O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, acusou na terça-feira um navio de passageiros com bandeira portuguesa de ter realizado “um ato de pirataria e terrorismo” na sequência de uma colisão com um barco de patrulha da Marinha venezuelana.

A empresa que opera o cruzeiro tem uma versão oposta dos acontecimentos. Já o Ministério dos Negócios Estrangeiros português recusou, na quarta-feira, que esteja em causa um incidente entre Estados, reafirmando total disponibilidade para que o caso seja investigado. O que é certo é que as relações entre a Venezuela e Portugal já tiveram melhores dias, como comenta o professor e historiador Manuel Loff ao JPN.

A colisão ocorreu a norte da ilha de La Tortuga, a 181 quilómetros do nordeste de Caracas e dela resultaram “danos de grande magnitude” na embarcação venezuelana, de acordo com o comunicado tornado público pelo Ministério da Defesa da Venezuela.

Por sua parte, a Columbia Cruise Services, empresa responsável pelo cruzeiro “RCGS Resolute” envolvido no incidente, afirma ter sido alvo de um “ato de agressão”. Segundo o comunicado da empresa, o navio – que de acordo com o jornal “Expresso” não tinha qualquer português a bordo – já estava em águas internacionais, aquando a abordagem pela marinha venezuelana. “O capitão contactava o escritório central, foram feitos disparos de pistola” e depois, o navio da marinha venezuelana “aproximou-se do lado de estibordo a uma velocidade de 135° e colidiu deliberadamente”, pode ler-se na mesma nota.

As autoridades venezuelanas acusam ainda o cruzeiro de violar os deveres internacionais “que regulam o resgate da vida no mar”, após o naufrágio da embarcação venezuelana. O resgate dos 44 tripulantes ficou a cargo das entidades de busca e salvamento da Venezuela. Mas a empresa responsável pelo cruzeiro nega tais acusações.

O navio de passageiros terá tentado “contactar as pessoas a bordo da embarcação da Marinha e não tiveram resposta”, pode ler-se no comunicado da empresa de cruzeiros. O Centro de Coordenação de Resgate Marítimo (MRCC) do Curaçau foi contactado e terá dado ordens para o Resolute seguir viagem.

O navio que foi registado na Madeira, mas tem proprietários alemães, encontra-se no porto de Willemstad, desde a passada terça-feira. As autoridades de Curaçau estão agora a investigar.

Tensão nas relações Venezuela-Portugal?

À agência Lusa, na quarta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, foi perentório: “O incidente que envolveu um navio privado sob pavilhão português e uma lancha da Marinha da Venezuela não é um incidente entre Estados e o que os Estados devem fazer é colaborarem entre si para que a verdade seja apurada. Do ponto de vista do Estado português há toda a disponibilidade para essa colaboração”, declarou o responsável.

“As relações entre Portugal e a Venezuela já estão afetadas há muito tempo”, comenta Manuel Loff ao JPN. O historiador e investigador de história e estudos políticos internacionais e professor colaborador na Universidade do Porto (UP) considera que o “ambiente tenso” entre as duas nações está enquadrado pelo apoio manifestado pela diplomacia lusa ao presidente interino Juan Guaidó: “há mais de um ano, o Governo português juntou-se a uma série de outros governos, para reconhecer Juan Guaidó como presidente”. Um passo, na opinião de Manuel Loff, “muito arriscado”, tendo em conta a “ingerência dos assuntos internos de outro Estado aonde [Portugal] tem, ainda por cima, centenas de milhares de pessoas de nacionalidade portuguesa“.

O historiador compara o incidente da passada segunda-feira, com o de há dois meses com a TAP. “O Governo português não tem, aparentemente, muitas informações, escuda-se no facto, como já se escudou anteriormente, como na viagem de Juan Guaidó para a Venezuela na companhia TAP, dizendo que a TAP não é uma empresa pública, como tal não representa o governo português”, conta ao JPN.

O incidente decorre na mesma semana em que a administração norte-americana, liderada por Donald Trump, apresentou um plano, já recusado pelo presidente venezuelano, para levantar sanções económicas a troco da formação de um governo interino na Venezuela sem maduro. A proposta foi saudada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros português: “vai ao encontro da posição sempre sustentada pelo Governo português, de privilegiar uma solução política, inclusiva e pacífica para a situação na Venezuela”, diz o ministério em comunicado.

Loff critica a opção, notando que Portugal “é um ator, no sistema internacional, bastante discreto e não foi, no caso da Venezuela, não foi”.

Sobre o incidente ao largo da Venezuela, o investigador sugere ao Governo duas atitudes: “Aceitar, e recomendar também, abrir um inquérito em Curaçau, onde está ancorado o navio de bandeira portuguesa” e “assegurar-se, que o navio cumpriu as regras do direito internacional.”

Para além disso, deve “passar para a ala diplomática, que o estado venezuelano ainda reconhece, porque é verdade que o estado venezuelano ainda não cortou relações diplomáticas com Portugal”, sendo do interesse português, devido à existência de uma grande comunidade de emigrantes portugueses na Venezuela.

Artigo editado por Filipa Silva