O que começou por ser um pequeno trabalho académico transformou-se no tema da dissertação de mestrado de Ana Sofia Carneiro Ferreira, apresentada no ano passado. A agora mestre em Linguística – pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) – analisou linguisticamente as Fichas de Avaliação de Risco de Violência Doméstica da PSP e da GNR. A “complexidade das perguntas” é um dos maiores problemas que Sofia Ferreira aponta.

Para a investigadora, as perguntas devem ser decompostas e simplificadas devido à ambiguidade atual. “Em vez de 20 até poderia haver 30 [perguntas] mas cada resposta corresponderia apenas a uma pergunta”, explica. “A nível de linguagem, a reformulação era precisa”, completa.

As fichas, que estão presentes na PSP e na GNR, existem desde novembro de 2014. E devem ser preenchidas duas vezes: uma preenche-se no auto de denúncia e a outra é preenchida pouco tempo depois. A primeira versão avalia o risco de violência doméstica e a segunda (com as mesmas perguntas mas com mais espaço para as respostas) reavalia o mesmo risco.

No que diz respeito às questões, Sofia Ferreira explica que “em vez de haver só uma pergunta”, é possível “ter três ou quatro na mesma”. Aliado a isso está o facto de “as respostas serem fechadas” o que “não ajuda a especificar qual foi a resposta da vítima e a que pergunta”, explica a investigadora.

Tomemos como exemplo a sétima das 20 perguntas analisadas: “O/A ofensor/a já utilizou/ameaçou usar algum tipo de arma contra a vítima ou outro familiar ou tem acesso fácil a arma de fogo?”. A pergunta pode ser desdobrada em cinco, segundo a dissertação de Sofia Ferreira:

  • “O/A ofensor/a já utilizou algum tipo de arma contra a vítima?”;
  • “O/A ofensor/a já ameaçou usar algum tipo de arma contra a vítima?”;
  • “O/A ofensor/a já utilizou algum tipo de arma contra outro familiar?”;
  • “O/A ofensor/a já ameaçou usar algum tipo de arma contra outro familiar?”;
  • Por fim, “O/A ofensor/a tem acesso fácil a arma de fogo?”

Assim, a vítima pode estar a responder que “não” pois o ofensor não tem armas de fogo mas pode ter fácil acesso às mesmas, não estando isso perceptível na resposta. Este aspeto pode levar a uma avaliação incorreta do risco, que se for baixo, “o tempo que decorre entre uma e outra [preenchimento das fichas] é muito grande” e, entretanto, “as vítimas podem ser incentivadas a desistir ou até ameaçadas, e a segunda avaliação de risco feita pode ser influenciada por esses fatores externos”, sustenta Sofia Ferreira.

No que diz respeito ao caminho que percorreu até conseguir conclusões, a investigadora aponta demoradas burocracias relativas a autorizações que acabaram por fazer com que tivesse que “aprofundar a análise das perguntas” e “depois partir para uma reformulação das perguntas”.

“Decidi avançar para a dissertação de mestrado porque vi que era um tema que tinha ainda muito por falar, o trabalho foi por alto”, conta. Confessa ainda que o resultado não era o que tinha planeado inicialmente. “A ideia não era analisar as perguntas outra vez, era analisar o contexto de entrevista entre perguntas e respostas”.

“A reformulação que fiz das perguntas, que apresentei na dissertação, só passou por mim, mas uma reformulação definitiva teria de ser feita em conjunto, por vários profissionais”, remata Sofia Ferreira.

Artigo editado por Filipa Silva.