O primeiro caso de COVID-19 em Portugal foi confirmado há quinze dias e desde então que um novo paradigma se instalou nas rotinas dos portugueses. Impedir o contágio é sinónimo de isolamento e suspensão “por tempo indeterminado” – a expressão que mais se ouve nos comunicados – de vários setores da sociedade. O setor da Cultura não é exceção e vários eventos vão sendo progressivamente cancelados, além de todos os museus e monumentos nacionais estarem encerrados.

No Porto, depois da decisão da Câmara Municipal de encerrar todos os museus, monumentos, bibliotecas e teatros de domínio público, também a Casa da Música, a Fundação de Serralves, a Livraria Lello, o Palácio da Bolsa e o Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota, bem como outros espaços culturais, decidiram fechar portas até ao dia 3 de abril.

Mas não só à segurança responde o isolamento: a insegurança financeira infetou todos os setores da sociedade. No caso da Cultura, onde a maioria dos trabalhadores é paga pela prestação de serviços (os comuns recibos verdes), o teletrabalho não se revela uma opção. Não há setor do espetáculo sem público. Nesse sentido, o Governo já incluiu apoios aos trabalhadores a recibos verdes nas ajudas financeiras acionadas pelo estado de pandemia.

Apesar do impacto que a COVID-19 está a provocar nas artes, muitos artistas decidiram seguir a onda de partilha à distância que tem ocorrido nas redes sociais e deram verdadeiros concertos – sem bilheteiras, filas ou multidões – à distância de um ecrã.

Depois de os dois concertos marcados para este fim de semana terem sido cancelados, Salvador Sobral decidiu transmitir um concerto em direto nas redes sociais. Quase meio milhão de pessoas assistiu este sábado (14) à sessão bipartida de pouco mais de uma hora em que o músico se fez acompanhar do guitarrista André Santos, com quem partilha a rúbrica “Quinta das Canções” onde interpretam clássicos portugueses.

Longe – um do outro e de todos os que os ouviam – e apesar de não ouvirem palmas, os músicos conseguiram transmitir tranquilidade com a música e Salvador Sobral, num vídeo de agradecimento que partilhou nas redes sociais, prometeu repetir o concerto online.

Na sexta-feira (13), já o contrabaixista portuense Aníbal Zola tinha apresentado o novo álbum Amortempo numa transmissão em direto, onde apelou para que aquele “vírus bom” da música fosse espalhado ao invés do outro.

O também portuense Tiago Nacarato antecipou passado o lançamento de “Para Além Do Que Se Vê”, uma rúbrica que promete ser semanal e em que o músico recebe um convidado que considera fazer parte da nova e promissora geração de músicos.

“É ousado estar a partilhar conteúdo num momento tão preocupante e urgente como este, mas é precisamente para combater o pensamento obsessivo e cíclico que partilho”, refere o músico na descrição do vídeo. Na primeira edição, partilhada este sábado (14), Tiago Nacarato recebe Luca Argel, um músico e escritor brasileiro que vive no Porto.

A dupla Cordel, dos artistas Edu Mundo e João Pires, tem marcado para as 21h30 desta segunda-feira (16) um concerto ao vivo do “sofá de casa” – como brincam na localização do evento – com o lema “espalha a palavra, não o vírus”.

Estas iniciativas ganharam força e acabaram por gerar um festival, em casa. A receita junta diferentes artistas, editoras e agências num movimento cultural inédito. O @FestivalEuFicoEmCasa tem início marcado para esta terça-feira (17) e prolonga-se até domingo (22). Segundo a organização, trata-se de “um evento no Instagram onde perto de uma centena de intérpretes, músicos e autores nacionais irão dar ‘concertos’ individuais, com a duração máxima de 30 minutos a partir das suas próprias casas e desta forma levar a música até todos os que ficaram privados dela com o cancelamento de todos os concertos no País.”

O leque de artistas inclui nomes como April Ivy, Bárbara Tinoco, Boss AC, Cristina Branco, The Legendary Tigerman, Diogo Piçarra, Ana Moura, Fausto, Noiserv, António Zambujo, Matias Damásio, Pedro Abrunhosa, BRANKO, Ana Bacalhau ou Capicua, entre muitos outros. Os concertos vão decorrer entre as 17h00 e as 23h30.

Noutros palcos das artes o alargamento infinito das plateias também se verifica. A partir desta segunda-feira (16), o Teatro do Noroeste, do Centro Dramático de Viana do Castelo, vai divulgar um vídeo por dia nas suas redes sociais com criações da companhia. As peças infantis que faziam parte da agenda de março, entre as quais uma adaptação de “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá”, também estão disponíveis online por tempo limitado.

Ainda para os mais pequenos e inquietos em casa, o Bairro dos Livros vai proporcionar uma história da sua “Biblioteca Emocional” por dia, contada pelos autores das obras escolhidas.

No que toca à sétima arte, a Medeia Filmes ofereceu-se a disponibilizar de forma gratuita três filmes por semana, disponíveis no site no dia a seguir à estreia.

Os museus também já se adaptaram ao isolamento: o Museu Coleção Berardo vai inaugurar as apresentações online com a inauguração de uma exposição à distância. “Obras Inéditas”, do britânico Julian Opie, vão ser apresentadas numa visita guiada virtual conduzida pelo artista gráfico.

E de visitas virtuais está a internet cheia: o Google Artes e Cultura reúne visitas virtuais aos mais distintos museus do mundo como o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, o museu de Van Gogh na Holanda ou o Museu d’Orsay em Paris e ainda a mais de 30 monumentos em Portugal.

Artigo editado por Filipa Silva.