“Nos últimos tempos o interesse mediático à volta do vírus tem crescido de forma bastante exponencial”. Quem o diz é Uriel Oliveira, vice-presidente da Cision Portugal. A empresa que faz monitorização e análise dos media criou um painel relativo à COVID-19 que mostra, diariamente, a cobertura mediática global. De acordo com este painel, só esta terça-feira foram divulgadas mais de quatro mil notícias sobre o novo coronavírus em Portugal. Segundo Uriel Oliveira, “existe claramente uma tendência de crescimento”.

Também um grupo de investigadores do MediaLab ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa reuniu num relatório a análise à presença do coronavírus nas notícias e nas redes sociais em Portugal, no primeiro mês de incidência do surto. O relatório aponta que “pelo menos até ao surgimento dos primeiros casos em Portugal, este foi um assunto que parece ter sido, sobretudo, promovido pela agenda dos media”. O tema começou a ser relevante para os meios de comunicação portugueses “a partir de meados de janeiro de 2020, mas cresceu fortemente na atenção mediática a partir do último terço desse mês, com as primeiras posições oficiais da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Direção-Geral da Saúde (DGS)”. 

O relatório – intitulado “Informação e Desinformação sobre o Coronavírus nas Notícias e nas Redes Sociais em Portugal” – refere ainda que os exemplos que existem de desinformação surgem nos Estados Unidos e espalham-se, principalmente, em páginas de Facebook. Ainda assim, “as narrativas desinformativas internacionais não tiveram grande repercussão em Portugal até ao momento”, garante o estudo do MediaLab ISCTE. Mas até que ponto a busca excessiva por informação se pode tornar, também, num dos sintomas da doença?

Segundo Sandra Torres, professora de Psicologia da Saúde da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), “há uma tendência por parte dos media em insistir um pouco mais em algumas informações que, normalmente, incorrem no risco de criar algum alarmismo”. Ainda assim, os meios de comunicação social têm um papel importante e muita da “informação que tem sido dada é fundamental, tendo em conta que muitos comportamentos, no que toca à prevenção individual, não são comportamentos que estejam enraizados na população”. Para Sandra Torres, o ideal seria encontrar um ponto de equilíbrio “entre informação que naturalmente assusta e informação que tranquiliza”. 

“O receio de que não se esteja a contar tudo”

Joaquim Fidalgo, professor de jornalismo da Universidade do Minho, considera que é importante “ser-se rigoroso e falar-se a uma só voz, sobretudo no que toca a dados concretos”. “O que causa mais alarmismo é o receio de que não se esteja a contar tudo”, sustenta.

O especialista defende ainda que “há uma certa dispersão e, em alguns casos, alguma pressa para se dizerem as coisas”, mas o rigor científico tem de estar sempre em cima da mesa. “É importante que se fale com especialistas. Eles vão regularmente explicando do ponto de vista médico como estão as coisas com fundamento científico”, explica Joaquim Fidalgo.

Isabel Trindade, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses, defende também a importância de ouvir fontes oficiais no sentido de obter informações exatas e de “não especular com a situação”. “Deve ser dada às pessoas toda a informação necessária, mas têm de ser fontes fidedignas, como é a Direção-Geral da Saúde e a Organização Mundial de Saúde, e as diferentes fontes devem dizer a mesma coisa”, remata.

O medo do desconhecido

“As pessoas estão alarmadas porque é uma situação em que não têm controlo”, refere Isabel Trindade. Da mesma forma, Sandra Torres também considera que a ausência de conhecimento cria alarmismo nas pessoas. “Sendo que não se conhece muito do comportamento do vírus e da forma como poderá evoluir – aliado ao facto de as pessoas perceberem que nem os próprios profissionais de saúde têm este conhecimento – gera ansiedade e preocupação”, afirma a professora da FPCEUP. 

A par dos profissionais de saúde, também os media são confrontados com uma situação de impreparação, uma vez que se trata de um caso sem precedentes: “ninguém está preparado para uma coisa com estas proporções. Quando isto nos cai em cima com esta força e quando se cria este receio, é natural que haja confusão e nervosismo”, como acrescenta Joaquim Fidalgo.

Relembrar boas práticas de jornalismo

De forma a “incentivar padrões de boas práticas por parte dos órgãos de comunicação social”, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) lançou, a 4 de março, o “Guia de Boas Práticas na Cobertura Informativa de Doenças e Situações Epidémicas”. Entre algumas das normas recomendadas estão, por exemplo, o recurso privilegiado a fontes especializadas e oficiais de informação e o respeito pela privacidade dos doentes infetados.

Em declarações ao JPN, a ERC afirma que houve um apelo por parte do Conselho Regulador aos órgãos de comunicação social para uma “redobrada atenção dos mesmos em situações que possam causar alarme social”.

Joaquim Fidalgo reforça a importância daquele guia, embora ressalve que não há nenhuma novidade no plano: “são coisas que todos nós, jornalistas, sabemos”. Apesar disto, reconhece a necessidade de evocar de novo alguns trâmites, nomeadamente, no que toca à “garantia da privacidade” e ao “cuidado com o sensacionalismo”. “É importante recordar certas coisas que, no dia a dia, podemos achar que não são necessárias. Nestas alturas excecionais, é preciso ter uma atenção excecional”, explica.

“Informação boa e rigorosa nunca é contraproducente”

Para Joaquim Fidalgo, “informação boa e rigorosa nunca tem efeitos contraproducentes. Aliás, pelo contrário, é essencial”. Apesar disso, a ERC confirma ao JPN que “a cobertura do coronavírus se encontra entre os diversos temas sobre os quais tem recebido participações e que são alvo de apreciação”. 

O vice-presidente da Cision Portugal, Uriel Oliveira, afirma que a atenção mediática contribui para uma maior atenção das populações para o surto. “Num caso como este, [o fenómeno noticioso] pode ser entendido de uma forma positiva e levar a que as pessoas tomem medidas e ações para se precaverem e para diminuírem o contágio”, conclui.

Artigo editado por Filipa Silva.

Este artigo integra uma edição especial preparada sob a coordenação editorial de Pedro Rios aquando da sua passagem pela redação do JPN como Editor por um Dia.