O objetivo é o mesmo: derrotar o novo coronavírus, mas as estratégias de combate variam. Se a maioria dos governos está agora a aconselhar o isolamento social, houve também já tentativas de se procurar alcançar a imunidade de grupo em países como o Reino Unido ou os Países Baixos.
A ideia consiste na gestão do vírus, e não na tentativa de suprimir o contágio. “A imunidade de grupo é tradicionalmente falada no caso das vacinas, ou seja, nós administramos uma vacina à população e se houver uma taxa de cobertura muito elevada, a população em si fica protegida, mesmo que um ou dois indivíduos não estejam”, explica Teresa Leão, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP).
No caso das vacinas, a parte da população que está em risco fica protegida, enquanto que os mais saudáveis ganham imunidade ao estar em contacto com a doença de forma controlada. “Assim, os agentes patogénicos não têm um número suficiente de infetados para atingir os imunodeprimidos ou outras pessoas mais suscetíveis”, acrescenta Teresa Leão.
Esta foi a ideia inicialmente adotada pelo Reino Unido no combate ao novo coronavírus. Patrick Vallence, conselheiro-chefe do Governo britânico em assuntos científicos, defendeu em entrevista à Sky News que, para a criação de uma imunidade de grupo, é necessário que “um número suficiente de nós fique brandamente doente”.
E foi essa a estratégia do país, que inicialmente não proibiu grandes concentrações de pessoas nem fechou escolas. Contudo, o contexto rapidamente mudou quando um estudo do Imperial College concluiu que 81% da população podia ser afetada, com uma previsão de 250 mil mortes, e desde segunda-feira que estão a ser aplicadas medidas mais restritivas.
O caso holandês é semelhante, com o primeiro-ministro Mark Rutte a afirmar que o país deve procurar uma “distribuição controlada” do COVID-19 entre “grupos que têm menor risco”. Já na Suécia, o comércio continua aberto e aglomerados até 500 pessoas são permitidos. “O nosso objetivo principal é diminuir ao máximo o contágio e criar algum tipo de imunidade na sociedade”, justificou Anders Tegnell, o principal epidemiologista sueco.
Bernado Sousa Pinto é professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e acredita que, em teoria, a ideia “até poderia fazer sentido”, mas como o vírus é novo “estamos todos suscetíveis” de ser infetados, o que levaria a que “uma grande proporção de indivíduos requeressem tratamento hospitalar ao mesmo tempo, muito maior do que os serviços de saúde conseguiriam suportar”.
O especialista acredita que também é possível que as medidas de restrição já venham tarde de mais. “Quanto mais precocemente adotarmos as medidas restritivas, mais eficazes elas são e os países que as começaram a aplicar mais cedo têm tido mais sucesso. Depende também de uma questão que tem sido estudada, que é a quantidade de indivíduos que têm a infeção, mas que são assintomáticos, e que podem depois transmitir a doença a outros”, acrescenta Bernardo Sousa Pinto, que é também investigador no Centro de Investigação de Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS).
“É uma opção, apesar de tudo, bastante arriscada”, começa Teresa Leão, “porque primeiro nós temos de garantir que as pessoas mais vulneráveis de facto ficam em casa no período inicial, e nós sabemos que a população nem sempre segue as recomendações da forma mais conscienciosa”. O vírus é recente, e a falta de informação científica traz também o risco, “apesar de ser mais baixo”, de pessoas que são à partida saudáveis “terem a doença e terem algum tipo de complicação”.
Os testes massificados
Já em países como a Islândia, a Noruega ou a Coreia do Sul, a estratégia de contenção do coronavírus passa pela realização do maior número possível de testes. Na Coreia do Sul realizam-se em média 15 mil testes diários e foram criadas clínicas “drive-thru”, onde os cidadãos são testados dentro dos seus carros para evitarem o contágio nas urgências hospitalares.
As bases militares norte-americanas na Coreia do Sul estão a ser usadas para testar os cidadãos
Sendo uma pequena nação com cerca de 350 mil habitantes, a Islândia está a tentar testar todos os habitantes, mesmo não havendo sintomas ou suspeitas. Os testes massivos levaram a que se descobrisse que cerca de metade dos resultados positivos são assintomáticos. Dado que a maioria dos países está apenas a testar casos suspeitos, o exemplo islandês pode ser mais próximo da verdadeira escala do contágio.
“Efetivamente se fosse possível testar toda a gente, seria o ideal”, afirma Bernado Sousa Pinto, dando o exemplo da vila de Vo Euganeo, “onde se registou a primeira morte em Itália, mas que já zerou as novas infeções”.
Já Teresa Leão realça que o que “as pessoas têm de ter em mente é que tem de haver algum distanciamento social” e relembra a importância da lavagem das mãos.
“Estas são as bases que têm de ser usadas em qualquer uma das estratégias, sendo de imunidade de grupo, de isolamento em casa e também na própria Islândia. A questão de se fazer os testes apenas identifica as pessoas que estejam doentes e obriga-as a ficar em casa, porque não vale de muito fazer-se um teste para depois as pessoas não terem cuidado na mesma. Quer uma estratégia quer outra não pode ser dissociada do ficar em casa”, conclui.
Artigo editado por Filipa Silva