É o escritor Mário de Carvalho quem dá o mote: tensão e azáfama, entre uma equipa de mais de uma centena de cientistas, reunidos numa caverna. Além do primeiro capítulo, já foram publicados mais cinco. O projeto “Bode Inspiratório” reúne escritores e artistas plásticos portugueses, num espaço tão amplo quanto possível: uma página do Facebook. 

Ana Margarida de Carvalho, escritora e jornalista, juntou os quase cinquenta escritores, para criar um folhetim, em plena crise de Covid-19. São diferentes os estilos, assim como os pontos de vista, trazidos por autores como Ana Cristina Silva, Inês Pedrosa, Afonso Cruz, Helena Vasconcelos e Afonso Reis Cabral. 

Todos os dias, ao meio-dia, é publicado um novo capítulo, na página do Facebook “Bode Inspiratório”. Ao JPN, a “arquiteta” do projeto conta que a “ânsia de ajudar” foi o agente inspirador. “É uma maneira de fazer o que os ministros nos mandam – ficar em casa -, e contribuir para que as pessoas fiquem em casa e leiam”. 

Trata-se de “ajudar na situação de emergência e ajudar em estado de emergência”, uma vez que cada escritor dispõe de 24 horas, para “dar espaço e tempo ao seguinte”, explica Ana Margarida de Carvalho.

Não há linhas orientadoras pré-definidas. “Cada escritor é livre para escrever o que lhe apetece, tendo em conta o que os anteriores já escolheram”, esclarece a coordenadora do projeto. O alinhamento foi feito consoante as respostas positivas dos escritores, ao apelo que lhes foi lançado. “Ficámos todos à espera do primeiro capítulo, do Mário de Carvalho; ele lançou as personagens, criou um ambiente e deixou algumas portas abertas. Os outros poderiam seguir por elas, ou fechá-las”, acrescenta. 

Com “agendas despovoadas”, eventos cancelados, e encontros com os leitores suspensos, esta foi também uma forma de “não quebrar os laços com os leitores”. Não obstante, Ana Margarida de Carvalho não esconde que o desafio é “arriscado”, já que pode falhar alguma coisa, uma vez que estão “dependentes da tecnologia” e que podem “não corresponder às expectativas”. 

“Há muitos artistas que continuam a trabalhar como se nada fosse; outros, bloqueiam, e isto até tem ajudado um ou outro a voltar a pensar em termos de trabalho”

Cristina Terra da Motta

Aos escritores, juntaram-se artistas plásticos. Cristina Terra da Motta, que se preparava para ajudar a gerir a página, encontrou um espaço por preencher. “Foi precisamente a olhar para o espaço da capa, que tive a ideia de a ocuparmos com obras de artistas, já que os museus e galerias estão fechados”, relata a curadora de artes plásticas do projeto.

A iniciativa reúne, para já, 40 artistas plásticos, com idades compreendidas entre os 20 e os 80 anos, mais ou menos conceituados. “Há muitos artistas que continuam a trabalhar como se nada fosse; outros, bloqueiam, e isto até tem ajudado um ou outro a voltar a pensar em termos de trabalho”, acrescenta. 

As obras enviadas a Cristina Terra da Motta vão sendo publicadas, tal como os capítulos. Entre os artistas escolhidos estão Matilde Martins, Frederico Almeida, Sara Bichão e Manuel Batista. Nuno Cera e António Olaio, entre outros, já têm as suas composições partilhadas.

No Facebook, a página soma quase 10 mil seguidores. A visita diária começa a tornar-se um “hábito” entre leitores, que vão descobrir os artistas, ler o capítulo, inteirar-se das reviravoltas. O projeto também está na rede social Instagram, onde o desafio é outro. Os capítulos são apresentados em vídeo, com a narração auditiva de Edite Queiroz. 

Ana Margarida de Carvalho sublinha que a “riqueza” do projeto reside na diversidade dos escritores e respetivos contributos. O livro “acaba por ser uma montra, em que os escritores portugueses podem mostrar aquilo que são e o que os diferencia uns dos outros”, remata.

O primeiro capítulo foi lançado no sábado (21). A partilha diária de um capítulo deverá ocorrer até ao final de abril. Todos os dias, à noite, é anunciado o escritor que assina o excerto do dia seguinte. A publicação em livro está em cima da mesa. A coordenadora do projeto adianta que algumas editoras já demonstraram esse interesse. 

Apesar de não ser esse o objetivo, também as obras dos artistas plásticos poderão ser exibidas numa exposição, mais tarde. Até porque “toda a gente anseia muito voltar a estar em sociedade, com os amigos, com outras pessoas; faz todo o sentido pensar numa exposição”, conclui Cristina Terra da Motta.

Artigo editado por Filipa Silva