Com o país em estado de emergência devido à pandemia da COVID-19, o distanciamento social é a regra e dele resultam consequências para populações já por si mais isoladas socialmente, como é o caso das pessoas em condição de sem-abrigo.
A redução do número de voluntários é uma realidade transversal, mas as associações garantem estar a adaptar-se para continuarem a dar resposta a quem precisa. No antigo Hospital Joaquim Urbano, localizado na freguesia do Bonfim, foi montado um Centro de Emergência com 40 camas e é lá que se concentram agora os restaurantes solidários do Porto.
Em entrevista ao JPN, a coordenadora do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA), Natália Coutinho, refere que a “força voluntária” foi reduzida para “menos de metade”. Por isso, tiveram de ser feitos alguns ajustes ao funcionamento normal da organização que “normalmente” precisa de “150 voluntários por semana”.
Apesar das limitações, o CASA mantém a funcionar o restaurante social no Centro de Acolhimento Temporário Joaquim Urbano, mas “as pessoas nem entram sequer, pegam no kit e vão recolher-se”, esclareceu Natália Coutinho. O CASA teve de encerrar o restaurante da Batalha, pelo que toda a ação concentra-se no antigo Hospital Joaquim Urbano.
Simultaneamente, a associação está a dar continuidade ao “projeto de rua”, que consiste na deslocação de equipas de voluntários para a Boavista e para os Aliados. Desta maneira, as pessoas em condição de sem-abrigo, que se encontram longe do hospital, recebem também os kit’s. Estes são compostos por produtos alimentares “suficientes para uma refeição”, afirma a coordenadora do centro.
Natália Coutinho diz que o único serviço suspenso foi a distribuição de cabazes alimentares a famílias carenciadas, porque “não têm produto para continuar”. No entanto, a coordenadora admite que estão a ser reunidos vários donativos.
Pela Legião da Boa Vontade (LBV), Eduarda Pereira também manifesta preocupação quanto à falta de voluntários. No entanto, garante que continuam a ter pessoas a ajudar, à exceção de “um ou outro, que pelas suas idades e por estarem mais suscetíveis ao vírus estão a ser afastados para sua proteção”.
A assessora da organização reitera que a LBV não vai suspender serviços, porque “estas pessoas precisam de nós, pois não têm recursos para adquirir os bens essenciais”. “Estamos a cumprir a lei dentro daquilo que é o nosso papel”, acrescenta ainda Eduarda Pereira.
Num comunicado, a Santa Casa da Misericórdia do Porto revelou estar também a trabalhar em parceria com a Câmara Municipal do Porto, na “criação de uma reserva de dez camas para acolher situações de quarentena, destinadas a pessoas sem habitação regular e cuja fragilidade requer particular atenção”. As camas vão estar localizadas no Centro Hospitalar Conde Ferreira.
Natália Coutinho, do CASA, adiantou ainda que a Câmara do Porto “abriu cerca de quarenta camas para que os sem-abrigo se recolham”, no Hospital Joaquim Urbano. Este Centro de Acolhimento de Emergência COVID-19, como o designa a autarquia, terá iniciado a sua atividade na passada terça-feira.
A coordenadora acredita que o apoio “vai evoluindo e vai aumentando à medida que vai sendo necessário”. Segundo Eduarda Pereira, “o Governo está a realizar as devidas reuniões e irá fazer ainda a transição das regras a aplicar”.
No CASA está a ser feita ainda uma sensibilização para que se mantenha a distância de segurança, não só entre os voluntários, mas também entre utentes. “As pessoas em condição sem-abrigo estão em alerta, estão informadas, estão preocupadas e sabem que têm de ter alguns cuidados. Eles próprios na fila afastam-se entre eles”, disse a coordenadora do centro.
Todas as associações referidas mencionaram ao JPN ter adotado as medidas de proteção recomendadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS), como a utilização de máscaras, de luvas e de gel desinfetante. O CASA já fez o pedido de máscaras e ainda se encontra à espera.
O decreto do estado de emergência veio impedir a permanência de pessoas na via pública, com risco de punição, o que levanta algumas questões para a população sem-abrigo. Carlos Feijó, agente principal da Polícia de Segurança Pública (PSP), afirma que o trabalho dos agentes de autoridade não está a passar por expulsar os sem-abrigo da rua: “nós temos consciência que eles não têm mais nenhum sítio para onde ir”, declara ao JPN.
Em novembro de 2019, a Câmara do Porto tinha sinalizado 560 pessoas em situação de sem-abrigo na cidade – 140 a viver na rua e 420 em alojamentos temporários.
Aos vereadores do Executivo municipal, Fernando Paulo, vereador com o pelouro da Ação Social, informou na reunião privada da passada segunda-feira qual a ação da autarquia nesta matéria.
O responsável explicou que a CMP decidiu concentrar os restaurantes solidários no Centro de Acolhimento Temporário Joaquim Urbano por razões de segurança e em resultado da diminuição do número de voluntários. À altura da reunião estava a beneficiar do serviço cerca de 280 pessoas, segundo a câmara.
Em novembro do ano passado estavam sinalizadas 540 pessoas em situação de sem-abrigo. Foto: Paulo Ribeiro Simões/Flickr
Noutra frente, a Ordem dos Médidos anunciou que tem mais de cem profissionais disponíveis para darem apoio telefónico às equipas que acompanham as pessoas sem-abrigo. O bastonário, Miguel Guimarães, explicou em comunicado que “todas as estruturas telefónicas, como o SNS24 e a Linha de Apoio ao Médico, estão sobrecarregadas, e com este apoio especializado queremos garantir uma resposta ágil e com qualidade”.
O PAN também veio a público para se pronunciar sobre a matéria, defendendo a necessidade de um plano de contigência estratégico para pessoas sem-abrigo, que preveja o “alojamento imediato” e rastreios à Covid-19.
O PAN pede que “todos e todas tenham direito a quartos individuais, para que cada pessoa possa cumprir o isolamento social exigido a toda a população neste momento através das medidas que determinadas pelo estado de emergência”. O partido pede também que sejam realizados “rastreios às pessoas que se encontram na rua em situação de rua e a distribuição de equipamentos de proteção individual”.
O PAN reitera ainda, em comunicado, a importância de uma coordenação com as autarquias locais na distribuição de produtos essenciais “de forma a que as organizações não governamentais e as associações que dão assistência possam proceder à recolha destes produtos de forma centralizada e articulada”.
O Governo, por sua vez, já anunciou que as Forças Armadas estão preparadas para atuar no caso de haver carência de voluntários que dão apoio à população sem-abrigo, nomeadamente para a distribuição de comida.
Artigo editado por Filipa Silva