A pandemia que assola o mundo tem afetado sobremaneira todos os setores da sociedade e o desporto não foge a essa realidade. O ciclismo, francamente dependente dos patrocinadores e com um calendário muito ancorado na Europa, vive, também ele, um momento muito complicado, perante a suspensão de dezenas de provas numa fase essencial de preparação da época.
Nuno Ribeiro, diretor desportivo da W52-FC Porto, numa curta entrevista concedida ao JPN, explicou o que tem sido o quotidiano dos atletas da equipa vencedora das últimas quatro edições da Volta a Portugal.
Apesar da situação atípica, os atletas mantêm-se a treinar, mas de forma diferente: “Tem sido um dia a dia diferente, os atletas treinam em casa. Todos eles têm um plano de treino”, informou Nuno Ribeiro.
Ainda é muito cedo para se perceber as reais consequências que o coronavírus pode vir a ter no ciclismo mundial, mas, quanto à realidade nacional, Nuno Ribeiro não tem dúvidas em afirmar: “Nada vai ser igual a partir deste momento. Acho que vai haver uma grande crise e que o ciclismo não vai fugir à regra, porque vive de patrocínios”.
A prova de maior envergadura a sofrer com o surto do novo coronavírus é, para já, a Volta a Itália. Inicialmente prevista para decorrer de 9 a 31 de maio, foi adiada por tempo indeterminado há pouco mais de uma semana. A decisão aconteceu na sequência do cancelamento das três primeiras etapas do Giro, a primeira das três grandes voltas do calendário velocipédico internacional, que se realizariam em solo húngaro.
Mas se o Giro foi adiado com esperança de recalendarização mais à frente, muitas outras provas emblemáticas foram canceladas. São exemplos a Volta à Flandres, a Volta ao País Basco, além das clássicas como Milan-San Remo, Paris-Roubaix, Amstel Gold Race, Flèche Wallone ou a Liàge-Bastogne-Liège.
Frederico Bartolo, jornalista do jornal “O Jogo”, relembrou factos que demonstram a excecionalidade da situação: “A prova Milão-San Remo foi cancelada, algo que já não acontecia desde os tempos da primeira e da segunda guerras mundiais”.
Para o administrador do blogue Camisola Amarela João Crespo, uma das soluções para o problema da época pode passar por “esticar” o calendário: “Se as coisas correrem como o previsto e lá para agosto/setembro já poder haver comptição, acho que a época vai ser feita até 15 de dezembro, mais ou menos. Depois, como já houve este tempo de paragem, podia começar-se a época por volta de 15 de janeiro com as provas australianas”, opinou.
As declarações mais recentes de David Lappartient, presidente da União Ciclista Internacional (UCI), à France TV vão, aliás, nesse sentido.
No plano nacional, a realidade com que as equipas se deparam é ainda pior. Sabe-se que as equipas portuguesas dependem e muito dos patrocinadores. Assim, é provável, como diz João Crespo, que algumas equipas caiam “a reboque” da economia nacional: “É possível que, no próximo ano, algumas equipas do atual pelotão não vão para a estrada. A economia vai entrar em queda e há muitas empresas que vão ter menos receitas do que o normal, vão ter de reduzir custos e um dos custos é patrocinar equipas”, prevê João Crespo.
A ideia de João Crespo é corroborada por Frederico Bartolo: “Acredito que, nos próximos anos, algumas equipas deixem cair ciclistas mais caros e que, no geral, o ciclismo baixe os valores envolvidos“, prevê o jornalista de “O Jogo”, apesar de achar que “não vai acontecer este ano”.
Confirmado o inevitável, o mundo do ciclismo começou a preparar-se para subir uma das montanhas mais íngremes do seu historial.
Artigo editado por Filipa Silva