Comecemos pelo início: Revezo é o ato de suceder a algo para o substituir ou dar descanso. Segundo Filipe Sambado, “uma prática rotativa de necessidade e de aproveitamento de espaço.” O músico português lançou, esta sexta-feira (24), o novo álbum, “Revezo”, e esteve à conversa com o JPN. O disco percorre o quotidiano, a família, o trabalho e a vida social cantados num tom bem português.

Sucessor de “Filipe Sambado & os Acompanhantes de Luxo”, lançado em 2018, “Revezo” é o terceiro disco do artista e espelha, segundo o próprio, “uma metáfora meio utópica de distribuição das necessidades pessoais”. “Tento deixar as coisas a crescer e ir fazendo outras para que essas se possam desenvolver em equilíbrio”, explica o cantautor a propósito do nome que escolheu para o álbum.

“Revezo” inclui dez canções em que os sons e ritmos são carregados de portugalidade e se misturam com batidas de eletrónica. Há uma transformação em Filipe Sambado que deixa o pop-rock mais de lado para se dedicar a sonoridades onde abundam a guitarra e as influências do folclore.

“Jóia da Rotina” e “Gerbera Amarela do Sul”, canção escrita para o Festival da Canção, foram os primeiros avanços do novo trabalho discográfico. Para Filipe Sambado, as duas músicas expressam “o lado mais conceptual e linguístico do disco ao nível da instrumentação e da cor que lhe é dada.” O músico explica que, entre ambas, a que mais se aproxima da temática de “Revezo” é a “Jóia da Rotina”: “a ‘Gerbera Amarela do Sul’ foi mais direcionada para o Festival da Canção, foi escrita com esse propósito”.

Em “Jóia da Rotina” o cantor chama ao vídeo elementos que em tudo lembram o quarto de uma avó – santinhos, crucifixos, terços e altares. Uma das temáticas abordadas no trabalho discográfico anterior, a expressão de género, passa a estar presente de uma forma mais visual do que nas músicas, ou seja, na imagem com que o músico se apresenta, tanto nos vídeos como nos concertos, explica.

“Acho que passa a ser um tema com o qual eu estou mais em paz, porque sinto que já convivo com isso de outra forma. Precisei de falar disso no outro disco em tom de desabafo”, completa. Segundo Sambado, a sua luta foca-se mais na temática intersexual e de liberdade, que o mais recente trabalho também segue.

Fazer, hoje, o que outros já fizeram

Filipe Sambado admite as influências de Fausto e de Zeca Afonso. “Comecei a querer levar o disco para um sítio muito específico e a partir daí começou-me a fazer sentido ouvir o Fausto e o Zeca e estar mais focado em artistas que, no tempo deles, já tinham feito aquilo que eu queria fazer.” E o que é que o músico, natural de Elvas, queria fazer? “Agarrar na ideia do nosso folclore e perceber de que forma podia fazer, agora, o que eles fizeram, mas com a música do meu tempo e levar o disco para lados mais sintéticos e tradicionais.”

Também Rosalía mistura, hoje, a música tradicional espanhola, o flamenco, com sonoridades e ritmos mais pop. Uma influência para Filipe Sambado? O artista não tem dúvidas: “totalmente”, assegura. “Num certo momento do meu disco, ela tornou-se na minha diva. Quis mesmo perceber como é que ela o tinha feito com o flamenco e o que eu podia fazer com melodias mais algarvias ou ritmos mais transmontanos, apesar da minha cultura ser totalmente diferente [da de Rosalía].”

A crítica social e o Festival da Canção

“Gerbera Amarela do Sul” é o tema que Filipe Sambado compôs em exclusivo para o Festival da Canção deste ano e que também está incluído em “Revezo”. Ao JPN, explica que a crítica social está presente ao longo da música como uma metáfora.

“Mais eucalipto que pinheiro, é deserto o ano inteiro”, ouve-se na canção. Os versos surgem como imagem daquilo que os eucaliptos fazem à terra, desertificando-a, e estabelecem um paralelismo que se aplica também às pessoas, na interpretação de Filipe Sambado. Pessoas que distingue como “mais eucalipto ou mais pinheiro”, sendo as primeiras “mais ‘desertificantes'” e as segundas as que “se dão mais ao ar e se permitem respirar”, explica.

Por outro lado, a música canta, igualmente, o concurso em que se insere, o Festival da Canção. “Não sou muito próximo do conceito dos concursos de música pelo que eles significam e especialmente pela forma como o próprio Festival da Canção vai crescendo nas pessoas, que ficam presas a opiniões muito fechadas. A própria canção que escrevi aplica-se bem e faz uma crítica maior a um comportamento social”, completa e lembra o “privilégio” que é para ele estar num sítio e poder cantar sobre ele.

As semifinais do Festival da Canção vão ter lugar a 22 e 29 de fevereiro. De entre os 16 músicos, 14 foram convidados para participar pela RTP – nos quais se inclui Filipe Sambado. A final do concurso, em Portugal, está agendada para 7 de março, em Elvas. O vencedor vai representar o país no Festival Eurovisão da Canção que, este ano, é realizado em Roterdão, nos Países Baixos.

Antes disso, a 14 de fevereiro, Filipe Sambado atua no Hard Club, no Porto, onde vai apresentar o novo disco. Os bilhetes têm o preço de cinco euros, em pré-venda, e de sete euros, no dia do concerto.

“Revezo”, editado pela Valentim de Carvalho, está disponível em formato físico, nas lojas, e em todas as plataformas digitais.

Artigo editado por Filipa Silva