São já 41 os casos confirmados do novo coronavírus em Portugal, 27 dos quais na zona norte do país. Estão a ser encerradas instalações e cancelados eventos, mas como é o dia a dia nos estabelecimentos de saúde do Porto?

Os entrevistados são unânimes: não existe motivo para pânico, nem esta é uma reação muito observada no quotidiano. “As pessoas estão a ter um comportamento bastante adulto”, opina Paulo Cunha, porteiro do Centro Hospitalar Universitário do Porto. “Claro que o acesso às visitas é complicado, querem ver os familiares e não podem, mas no geral as pessoas respeitam.” Nota alguma diferença nas rotinas do hospital: “estão a alterar consultas, pessoas frágeis e com problemas respiratórios são aconselhadas a ficar em casa”, declara ao JPN.

As visitas foram suspensas no Hospital Geral de Santo António, à porta do qual nos encontramos. Os doentes também não podem trazer mais do que um acompanhante, esclarece Paulo Cunha. Outra das medidas tomadas pelo hospital consiste na criação de uma área reservada para os casos suspeitos de coronavírus, separando-os assim dos restantes utentes.

Daniela Dores, enfermeira no Santo António, explica que “os casos suspeitos não passam pelo circuito normal, são identificados logo à porta pelos administrativos ou pelo segurança ou já vêm referenciados pelo SNS 24. O circuito é diferente, são logo isolados em gabinetes já preparados para os receber.” E existe espaço para todos? Daniela Dores diz que, para já, sim, embora a situação se comece a complicar porque vão surgindo cada vez mais casos. A espera das consultas externas faz-se agora na parte antiga do hospital, anteriormente reservada às visitas, ao passo que a sala de espera que até agora era usada nas consultas externas, bem como o bar contíguo, estão a servir para ampliar a resposta, com a construção de mais consultórios.

A afluência ao hospital diminuiu, diz Cesário Soares, médico no mesmo hospital. Desde a semana passada, o clínico repara que aparecem menos pessoas, “talvez por medo”, mas desdramatiza: apesar de esta ser uma “fase de adaptação”, até porque se trata de um novo vírus, os hospitais e o INEM recebem novas orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) diariamente, para se irem adaptando ao desenrolar da situação e, portanto, considera que os esforços feitos no sentido de conter a propagação do vírus são adequados. Tal como a enfermeira, frisa o facto de não haver contacto entre os pacientes suspeitos de infeção com o novo coronavírus e os restantes pacientes.

Num centro de saúde do Porto, um enfermeiro que preferiu não se identificar também nota que diminuiu a procura dos serviços: “Há menos gente a vir ao centro de saúde. As pessoas evitam, um bocado por receio do que vão encontrar.” Mas considera que os cidadãos estão a fazer a sua parte ao nível da proteção, sem entrar em grandes alarmismos: “As pessoas não têm grandes reações de pânico. O que se vê é algumas pessoas quando vêem algo suspeito, taparem a boca, o nariz. Nota-se que há alguma capacidade das pessoas de se defenderem das situações. Penso que no centro não é o pior, será bem pior em transportes públicos, por exemplo, em que as pessoas não conseguem manter a distância de segurança. Acho que as pessoas estão despertas, fazem por não se aproximar tanto umas das outras, tentam manter uma distância razoável.”

Os utentes que entrem no centro de saúde com sintomas que possam indicar infeção pelo novo coronavírus devem dirigir-se diretamente à secretaria, estando assim limitado o contacto com outros utentes. O profissional de saúde sublinha a importância dos hábitos de higiene, como “lavar as mãos, tossir para o braço, não tossir para cima dos outros”.

Uma assistente operacional, no mesmo centro de saúde, confirma: “vê-se menos gente”. Mas, para além de terem sido reforçadas as limpezas, que passam pela desinfeção mais frequente do espaço, “de hora em hora”, os dias têm decorrido dentro da normalidade.

Recorda um caso pontual de pânico, como o de uma senhora que chegou lá “muito aflita”, até porque a sua profissão implicava contacto frequente com turistas, mas “depois veio o médico que viu que aquilo realmente era pânico e mais nada, consultou-a e mandou-a embora.” O enfermeiro comenta o mesmo caso, dizendo que a paciente acabou por ser observada por “uma gripe, absolutamente normal”, mas que na dúvida são sempre tomados os procedimentos adequados: “existe uma sala de isolamento, onde a pessoa é colocada, tem um contacto telefónico, o médico entra em contacto com o utente, faz questões e verifica se há dúvidas ou não, depois o paciente é devidamente encaminhado.”

Para o profissional de saúde, os desinfetantes a esgotar nas farmácias são uma coisa “tipicamente portuguesa: à cautela, vai logo tudo em bando comprar, antes que falte, até nem precisam, mas vão comprar.”

“Por um lado, compreendo, mas como estou na saúde também não posso entrar nesse pânico. Se nós profissionais vamos comportar-nos assim, que exemplo vamos dar às pessoas? Não quer dizer que não andemos assustados com isto, mas temos de manter uma postura profissional”, conclui.

É inegável que todos estes trabalhadores se encontram numa posição mais vulnerável, por contactarem mais de perto com potenciais portadores do vírus. Mas dizem sentir-se devidamente protegidos. Paulo Cunha não usa proteção, nem vê necessidade disso: “entre o pessoal do hospital, ninguém anda de máscara, a máscara é para os doentes. Acho que a proteção é adequada.” Da mesma opinião é o enfermeiro: “Não uso máscara, nem tenho de usar proteção alguma. Isso é o próprio doente que tem de usar, para proteger os outros.”

Para o porteiro do Hospital de Santo António, é importante manter uma postura de calma: “Nós somos o último reduto. A faculdade da minha filha fechou porque se verificou um caso, nós aqui temos quatro ou cinco, mas o hospital não pode fechar.” Já o enfermeiro diz que o mais importante é seguir os cuidados indicados pela DGS e que os profissionais de saúde devem dar o exemplo. “Já passei por várias epidemias, desde o síndrome respiratório (SARS), gripe A, ébola, não posso dizer que alguma vez vivi assustado, não deixei de viver por causa disso, mas claro que tenho os meus cuidados. Acima de tudo temos que pensar que somos profissionais de saúde, logo, por muito que isto nos assuste, não podemos passar essa imagem para o utente”, remata.

Artigo editado por Filipa Silva.

Este artigo integra uma edição especial preparada sob a coordenação editorial de Pedro Rios aquando da sua passagem pela redação do JPN como Editor por um Dia.