Medo, preocupação e angústia são alguns dos sentimentos que acompanham muitos profissionais que todos os dias têm de sair para trabalhar. O medo de ser contaminado e de contaminar os outros, a preocupação de estar diariamente em contacto com um grande número de pessoas e a angústia de voltarem para casa todos os dias para as suas famílias.
Carlos Feijó é agente principal da Polícia de Segurança Pública (PSP) do Porto e, como tantos outros profissionais, continua a cumprir as suas funções diariamente. “A nossa missão é uma missão preventiva, por isso, as nossas funções são de prevenção. As atividades profissionais baseiam-se em patrulhas nas ruas e em responder às solicitações da população, sempre que necessário”, explica Carlos Feijó ao JPN.
Numa altura em que o país decretou estado de emergência, os agentes focam-se nas situações mais urgentes e tentam evitar aglomerados de pessoas. A adoção de medidas preventivas também passou a ser um tema em cima da mesa: “foi dado a todos os profissionais um kit com luvas, máscaras e desinfetante”, afirma o agente da PSP. Apesar disso, não foi feita qualquer alteração nas equipas de trabalho, nem nas divisões de turnos. Todos os profissionais continuam com o seu dia a dia normal que termina com o regressar a casa para junto da família.
Também os jornalistas continuam a trabalhar diariamente, uma vez que a sua função de informar é fundamental em momentos mais críticos. Em entrevista ao JPN, Márcia Gonçalves de 28 anos, jornalista da SIC, conta que o trabalho dos jornalistas na redação sofreu alterações nos últimos tempos. Trabalham por turnos alternados, semana sim, semana não e o novo coronavírus é o tema que domina a programação do dia.
Fazem parte do grupo de profissionais que diariamente anda nas ruas e em contacto com vários cidadãos, mas também esta rotina teve de ser alterada. “Sempre que for possível, as entrevistas são feitas por Skype ou telemóvel e quando a entrevista tem mesmo de ser presencial, usamos luvas, máscaras e há desinfetantes em todos os carros de reportagem”, explicou a jornalista da SIC ao JPN, reforçando a ideia de que “sempre que é possível evitar uma saída, evita-se”.
Se o trabalho fora de portas mudou, também dentro da redação as medidas de prevenção foram reforçadas. Todos os profissionais devem desinfetar o seu local e instrumentos de trabalho e até os sapatos utilizados nas saídas, devem ser trocados.
Numa altura de grande preocupação para todos os profissionais que continuam ao serviço, a maior delas centra-se nos familiares que têm em casa e para os quais regressam todos os dias, “quando chegamos a casa temos vários cuidados: dividimos logo a roupa para a colocar a lavar, temos desinfetantes em casa e temos o cuidado de não tocar nos espaços de uso público como elevador e interruptores de luz”, referiu a jornalista da SIC.
Apesar de vários trabalhadores estarem em casa e a realizarem teletrabalho, há ainda quem tenha de continuar a sair de casa e cumprir horários e funções. Assim, também os transportes continuam em funcionamento e os motoristas de transportes públicos são mais um grupo de profissionais que continua ao serviço.
Conduzir os autocarros, vender bilhetes a bordo e dar informações sempre que solicitado, são algumas das tarefas que fazem parte do dia a dia destes profissionais. Em declarações ao JPN, Avelino Pereira, motorista de pesados de passageiros há 21 anos, diz que o trabalho diário pouco ou nada se alterou e que mantém a mesma rotina, todos os dias. Apesar de viver sozinho, tem sempre presente na mente que assume uma profissão de risco ao estar diariamente com várias pessoas diferentes: “saio a pensar que mais um dia passou e que espero não ter sido infetado e que cumpri todas as recomendações para evitar o contágio”.
Ricardo Pereira trabalha nos armazéns DHL no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Grande Porto. A DHL é especializada em envios internacionais, serviços de correio e transporte. Ricardo Pereira tem o trabalho de distribuir aos estafetas, que fazem a entrega ao domicílio, a carga que é retirada do avião por uma outra equipa.
Apesar de ter sido decretado estado de emergência, Ricardo Pereira afirma que as atividades laborais e as entregas se mantêm iguais, “com exceção das empresas que fecharam e das pessoas que trabalhavam em Ovar”.
O trabalhador da DHL confessa ao JPN que “é complicado ir trabalhar todos os dias, pois lidamos com centenas de pessoas diariamente e nós temos a nossa família e claro que temos medo de os infetar”.
No caso de Fernanda Vasconcelos de 47 anos, operadora de caixa de um supermercado, o caso é bem diferente. Com o decreto do estado de emergência nacional, Fernanda passou a fazer uma hora a mais todos os dias e deixou de gozar uma folga por semana “para que a loja onde presto serviço conseguisse dar aos clientes uma melhor prestação, uma vez que a equipa está reduzida em metade, a outra metade encontra-se em quarentena social. Entretanto trocaremos”.
A operadora de caixa lida com centenas de pessoas todos os dias e, ainda, trabalha com dinheiro. Nos cuidados a ter, afirma que todos os profissionais ao serviço, tentam que “as pessoas mantenham uma distância de segurança de dois metros”. Além disso, explica: “a cada 30 minutos lavamos as mãos, assim como toda a área de trabalho a cada três clientes”.
Fernanda Vasconcelos admite que tem receio, até porque é considerada uma pessoa de risco e “a preocupação de poder levar o vírus para casa é constante”. Apesar de o esforço diário que é feito para desempenhar um bom papel e sair do trabalho com a sensação de missão cumprida, a operadora de caixa refere que “a maioria das pessoas com quem lidamos não tem ainda consciência dos efeitos deste vírus e acham as medidas que tomamos estranhas, ainda perguntam o porquê de ser preciso tanta preocupação”, diz.
Do supermercado para o Hospital da CUF, no Porto. Uma obstetra deste Centro Hospitalar, que preferiu não ser identificada, esteve à conversa com o JPN. Garante que desde que começou a propagação do vírus, a médica desmarcou “tudo o que era rotina” e minimizou os contactos. Acrescenta ainda que “neste momento o foco são as 90 grávidas” que tem para acompanhar. O trabalho foi concentrado “em três dias” da semana.
As atividades da profissional de saúde foram reduzidas para metade: “quanto menos tempo lá estiver, menos contamino e menos me contaminam”, comenta.
O Hospital da CUF tem vários pontos de entrada, mas, neste momento, existe só uma entrada para todos e “toda a gente é triada ao nível de temperatura”. A médica afirma ainda que há muitos profissionais de várias especialidades em casa, como, por exemplo, oftalmologia e plástica, mas “os restantes continuam na linha da frente a trabalhar a 120%”.
Como trabalha no privado, quanto mais trabalhasse, mais lucrativa seria a tividade mas essa não é a sua precoupação de momento: “Neste momento não estou minimamente preocupada com isso, o que quero é minimizar o contágio para não passar um mês depois em casa, sem fazer partos. É algo que me preocupa muito e por isso é que reduzi tanto as minhas atividades.”
A profissional de saúde acrescenta ainda que sente alguma revolta por “ver que a população ainda não percebeu a gravidade da situação e não colaborarem”.
São muitos os profissionais que continuam a trabalhar numa altura em que a maioria da população está recolhida. Mercearias, talhos, padarias, farmácias, papelarias e garagens de reparações automóveis são apenas exemplos dos negócios que continuam a funcionar em tempos de pademia.