Se no aclamado livro “1984”, de George Orwell, o Big Brother – um vigilante fictício – estava sempre presente, hoje em dia esse papel pertence às empresas de tecnologia. Sob o lema Big tech is watching you. We’re watching big tech (“As gigantes tecnológicas está a observá-lo. Nós estamos a observar as gigantes tecnológicas”), o The Markup, lançado a 25 de fevereiro, promete um jornalismo de investigação e de dados dedicado às gigantes de Silicon Valley.

Contrariamente a outras publicações sobre mercados ou produtos tecnológicos, o The Markup distingue-se pela análise de empresas como a Google, o Facebook ou a Amazon. A publicação debruça-se sobre questões de privacidade, de critérios para definir algoritmos ou de propagação de informação falsa.

Julia Angwin é fundadora e editora do The Markup

O projeto foi fundado em 2018 pelos jornalistas Julia Angwin, que já passou pelo The Wall Street Journal e pela ProPublica; Jeff Larson, que também passou pela ProPublica; e Sue Gardner, que foi diretora executiva da Wikimedia Foundation.

Depois de um período conturbado, com o afastamento e regresso de Julia Angwin às funções de editora, a advogada Nabiha Syed, anteriormente ligada ao Buzzfeed, assumiu a presidência do projeto. O The Markup arrancou oficialmente em fevereiro já sem Sue Hardner e Jeff Larson.

O financiamento baseia-se em doações individuais e de instituições como a The Ford Foundation ou a Craig Newmark Philanthropies, do fundador da Craigslist, que já doou mais de 20 milhões de dólares à iniciativa (cerca de 18 milhões de euros).

Rui Barros é um dos poucos jornalistas de dados em Portugal e considera o projeto “muito interessante”. “Nasce numa altura em que os media não estão a fazer o trabalho essencial de quarto poder relativamente às empresas de tecnologia“, explica.

O The Markup “usa novas ferramentas que são essenciais para perceber este mundo, como dados e programação“, o que, “enquanto jornalista de dados”, deixa Rui Barros “excitado”. “Sei que tem profissionais muito competentes, houve gente que saiu de grandes redações para lá, por isso tem potencial”.

Um dos primeiros trabalhos debruçou-se sobre o filtro do Gmail relativamente às newsletters enviadas pelos candidatos na corrida à Casa Branca, assim como grupos de apoio ou instituições sem fins lucrativos. Grande parte do financiamento das campanhas políticas nos Estados Unidos depende do alcance dos emails a apelar às doações, o que pode influenciar o sucesso ou insucesso de certos candidatos e, consequentemente, as próprias eleições.

A investigação concluiu que o algoritmo favoreceu candidatos como Pete Buttigieg e Andrew Yang, enquanto que Elizabeth Warren ou Beto O’Rourke saíram a perder. O problema reside na falta de transparência sobre os critérios específicos que determinam se um email vai para a caixa principal, para as promoções ou para o spam, visto que mensagens semelhantes de candidatos diferentes não acabavam nas mesmas caixas de correio.

Rui Barros afirma que esta investigação diz “muita coisa sobre a atenção ao detalhe” e confessa que “nunca tinha pensado nesta questão sequer”. “Se calhar não estamos muito treinados para pensar nestas coisas. De repente o algoritmo assumiu quase uma posição sacra nas nossas vidas, mas a verdade é que o algoritmo é escrito por pessoas e questioná-lo é sempre importante”, sublinha.

Sendo ainda muito recente, o futuro do The Markup está em aberto e Rui Barros está a torcer pelo sucesso da iniciativa. “Estas empresas têm cada vez mais poder na nossa vida e isso significa que há espaço para um projeto destes, mas sabemos que estas coisas não se resolvem só com isso, temos de saber se é viável economicamente, mas obviamente que gostaria que uma coisa destas se aguentasse”, conclui.

Artigo editado por Filipa Silva.