Só a retirada de 3.500 a 4 mil reclusos permitiria evitar uma “tragédia” nas prisões portuguesas, diz a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) ao JPN. Há quatro pessoas infetadas nos estabelecimentos prisionais nacionais e uma pressão crescente para medidas adicionais que visem a população prisional.

Medidas de libertação criteriosas – como a libertação de alguns reclusos com recurso a pulseira eletrónica – vão ser ponderadas aquando da reavaliação da renovação do estado de emergência em Portugal, cujo decreto expira esta semana, garante o Ministério da Justiça. Para já, há uma atualização do plano de contigência nas prisões.

Tanto a ONU, ao nível internacional, como a Direção-Geral de Serviços de Reinserção e Prisionais (DGSRP), ao nível nacional, alertam para a necessidade de adoção de um conjunto novas medidas.

“Mais de metade dos presos sofre de doenças”

Em declarações ao JPN, o secretário-geral da APAR, Vítor Ilharco, aponta para a grande importância de proteção não só dos reclusos, mas também dos guardas prisionais, dos funcionários, dos civis que vão trabalhar nos estabelecimentos prisionais e de um modo geral da comunidade: “porque diariamente todos os que não são reclusos e que estão dentro das cadeias, e estamos a falar de 8 mil pessoas, vêm à rua contactar com os seus familiares”.

Os estabelecimentos prisionais são uma preocupação não só portuguesa, mas do mundo. Locais de alto confinamento, com partilha de espaços e muitos trabalhadores, as prisões têm risco acrescido, sendo que muitas, têm fracas condições de saneamento e salubridade.

O secretário geral da APAR mostra-se insatisfeito perante as respostas do Governo até agora: “só agora, passado um mês, é que estão a entregar materiais, e a conta gotas”.

O responsável aponta, ainda, para fatores que fazem com que haja um perigo elevado de contágio nestes estabelecimentos: “Numa cela de um, individual, estão dois ou três reclusos, numa camarata que devia ter quatro ou cinco, estão dez, quinze ou até mesmo vinte”, para além disso há pouca higienização, uma vez que, “as instalações sanitárias não são para uma única pessoa, não há desinfetantes, as camaratas não têm janelas, há uma quantidade de bichara lá dentro”. Para além disso, e o mais importante, é que mais de metade dos presos sofrem de doenças, como SIDA, tuberculose, problemas diabéticos, renais e cardíacos.

A população idosa, de grávidas e crianças que estão dentro das cadeias, são uma outra preocupação, de Vitor Ilharco. Para o secretário-geral, as condições deveriam ser melhores: “É preciso ter isto em conta, e não tendo sido o Ministério da Justiça que também deve lutar com enorme dificuldade, nós compreendemos isso, mas está a prolongar demasiado uma medida que já devia ter sido tomada há um mês que era a libertação de alguns reclusos”.

Vitor Ilharco, acrescenta que foi feito um pedido às autoridades para não só ser feita uma desinfestação dentro das cadeias, mas também para o aumento de materiais de higiene nos estabelecimentos prisionais: “o gel desinfetante, máscaras, luvas, que os reclusos não têm, materiais para desinfetar as suas celas. Antigamente as cadeias davam, mas hoje em dia são eles que têm de comprar e a maior parte deles não tem dinheiro.”

Foram ainda feitos pedidos no sentido de serem implementadas medidas que impeçam a sobrelotação das celas.

Os pedidos da APAR visam, segundo o seu secretário-geral, gerar o melhor controlo e gestão das cadeias e da higiene, uma melhor alimentação e cuidados médicos mais eficazes.

Quatro infetados nas prisões portuguesas

Há já quatro infetados com Covid-19 nas prisões portuguesas, de acordo com a DGSRP, à data da entrevista, ao JPN. Os primeiros dois casos foram registados na prisão de Caxias, uma auxiliar de ação médica e uma reclusa, o terceiro na prisão de Custóias, o último também em Caxias, um guarda.

A auxiliar no Hospital Prisional de São João de Deus está em isolamento profilático na sua residência, tendo apenas tosse como sintoma. A doente é considerada estável. “Os trabalhadores do Hospital Prisional estão a seguir os procedimentos recomendados pelas autoridades de saúde pública, sendo que, até ao presente momento, não há registo de mais nenhum caso positivo entre trabalhadores desta unidade de saúde”, afirma fonte oficial da DGRSP ao JPN.

O segundo caso confirmado, também em Caxias, é o de uma reclusa. A mulher de nacionalidade brasileira foi detida na fronteira de Caia. Já na prisão, testou positivo. Os dados são adiantados pelo “Observador”.

No Norte, um guarda prisional em Custóias “acusou positivo para a COVID-19 na madrugada de dia 29 de março”. O encarregado prisional de quase 60 anos, já estava em isolamento em casa há vários dias, sendo a “última vez que esteve escalado para o serviço foi dia 23 do corrente”. 

É assim o primeiro guarda prisional a testar positivo em Portugal, revela a DGRSP, que acrescenta ainda que “a partir do momento em que se teve esta informação os serviços clínicos do Estabelecimento Prisional do Porto entraram em contacto com o doente e com as autoridades de saúde pública, para dar sequência aos procedimentos que estas determinam. Assim, estão  já identificados os contactos próximos deste guarda, os quais foram mandados ficar em isolamento profilático (…), tendo em vista o cumprimento de subsequentes determinações das autoridades de saúde pública”.

O quarto caso de confirmado de Covid-19, um guarda do Estabelecimento Prisional de Caxias, está já também em isolamento e foi conhecido na manhã desta terça feira.

Foram também “feitos testes à COVID-19, a uma reclusa do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo que apresentou sinais gripais, testes estes cujos resultados se souberam esta manhã [dia 30 de março] e que acusaram negativo”, revela ainda a DGSRP ao JPN.

Quais as medidas nos estabelecimentos prisionais portugueses?

Em comunicado sobre as medidas de contingência, quando declarado estado de emergência, a aplicar no setor da Justiça, onde se inserem as prisões, o Governo diz que os planos são da responsabilidade de cada estabelecimento prisional.

“Cada um dos organismos criou os seus planos de contingência para um cenário de epidemia pelo novo coronavírus, para adoção interna e também para implementação nos serviços que disponibilizam”. Segundo o que a DGRSP diz ao JPN, os planos nas prisões estão em prática desde o dia 17 de fevereiro.

 Na generalidade, as medidas iniciais adotadas, que se aplicam a tribunais e estabelecimentos prisionais, visam “reduzir o contacto humano”

Sendo os centro prisionais espaços com confinamento de um número elevado de pessoas, foram implementadas medidas que restringem visitas e transferências.

Em entrevista ao JPN, fonte oficial da DGRSP diz que devido ao facto de “estarmos perante uma situação dinâmica”, com casos recentemente confirmados, foram implementada outras medidas e o plano de contingência nos centros prisionais foi atualizado. Segundo a DGRSP as novas medidas passam por:

  • Criação de duas enfermarias de retaguarda, uma no Estabelecimento Prisional do Porto e outra no Hospital Prisional de São João de Deus em Caxias, para internamento de reclusos que, eventualmente, venham a acusar positivo;
  • Disponibilização dos pavilhões de segurança do estabelecimento prisional de Linhó Paços de Ferreira para o caso de necessidade e, ainda,  utilização de “8 tendas que estão instaladas no Hospital Prisional de São João de Deus em Caxias, entretanto, e para salvaguardar qualquer necessidade futura”. Vão ser também instaladas mais camas noutros centros hospitalares;
  • As encomendas para reclusos, vindas do exterior devem esperar 72h antes de serem abertas e entregues;
  • Vai ser possível, a cada recluso realizar três chamadas, com cinco minutos, por dia;
  • Os espaços prisionais são higienizados segundo as normas da DGS
  • Estão ainda sinalizados os centros prisionais aptos a receber reclusos “vindos da liberdade”, onde ficarão em isolamento;
  • Separação a nível de espaços e horários dos reclusos, de forma a minimizar contactos (principalmente em presos com mais de 60 anos)
  • Distribuição de kits de proteção;
  • Criação de um “grupo de crise” para o Covid-19.

Ao nível local, há também estabelecimentos prisionais a tomar medidas individuais. No Regimento de Transmissões no Porto, foram recolhidas 22 mil máscaras. Em comunicado, a Ministra da Justiça acrescenta ainda que, cerca de 14 mil foram distribuídas pelos estabelecimentos prisionais, centros educativos e de vigilância eletrónica. As restantes 8 mil foram doadas ao hospital prisional

O Estabelecimento Prisional Feminino de Santa Cruz do Bispo está a reconverter a sua produção para materiais de proteção, diz também a ministra da Justiça no comunicado. As máscaras, manguitos, fatos e batas vão ser para consumo interno. Numa primeira fase vão ser distribuídas  ao Hospital Prisional, que se vai encarregar da distribuição pelas restantes unidades orgânicas.

ONU apela à libertação de alguns presos

Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, em declarações citadas no “Público“, fez um apelo geral para o melhoramento das condições nas prisões em todo o mundo

Foram pedidas medidas específicas que visam não só a libertação dos presos políticos em vários países, mas também dos presos de infração comum que estejam numa situação mais crítica a nível de saúde ou até por idade avançada.

As medidas de libertação já estão a ser aplicadas em alguns países países europeus. 

Também no “Público”, num artigo de opinião publicado na semana passada, Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), concorda com a posição de Michelle Bachelet.

O presidente da ASJP crê ser essencial a tomada as medidas sugeridas pela alta comissária da ONU, o mais rápido possível. Num discurso cru, o juiz aborda as situações mais críticas nas prisões portuguesas. “As prisões estão cheias de pessoas com tuberculose e toxicodependências de mais de 20 anos”. Acrescenta ainda que há necessidade de abertura a certas exceções, pois muitos dos estabelecimentos prisionais não têm as melhores condições de sanidade.

Uma das soluções em cima da mesa é o cumprimento de pena em casa, com o uso da pulseira eletrónica. A seleção dos presos é feita segundo o tipo de crime cometido, a inserção em  grupos de risco (reclusos com mais de 60 anos ou com doença crónica), e também os que estão quase a terminar o cumprimento da pena. A medida de libertação só pode ser aplicada se o governo assim o determinar.

Para a APAR, essa é a solução e que em nada choca com a lei e a segurança: “Aqueles que estão com penas pequenas, por exemplo, apanhados a conduzir sem carta de condução – é crime, mas é um crime leve, aqueles que não pagaram multas, etc., aqueles que foram condenados até dois anos de cadeia, que lhes permitam que vão para casa com pulseira eletrónica e mesmo que seja só durante a quarentena, também os reclusos que estão a dois anos do fim da pena que possam ir para casa com pulseira eletrónica”.

O secretário geral da APAR frisa que todos os pedidos feitos são legais e não provocam alarme social: “a nossa lei permite que o recluso vá em prisão domiciliária quando faltar um ano para o meio da pena, nós estamos a pedir dois anos do fim da pena.

Confrontada com o número de infetados nas prisões portuguesas, e após as sugestões da ONU, Francisca Van Dunem, ministra da Justiça diz que “foi possível proteger o sistema”. Em entrevista à SIC Notícias, alerta ainda que para se cumprir o sugerido pela ONU há que avaliar os crimes cometidos e ainda “se as respetivas famílias têm condições para as acolher”. Há que ter um equilíbrio entre “humanidade” e “segurança”, acrescenta ainda.

A medida de libertação serão equacionadas aquando a reavaliação do estado de emergência.

Relembre-se que Portugal tem cerca de 12.700 presos, distribuídos por 49 estabelecimentos prisionais.

Nota da redação: À hora do fecho da edição do artigo (12h39 de 1 de abril de 202) havia já um quinto caso de infeção por COVID-19 confirmado nas prisões portuguesas.

Artigo editado por Filipa Silva