A indústria portuguesa está a dar cartas no campo da sustentabilidade. As áreas do têxtil e do calçado têm apostado na inserção de plástico das praias e dos oceanos na composição dos seus produtos. É no distrito de Braga que se encontram duas das empresas que decidiram diminuir a pegada ecológica: a Dune Bleue e a Zouri Shoes.

A empresa Dune Bleue, de Famalicão, destacou-se no mês passado na ISPO de Munique – uma feira de moda desportiva – com o lançamento de uma meia feita de tecido produzido através de plásticos recolhidos nos oceanos.

A ideia surgiu de uma colaboração com o projeto Seaqual, uma empresa espanhola que faz a recolha de plásticos nos oceanos e depois os transforma no fio reciclado com o mesmo nome – a fibra Seaqual. Linhas de pesca, garrafas e outras embalagens de plástico estão na base deste tecido. Ao JPN, o CEO da Dune Bleue, Ricardo Faria, carateriza o tecido como “poliéster com origem nos plásticos do mar“.

O processo de desenvolvimento do produto começou há já “cerca de ano e meio”, como confirma Ricardo Faria. Acertar com o resultado final não foi fácil e “como com qualquer coisa nova” houve dificuldades. “Há que pensar, experimentar, afinar, voltar atrás. É preciso dominar primeiro as matérias primas para depois aplicar tudo a um produto novo”, explica. Foram precisos “acertos” com o fabricante de forma a “fazer um fio com a dimensão específica para as meias”.

Dune Bleue

Segundo nota de imprensa enviada pela empresa, a marca havia já integrado no passado materiais sustentáveis nos seus produtos, como algodão e lã reciclados. Além disso, Ricardo Faria aponta que a atenção com a sustentabilidade é cada vez maior. Embora a preocupação ecológica não tenha sido um dos pontos de maior enfoque na criação da empresa, “hoje em dia é a base de todo o trabalho”, acrescenta a mesma fonte.

Como esta, mais 74 empresas portuguesas fazem parte da lista de marcas inscritas no projeto Seaqual, que usam esta fibra sustentável nos produtos que fabricam. Ricardo Faria acredita, por isso, que esta é uma preocupação eminente: “nós sabemos que os recursos são finitos portanto temos de começar a arranjar alternativas”.

Um par de sapatos equivale a seis garrafas de plástico

Foi o alerta para a finitude dos recursos e a “preocupação ambiental” que levaram Adriana Mano a criar a Zouri Shoes em janeiro de 2019. Quem o conta é Joana Monteiro, responsável pelo backoffice da empresa. “A Adriana, por tradição, fazia campismo e de todas as vezes apercebia-se da quantidade monstruosa de plástico que se acumulava nas praias e tinha por hábito fazer a recolha desse mesmo plástico”, explica. Como a fundadora tinha já um largo conhecimento na área do calçado decidiu juntar as duas vertentes, de forma a colmatar a necessidade de fazer “uma mudança pelas nossas praias e pela nossa costa”, conta Joana.

Todos os sapatos da marca incorporam nas solas o plástico retirado das praias, que é recolhido maioritariamente no norte e centro do país com a ajuda da Câmara Municipal de Esposende e de Organizações Não Governamentais como a Brigada do Mar e o projeto FOCA- Focus On Critical Actions. O plástico é recolhido, lavado, triturado e incorporado na sola com borracha natural: “cada par retira da nossa costa é equivalente a seis garrafas de plástico”, afirma Joana Monteiro.

Para além do plástico nas solas, todos os materiais usados na composição seguem a ordem da sustentabilidade. Na verdade, esta é uma marca eco-vegan (que não usa, portanto, nenhum produto de origem animal). A empresa bracarense usa materiais como piñatex, “feito com a fibra da folha de ananás”; algodão orgânico duplamente certificado (para além de natural, tem ainda certificado de comércio justo); e ainda linho e cânhamo “produzidos na Europa”.

Todos os meses, a marca vai a escolas para fazer palestras de sensibilização em relação à “reinvenção do plástico”. A responsável acredita que “o consumidor em geral tem cada vez mais consciência”.

Para Joana, a indústria portuguesa ainda não está suficientemente determinada a adotar novas medidas no que toca ao desenvolvimento sustentável e explica que as “certificações ecológicas” são “um investimento que possivelmente terá um retorno”. “Tem havido uma crescente preocupação relativamente a este assunto, contudo, somos ainda menos do que aquilo que queríamos”, remata.

O caminho é ainda longo mas, aos poucos, a indústria portuguesa vai reduzindo a pegada ecológica. Resta esperar para saber se a sustentabilidade se vai manter como tendência, seguida por uma mudança passo a passo, para lá dos sapatos e das meias.

Artigo editado por Filipa Silva.