O cartaz mais antigo a ser exibido data de 1956. No total, são cerca de 200 os cartazes que constituem a exposição “Cartaz”, inaugurada na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP) no dia 13 deste mês. Rui Mendonça, professor naquela instituição e um dos grandes colecionadores que tornou possível a iniciativa ao doar a maioria dos cartazes expostos, explica ao JPN que o tempo faz dos cartazes lugares de memória valiosos.
“O tempo confere aos objectos o valor que eles não têm. Se eu agarrar num garfo de hoje, de baixa qualidade, e o esconder num cofre durante 300 anos; daqui a 300 anos esse garfo vai valer uma fortuna porque eventualmente os outros bons da época já desapareceram, já se destruíram. O que confere qualidade a esse produto é o tempo“, esclarece numa comparação sobre o valor dos cartazes enquanto súbditos do tempo.
Não é fácil interpretar o impacto dos cartazes na altura em que estiveram afixados. Rui Mendonça aponta o exemplo do cartaz de um rally de Vila Real. “Eu não tenho aqui dados para perceber se aquele era um cartaz importante na época, para isso precisávamos de perceber o que é que se estava a fazer na época, quais eram os autores, quais as limitações da produção dos cartazes. Mas quando nós olhamos para aquele trabalho, só ele ter 70 anos, ou 60 e tal, naquele papel com aquele envelhecimento; hoje olhamos para aquela peça como uma peça impecável“, reflete.
O cartaz do Mosteiro da Batalha, de Sebastião Rodrigues, “é uma das peças mais importantes” da exposição para o docente. “É desenhada por um dos designers portugueses mais conceituados e é uma peça que tem patine, tem qualidade e já na época era uma grande peça, era um grande autor.”
Rui Mendonça não descarta que possam ser feitas várias leituras dos cartazes expostos, mas diz ser difícil “perceber a evolução do design ou como é que vai ser o futuro do design“. Na longa parede preenchida por diversos cartazes é possível tentar observar-se esta evolução, marcada pela transição para o digital. No entanto, “ainda conseguimos encontrar situações feitas em serigrafia, outras em offset, outras em litografia. Conseguimos encontrar aqui processos de impressão”, ressalva.
Os elementos visuais que compõem um cartaz constroem a mensagem do autor, que pretende uma reflexão. O docente realça a “ancoragem” e o “contraste” entre o texto e a imagem. Ou seja, a imagem “acaba por criar um mistério” que depois “o texto nos ajuda a resolver”. “Quando alguém faz um cartaz quer questionar, quer interagir, e se a mensagem for de tal maneira denotativa ela não interage”, assegura.
Enquanto que o cartaz mais antigo conta com 64 anos, o mais recente é o da própria exposição – o único feito por Rui Mendonça que está exibido na parede da FBAUP. Outrora, todos os cartazes da exposição já estiveram afixados publicamente, agora ganham uma nova oportunidade. O professor acredita que os cartazes “perpetuam o acontecimento” que publicitam. “Se estes cartazes não estivessem aqui muitos destes eventos tinham caído no esquecimento e eles permitem-nos voltar a visitá-los”, confirma.
Sobre a decisão de doar a coleção, Rui Mendonça revela que a atitude foi “um misto de generosidade e de egoísmo“. Começou a recolher os cartazes “desde miúdo” – com 20 anos – “por prazer e por alguma obsessão“, característica do ato de colecionar. Durante o doutoramento na Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP) – atual FBAUP -, encarou o colecionismo de uma “forma mais impulsiva e mais obsessiva”. Como ídolos tinha os designers Sebastião Rodrigues e João Machado, mas para o projeto de doutoramento “o Cartaz e a Escola” decidiu abrir o espectro a muitos outros autores e não se guiar por grandes critérios.
Dada a magnitude da coleção – que cresce com o tempo que passa – e as solicitações que recebia para consulta e empréstimo dos trabalhos, “tornou-se complicado ter em casa esse acesso”. Assim, nasceu a ideia – quando defendeu o doutoramento – de oferecer, apenas, os cartazes da ESBAP à FBAUP, e “não o resto da coleção”.
Na exposição, entre os autores homenageados, estão nomes como Amândio Silva, Armando Alves, Dario Alves, Domingos Pinho, João Machado e Jorge Afonso – veteranos do ensino do Design Gráfico na ESBAP.
Segundo o professor, a seleção dos cartazes não passou por critérios qualitativos. “A escolha não foi estética, não foi conceptual, foi de quantidade. Ou seja, de todos os alunos e todos os professores que tinham feito cartazes, eu recolhi esses cartazes. Dentre esses autores há um conjunto de peças que não são nada de especial”, esclarece.
A comissão da exposição, composta pelo próprio, por António Modesto e Luís Mendonça, optou por “não criar nenhum tipo de limitações“. Tratou-se, apenas, de uma intenção em aumentar a quantidade de autores, sem estigmas ou elitismos.
Mais de mil cartazes foram oferecidos à faculdade, mas apenas 200 foram seleccionados, um de cada autor. Afixados ao longo de uma parede extensa por ordem cronológica, os cartazes podem ser visitada no Pavilhão de Exposições da FBAUP, de terça a sábado entre as 14h30 e as 18h30, até dia 11 de abril de 2020. A entrada é livre.
Artigo editado por Filipa Silva.