A violência psicológica é a mais recorrente nas relações de namoro, seguida da violência social, física e, por fim, sexual. As conclusões são de um estudo nacional sobre a violência no namoro em contexto universitário.

Os resultados principais da pesquisa – cuja súmula foi apresentada esta sexta-feira, no Dia dos Namorados – basearam-se nas respostas de 3.256 participantes, recolhidas entre abril de 2017 e janeiro de 2020. Entre outros objetivos, o trabalho propôs-se “a descrever os comportamentos de violência no namoro” vividos e praticados por estudantes do ensino superior.

Ao JPN, Sofia Neves, uma das autoras do Estudo Nacional da Violência no Namoro em Contexto Universitário, reconhece que há quem ainda não problematize a violência psicológica por se tratar de uma tipologia de violência “muitas vezes ignorada como tal”. A investigadora, que é também presidente da entidade responsável pelo documento, a Associação Plano i, refere que a violência psicológica “tende a ser mais difícil de provar, sendo por isso também menos valorizada”, porque “não deixa marcas visíveis”. No entanto, “pode ser uma das que maior impacto causa nas vítimas”, remata.

Do total de inquiridos no estudo, 71,4% são estudantes, sendo que os restantes 28,6% acumulam a atividade estudantil com uma qualquer atividade profissional.

Mais de metade dos participantes já foi sujeita a pelo menos um ato de violência no namoro e 35% reconheceu já ter praticado um ato do género pelo menos uma vez. E, ainda que essa violência seja sofrida e praticada por ambos os sexos, são os homens quem mais a praticam: 40,7% dos homens figuram como agressores, face à percentagem de mulheres – 33,4%.

Para Sofia Neves, a prevalência da violência no namoro “é muito preocupante, quer em termos de vitimização, quer de perpetração”. E acrescenta que as evidências do estudo “reforçam a gravidade e complexidade” do fenómeno e “confirmam a sua reciprocidade, ainda que sejam os homens a praticá-lo mais e as mulheres a sofrê-lo mais”.

As respostas ao estudo permitiram concluir, também, que 23,4% das mulheres e 19,6% dos homens já foram culpados, criticados, insultados, difamados e acusados sem razão. Outra das revelações é que 20,7% das mulheres e 11,1% dos homens já foram controlados na forma de vestir, no penteado ou na imagem, nos locais frequentados, nas amizades ou nas companhias pelos parceiros.

O trabalho salienta, igualmente, que a violência é por vezes exercida sob a forma de ameaça ou com o objetivo de intimidar: 16,4% das mulheres e 9,4% dos homens já foram ameaçados verbalmente ou através de comportamentos que causam medo, como gritar, partir objetos ou rasgar a roupa.

Mas a ameaça não é feita apenas ao vivo, havendo quem use as tecnologias da comunicação para exercer atos de violência, com 14,5% das mulheres e 11,5% dos homens a admitir já terem sido ameaçados ou chantageados por essa via.

No relacionamento com os outros, o estudo identifica proibições no contacto com a família, os amigos ou os vizinhos: 14,1% mulheres e 9,7% dos homens já foram impedidos de o fazer. As restrições verificam-se, também, sob outras circunstâncias, visto que 13,9% das mulheres e 10,3% dos homens já viram negada a possibilidade de trabalhar, estudar ou sair sozinho.

A violência física é também referida no documento: 10% das mulheres e 7,9% dos homens já foram magoados fisicamente, empurrados, pontapeados, esbofeteados ou cabeceados. Outro dos dados diz respeito à violência sexual, com 9,5% das mulheres e 5,2% dos homens que reportam ter sido obrigados a ter comportamentos sexuais não desejados.

O estudo revela, ainda, que quem praticou a violência no namoro apresenta crenças sobre as relações sociais de género mais conservadoras do que quem não praticou violência, verificando-se, também, a existência de crenças de género mais conservadoras para quem sofre de violência no namoro.

“É uma questão cultural, de legitimação da violência. Se se acredita que uma determinada prática é aceitável e legítima, ela tende a ser levada a cabo de forma acrítica”, explica ao JPN Sofia Neves.

E remata: “A questão de haver uma relação entre as crenças conservadoras de género e a violência no namoro, sofrida e praticada, é merecedora de destaque, já que aponta no sentido de ter que haver uma intervenção cada vez mais precoce em matéria de igualdade de género, de modo a não permitir que estas crenças se naturalizem quer por parte de homens, quer por parte de mulheres”.

A autora salienta como um dado “muito preocupante” as “percentagens de estudantes que concordam que algumas situações de violência doméstica são provocadas pelas mulheres (12,2% no caso das mulheres e 27,4% no caso dos homens), deslocando a responsabilidade das pessoas agressoras para as vítimas”.

Formação e informação são a chave para a prevenção e o combate

Sobre a compreensão do fenómeno da violência no namoro segundo a ótica dos estudantes, Sofia Neves refere que é importante “em primeiro lugar, porque são eles e elas os/as protagonistas das suas vivências de violência, seja ela praticada ou sofrida. Em segundo lugar, porque nos permite mapear o fenómeno numa faixa etária muito específica que marca a transição para a idade adulta e é decisiva no desenvolvimento de competências a vários níveis. Finalmente, porque sendo a violência no namoro preditora da violência nas relações entre pessoas adultas, ao conhecê-la poderemos aperfeiçoar os mecanismos de prevenção e de combate à violência.”

Para Sofia Neves, as instituições do ensino superior podem ajudar nessa batalha “através da formação, da informação e da disponibilização de estruturas especializadas de atendimento a vítimas e pessoas agressoras”.

Envolver a comunidade estudantil é, também na perspetiva da investigadora, algo “fundamental para que a prevenção e o combate à violência no namoro sejam eficazes”.

A esse propósito, a Rede Nacional de Voluntariado apresentou a ação “Namorar com Fair Play”, que acaba de abrir inscrições para jovens voluntários que queiram desenvolver, durante sete meses, ações em escolas, associações juvenis e outras entidades. A campanha, promovida pelo Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), visa “desenvolver ações promotoras da prevenção da violência no namoro”.

Esta ação de voluntariado jovem, dirigida à população que vai dos 16 aos 30 anos, pretende contribuir para a “promoção de relações de namoro saudáveis e igualitárias”.

Artigo editado por Filipa Silva