perder, iria com as minhas ideias e não com as ideias dos outros. Como devem calcular, depois também há situações como a nossa vida pessoal, profissional, familiar ou o momento em que aparece a proposta que nos levam a decidir se sim ou não… Mas via-me a fazer isso, claramente. Acho que faria sentido, até pelo meu percurso.
Só seria diretor desportivo com as minhas ideias. Foi por isso que não fui para o Sporting ou para outros clubes que não foram públicos.
Nos últimos três anos a seleção portuguesa ganhou o Campeonato Europeu, a Liga das Nações e ficou em terceiro na Taça das Confederações. Ainda assim, as equipas portuguesas ditas grandes continuam com muitas dificuldades nas competições europeias. Isto é um sintoma de que o campeonato português é pouco competitivo?
Sinceramente, acho que essa é uma das razões mais importantes. Isso está relacionado com aquilo a que chamo os “habitats de crescimento das equipas”. Se uma equipa cresce num meio que a obriga a ser mais forte pelos adversários, pela competição e, também, pelos meios que tens à disposição, claro que é melhor. Penso que isso se reflete, claramente, na diferença das nossas equipas entre a dimensão nacional e internacional. Essa é uma questão que se pode combater.
Como?
Combate-se através da organização daquilo que é a diferença abismal que existe entre as equipas em Portugal. Não é a questão de só dois ou três lutarem para o título, porque isso também acontece na maior parte dos países. É, sobretudo, a diferença ao nível de orçamentos entre umas equipas e outras. Temos equipas a mais na Primeira Liga, muito sinceramente. Eu acho que o campeonato devia ser reformulado e menos equipas seriam colocadas na “elite”. Isso permitiria mais receitas, melhores orçamentos e tudo isso melhoraria a qualidade do futebol e das equipas.
Falemos dos três garndes. Depois de tantas mudanças táticas desde que chegou ao Sporting, Silas já está mais perto de estabilizar um “onze base”?
Acho que o Silas, cada vez mais, tem condições para estabilizar esse “11 base”. É um processo muito complicado, porque são tantos treinadores em tão pouco tempo. Três treinadores em 11 ou 12 jornadas do campeonato não faz sentido nenhum.
Foi um erro despedir Keizer?
Não acredito que tenha sido uma coisa de impulso. Um treinador ser despedido no fim de um jogo em que perde 3-2 com dois penáltis quase nos descontos, seria uma coisa sem sentido. Eu nunca percebi porque é que o Keizer saiu, sinceramente. Não digo que seja um erro, mas não é algo percetível visto de fora. Depois disso, entra o Leonel Pontes que nunca se percebeu se era interino ou definitivo… Para mim, é sempre aquela velha fórmula do “deixa ver se pega”. Agora está [a treinar] o Silas, que é um treinador completamente diferente dos outros e nem é a questão de ser melhor ou pior, é só diferente.
Eu nunca percebi porque é que o Keizer saiu, sinceramente.
Alguns adeptos acham que o FC Porto tem um estilo de jogo demasiado físico a atacar. Como comentador, agrada-lhe o estilo de jogo do FC Porto?
Eu acho que o Sérgio Conceição consegue colocar a equipa a jogar como ele quer, para o bem e para o mal. Indo à questão física ou à velocidade com que o FC Porto ataca, quando se tem jogadores que tornam a ideia do treinador operacional, tudo fica mais fácil. Teres um jogador como Marega ou não, faz a diferença. O FC Porto consegue ser avassalador muito tempo, mas quando precisa de soluções diferentes ao nível da circulação de bola tem mais dificuldades em encontrar a velocidade certa para a bola. Uma coisa é a velocidade da bola, outra é a velocidade dos jogadores. Acho que o estilo do FC Porto se torna mais eficaz quando a velocidade é a dos jogadores e não a da bola.
Depois de uma campanha praticamente perfeita no campeonato no ano passado e de ter arrancado a época com um 5-0 ao Sporting, acha que os adeptos do Benfica colocaram a equipa num “estado de graça” antes do tempo?
Os adeptos não existem para ter pensamentos muito estruturados em relação às equipas. O treinador é que tem de estar preparado para a adversidade, porque as equipas veem-se é na reação a esses momentos. A verdade é que se viu que o Benfica não estava preparado para a adversidade. Quando as coisas não correram da forma que o Benfica queria, tinha de existir uma resposta diferente para encontrar uma solução. Não comparo com a época passada porque eram outros jogadores… Basta pensar em João Félix. O Bruno Lage da época passada fez um meio campeonato fantástico, mas o Bruno Lage desta época tem de responder a problemas diferentes. Até agora, tem tido dificuldades a esse nível.
A jogar em 4-4-2, qual é a melhor dupla de avançados do Benfica?
Eu digo sempre a mesma coisa: depende do que o Bruno Lage quiser. Se o Bruno Lage conseguir encontrar uma dupla complementar e que não jogue exatamente lado a lado, a equipa vai ficar mais perigosa. O Vinícius e o Seferovic são os melhores pontas de lança do Benfica, mas eu gosto mais de ver a equipa jogar com um “segundo avançado”. Acho que o Benfica não tem muitos jogadores com essas características, mas acredito que o Rafa fosse uma solução. O Chiquinho é bom jogador, mas não sei se vai ter nível de equipa grande – só vendo. Sinceramente, depois da saída do João Félix, acho que o Benfica não procurou um jogador dessas caraterísticas no mercado da forma mais correta.
Este ano, o recém-promovido FC Famalicão tem surpreendido toda a gente com resultados muito bons. O FC Famalicão é “só” mais uma surpresa ou tem condições reais para crescer como clube nos próximos anos?
Esta é, de facto, uma equipa sensação diferente. Este é um projeto que não nasce de meia dúzia de jogos, é financeiramente sustentado pelo Atlético de Madrid e pelo Jorge Mendes. Esta não é aquela equipa que está lá em cima porque ganhou três ou quatro jogos e está cheia de emoção. Há bases de investimento que vão permitir ao FC Famalicão manter-se lá em cima neste campeonato, não tenho dúvidas.
Temos equipas a mais na Primeira Liga.
Assumindo que, mesmo que não se apure para as competições europeias, o FC Famalicão fica bem posicionado até ao fim do campeonato, qual é a responsabilidade do clube na próxima época?
O clube, neste momento, depende dos seus investidores. Se investirem três ou quatro anos, criarem quatro boas equipas e forem embora, não criam riqueza. Uma coisa diferente é dar condições para o clube continuar a crescer e a ter boas equipas, mesmo quando os investidores saírem. Uma coisa é um clube grande, outra é uma equipa jogar bem. A responsabilidade é imensa, também, para os investidores: não deixarem o clube cair no que era quando eles chegaram e permitir que o clube continue a crescer depois deles saírem.
Para terminar, uma pergunta baseada em reflexões que Guardiola e Klopp, dois dos treinadores mais influentes da atualidade já fizeram. Apesar de ambos terem mudado muito os resultados e a filosofia do Manchester City FC e do Liverpool FC, sempre disseram que, com os jogadores que tinham, o seu trabalho era “fácil”. A pergunta é: o treinador faz a equipa ou a equipa faz o treinador?
A equipa faz o treinador num primeiro ponto e, depois, o treinador faz a equipa num segundo ponto. Ao contrário do que possa parecer, eu não sou de endeusar treinadores. Posso apreciar o jogo do Guardiola, a raça das equipas do Simeone, o estilo mesclado do Klopp, a estratégia do Mourinho… Mas tem de haver jogadores para isso. O Guadiola conseguiu transformar jogadores como o De Bruyne ou o Sterling, mas consigo apreciar muito o jogo do Klopp. O que eu acho é que é injusto que, daqui a uns anos, nos lembremos destas equipas como o “Inter do Mourinho”, o “Liverpool do Klopp” ou o “Barcelona do Guardiola”… Para o Xavi, o Iniesta e o Messi esse Barça era só do treinador? Para o Salah, o Firmino e o Mané, este Liverpool é só do treinador? Para o Cambiasso, o Zanetti, o Milito ou o Eto’o, aquele Inter era só do Mourinho? É de todos! Tem de haver jogadores para pintar os quadros.
Artigo editado por Filipa Silva