O Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN) decidiu extinguir o processo que reclamava a demolição do Shopping Center Cidade do Porto, avançou o jornal “Público” na segunda-feira (10). Ao JPN, José Pulido Valente, autor da ação popular que desencadeou este processo, considera o acórdão “inadmissível e revoltante”. Já Manuel Correia Fernandes, ex-vereador do Urbanismo da Câmara Municipal do Porto (CMP), classifica a decisão como “boa e positiva”.

25 anos que uma ordem de demolição do edifício se arrasta pelos tribunais, um processo marcado por avanços e recuos.

Obra avançou sem licença

Em outubro de 1992, foram iniciadas as obras do shopping pela construtora Soares da Costa, sem uma licença legal. A CMP, presidida à altura por Fernando Gomes, não terá seguido o Plano Diretor Municipal (PDM) que previa para a zona um espaço verde. A licença de construção, por sua vez, só foi emitida em 1994, pelo vereador Gomes Fernandes, quatro meses antes da inauguração do edifício. 

Em 1995, o arquiteto José Pulido Valente, que considerava a construção ilegal, invocou a violação do PDM junto das instâncias judiciais para exigir a demolição do edifício, tendo conseguido uma ordem nesse sentido, cinco anos depois, pelo Tribunal Administrativo do Porto.  

Entre 2000 e 2007, o caso conheceu novas decisões judiciais sempre no sentido da demolição. Até que, em 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu três anos e meio para que se procedesse ao encerramento, despejo e demolição do edifício, a menos que dentro deste prazo a construção seja legalizada. O processo continuaria a arrastar-se até que, em 2015, a autarquia liderada por Rui Moreira atribuiu uma nova licença ao edifício.  

É sobre esta que se apoia o acórdão do TCAN, a que o JPN teve acesso: o facto de “entretanto o edifício ter sido legalizado e não dever, por isso, ser demolido”.   

Decisão “vergonhosa” ou “positiva”?

Ao JPN, o arquiteto José Pulido Valente critica com veemência a decisão do TCAN: “é inadmissível e vergonhoso que num país que é maduro, responsável e honesto” seja tomada uma decisão “que altera tudo o que a lei obriga”. 

No ponto de vista de Pulido Valente, não há motivo válido para que a demolição não seja executada, porque “se a decisão do Supremo Tribunal Administrativo [que em 2002 confirmou a nulidade da primeira licença] é de demolição, tem de se cumprir”. “O edifício foi construído ilegalmente, por isso, à partida, deveria ser logo deitado abaixo”, acrescenta.  

O arquiteto de 84 anos sublinha ainda que as razões que levaram à extinção do processo estão assentes “na opinião das pessoas e não em leis em vigor”.

Relativamente ao licenciamento feito pela CMP em 2015, José Pulido Valente recusa a validade do documento: “É preciso que o que é escrito num papel esteja de acordo com as leis do país”, afirma.

Opinião muito diferente tem o arquiteto Manuel Correia Fernandes, que foi vereador do Urbanismo da CMP entre 2012 e 2016, período em que foi passada a referida licença. “A sentença do Tribunal dos anos 2000 apresentava como soluções a demolição do edifício ou a legalização e, por uma série de razões, decidiu-se proceder à legalização, até porque o tribunal nunca conseguiu citar todos os 1001 condóminos visados”, explica ao JPN.

O antigo vereador ressalva que a decisão foi de todo o Executivo e da Assembleia Municipal: o “Executivo municipal, daquela altura, em reunião plenária, decidiu aceitar a proposta de legalização e apresentou-se à Assembleia Municipal, porque a lei assim o permitia”, acrescenta.

Assim, apesar de admitir que este é “um processo complicado”, o arquiteto considera que a decisão do TCAN foi “boa e positiva”.  

Com uma posição muito crítica face ao Tribunal, apresenta-se Paulo Morais, ex-vice-presidente da Câmara do Porto e antigo vereador de Urbanismo do município, que  deparou-se com este processo durante os tempos de autarca. Para Paulo Morais, a decisão é um dos “momentos mais tristes da história do urbanismo em Portugal”.

Ao JPN, Paulo Morais considera que “o que é facto é que esta construção foi considerada ilegal em 2002 pelo Supremo Tribunal e pior do que estarmos em 2020 e a sentença nunca ter sido executada” é haver “uma decisão que tem em vista extinguir a ação da execução da sentença”. No parecer de Paulo Morais, existe um contrariar da Justiça e uma “submissão da Justiça aos grandes poderes económicos”.  

O ex-candidato à Presidência da República realça ainda que “mesmo que a alteração ao PDM seja feita ao longo dos anos, não é aceitável que, num país de direito democrático, a demolição de um edifício que não é legal, não aconteça”, pois assim “poder-se-ia construir tudo de forma ilegal e depois alterar-se-ia o PDM e ficava legal tudo o que é ilegal”.  

O desfecho deste processo ainda é incerto. “Já não há possibilidade de recurso”, refere José Pulido Valente, contudo o advogado do arquiteto, Paulo Duarte, elaborou um documento que foi entregue esta segunda-feira ao tribunal, com o objetivo de “sugerir que as juízas voltassem a rever o caso”. No entanto, o arquiteto não se mostra muito esperançoso, equacionando, nesse sentido, “ir por outras vias”. Já Paulo Morais vai mais longe e acredita que este processo deveria chegar às “instâncias internacionais, porque o Estado de direito português não está a funcionar”.  

Artigo editado por Filipa Silva

Artigo corrigido às 09h53 do dia 14 de fevereiro. O antigo vereador da CMP Paulo Morais não é advogado, nem foi candidato à Assembleia da República como erradamente se referia. Foi, sim, candidato à Presidência da República e às últimas Eleições Europeias.