Em clima de grande tensão e sem consenso. Foi desta forma que terminou a reunião de quinta-feira (26) do Conselho Europeu que se propunha discutir medidas de proteção dos cidadãos e da economia face à crise provocada pelo novo coronavírus. Os chefes de Governo e de Estado dos 27 países da União Europeia participaram numa reunião por videoconferência.
Seis horas de reunião sem conclusões concretas
O maior ponto de discórdia está relacionado com a emissão de dívida comum, os “eurobonds” neste caso chamados de “coronabonds”. Os títulos de dívida ao serem partilhados pelo conjunto dos Estados-membros, permitiriam aos países em maior desvantagem financeira obter a custos baixos o financiamento necessário para contrariar a crise. Estes países ficariam assim protegidos contra especulações de mercado e altas taxas de juro. Entre os seus defensores contam-se, para além de Portugal, França, Itália, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Irlanda, Grécia e Eslovénia.
Numa carta enviada a Charles Michel, Presidente do Conselho Europeu, os nove líderes europeus defendem que este instrumento asseguraria “um financiamento a longo prazo estável para as políticas necessárias para fazer face aos danos causados por esta pandemia”, nas mesmas condições para todos os Estados-membros.
No entanto, Holanda, Alemanha, Finlândia e Áustria não se mostram disponíveis para esta ideia. Após a decisão do Banco Central Europeu (BCE), também esta quinta-feira, de deixar de aplicar os limites até agora praticados na compra de dívida pública dos Estados-membros da zona euro, as taxas de juro das dívidas começaram a descer, beneficiando particularmente países como Itália e Portugal, mais pressionados pelos mercados.
Os países que estão contra a emissão de “coronabonds” argumentam, então, que é possível neste momento a todos os países da zona euro financiarem-se sem problemas nos mercados financeiros a taxas baixas em termos históricos.
Estava prevista a abertura de uma linha de crédito cautelar, pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade, no valor de 2% do PIB de cada país, para o combate à crise provocada pela pandemia. Mas os chefes de Governo de Espanha e Itália, os países europeus mais atingidos até agora pelo novo coronavírus, rejeitaram esta ideia, exigindo que sejam exploradas outras propostas. Depois de longas horas de negociações, ficou decidido que o Eurogrupo deve estudar e apresentar novas propostas dentro de duas semanas, tendo em conta a “natureza sem precedentes do choque de COVID-19”.
Na reunião, os Estados-membros apelaram à Comissão para permitir o reforço dos hospitais públicos com o material necessário para o combate à pandemia, como ventiladores, e todos concordaram sobre a necessidade de apoiar os 17 projetos para a criação de uma vacina contra a COVID-19 atualmente em curso na União Europeia.
O montante disponível para apoiar os Estados-membros da União Europeia é de 240 mil milhões de euros, que poderão ser aplicados, por exemplo, na aquisição de material médico e nas medidas de apoio ao emprego, ao rendimento e estabilização das empresas.
Tensões entre países intensificam-se
Giuseppe Conte, primeiro-ministro italiano, que foi o primeiro a tomar uma posição firme, ao recusar-se a assinar as conclusões da cimeira, diz que para dar resposta à crise vão ser necessários “instrumentos financeiros inovadores”, e questiona: “Como é que alguém pode pensar que os instrumentos desenhados no passado, e feitos para responder a choques assimétricos e tensões financeiras de países individuais, são os mais adequados para responder a este choque externo de que nenhum país é responsável?”
Da mesma opinião partilha António Costa. Na conferência de imprensa após a reunião do Conselho Europeu, afirmou: “Aqui não há sequer espaço para discutir se é culpa deste ou se é culpa daquele. É mesmo um problema comum que estamos a enfrentar e esta é mesmo uma oportunidade histórica da União Europeia de se afirmar. É isto que se espera que a União Europeia faça se um dos nossos países for invadido por uma potência estrangeira. É que nos unamos todos numa frente comum. Agora fomos todos invadidos por um vírus. O inimigo entrou em todos os países. E temos que reagir em comum a essa batalha”.
A irritação de António Costa terá sido motivada por declarações do ministro das Finanças holandês, Wopke Hoekstra, que na segunda-feira passada sugeriu, numa vídeochamada com outros ministros europeus, que a Comissão Europeia devia realizar um relatório que apurasse que países têm e que países não têm “amortecedores financeiros” para colocar em marcha quando necessário, explica o Politico, e que o relatório devia incluir um capítulo de “lições a tirar para o futuro” para os países que os não tenham. Para países como Espanha, Itália e Portugal, o discurso trouxe ecos da última crise financeira.
“O discurso é repugnante no quadro da União Europeia. A expressão é mesmo esta: repugnante. Ninguém está disponível para voltar a ouvir ministros das finanças como aqueles que já ouvimos em 2008, 2009, 2010 e anos consecutivos”, indignou-se o primeiro-ministro português, sublinhando que a pandemia “é um problema conjunto” e relembrando que esta deveria ser uma altura de “solidariedade” e “cooperação”.
O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, preferiu não comentar as declarações do homólogo português, mas enfatizou a oposição da Holanda aos chamados “coronabonds“, lembrando que não são só os Países Baixos a defender que a dívida pública europeia não deve ser mutualizada.
Ficaram, assim, evidentes as tensões que nunca desapareceram realmente entre os países do Sul e do Norte desde a crise europeia de 2008: de um lado, países como a Holanda, a Alemanha e outros do norte da Europa, indisponíveis para resgatar países cujas políticas fiscais veem muitas vezes como irresponsáveis; do outro, países como Portugal ou Espanha para quem a austeridade deixou pouca margem para construir as folgas reclamadas pelos parceiros europeus.
Artigo editado por Filipa Silva