Mais de cem organizações de todo o mundo assinaram uma declaração conjunta “para dizer aos governos que a pandemia da COVID-19 não pode ser usada como desculpa para a implementação de sistemas de vigilância digital que não respeitem os direitos humanos”, dizem os subscritores no comunicado de imprensa da iniciativa lançada na quinta-feira (2). Eduardo Santos, da D3 – Defesa dos Direitos Digitais, ouvido pelo JPN, reforça que é preciso que as medidas adotadas sejam adequadas, necessárias e proporcionais.

O documento, assinado por associações ligadas aos direitos humanos, aos direitos digitais, às liberdades cívicas e à defesa do consumidor, deixa o alerta: as medidas de vigilância digital “devem ser previstas por lei e justificadas por objetivos legítimos de saúde pública”.

Isto porque, consideram, “um aumento dos poderes de vigilância digital estatais, tais como obter acesso aos dados de localização dos telemóveis, ameaça a privacidade, a liberdade de expressão e a liberdade de associação de formas que podem violar direitos e degradar a confiança nas autoridades públicas”.

O surto da COVID-19 levou ao decretar do estado de emergência e, por via deste, à adoção de medidas que restringem os cidadãos, sobretudo ao nível da circulação. Medidas que foram reforçadas na renovação do estado de emrgência em Portugal.

Tem sido notícia, por exemplo, o uso da videovigilância pelas forças de segurança, através de câmaras e drones, para controlar áreas como o cordão sanitário de Ovar, as fronteiras ou zonas onde se pretende evitar a concentração de pessoas.

Eduardo Santos, presidente da associação D3 – Defesa dos Direitos Digitais, uma das subscritoras da declaração, refere, a propósito, que o pedido apresentado pela PSP à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) padecia de vários problemas: “não delimitaram o pedido a uma zona concreta, não demonstraram por que razão o sistema era necessário, não indicaram com exatidão em que tipo de situações o sistema seria utilizado, entre outras coisas”.

Por isso, acrescenta, a CNPD rejeitou “o pedido de diferimento tal como ele fora apresentado, permitindo apenas [a videovigilância] em relação a Ovar e emitindo recomendações para a utilização destas tecnologias no resto do país”, afirma.

“O que nós dizemos é o seguinte: quaisquer medidas que levem a restrições dos nossos direitos fundamentais têm de ser proporcionais. Ser proporcionais significa que quem pretende implementar tais medidas terá de comprovadamente demonstrar que elas são, cumulativamente: adequadas a alcançar o fim pretendido; necessárias, no sentido de serem indispensáveis, por não existirem outras alternativas igualmente eficazes que fossem menos lesivas; e proporcionais, isto é, não devem ir além daquilo que for estritamente necessário, incluindo estarem limitadas no tempo”, acrescenta.

O presidente da D3 reforça a importância de existir “uma base legal bem definida” para que os cidadãos possam recorrer “às garantias próprias de um Estado de direito, nomeadamente o recurso à via judicial para fazerem valer os seus direitos e defenderem-se de eventuais abusos”.

Eduardo Santos teme um “virar de mentalidades dos nossos responsáveis políticos, em que, por medo de epidemias, passem a defender soluções que colocam em causa direitos humanos, nomeadamente o direito à privacidade. Já notamos alguma utilização de argumentos nesse sentido, nomeadamente em elogios que algumas pessoas fazem à maneira como a China parece ter controlado a doença. Mas a China controla antes de tudo a sua população: o que pensa, o que diz, o que faz, com quem se dá. Ninguém é livre. A China não é exemplo para ninguém”, conclui.

Google analisa mobilidade

A Google também decidiu juntar-se à luta contra a propagação do vírus, publicando relatórios com informação anónima, na passada sexta-feira (3), sobre as movimentações dos utilizadores de 131 países, incluindo Portugal. O objetivo é “fornecer informações sobre o que mudou em resposta a políticas destinadas a combater o COVID-19”, lê-se na página da multinacional.

Quanto a Portugal, o relatório revelou uma descida de 59% de mobilidade para supermercados e farmácias, desde meados de fevereiro (16) ao final de março (29), com um aumento súbito no início de março, quando se começou a discutir o encerramento das escolas. As idas a locais como restaurantes, cafés, centros comerciais diminuíram 83% e as idas a sítios como parques e praias diminuíram 80%, com algumas oscilações.

As deslocações para locais de trabalho desceram 53%, em contraste ao aumento de 22% de mobilidade para o local de residência. No distrito porto estes valores são ligeiramente mais acentuados, sendo que as movimentações para o local de trabalho diminuíram 54% e as movimentações para a residência aumentaram 23%.

Eduardo Santos não considera o relatório “problemático”, sendo que é de “caráter geral” e “não contém informações pessoais ou localizações de utilizadores”. Além disso, a participação é opcional e os utilizadores podem “minimizar os dados pessoais cedidos” ao “desligar a gravação do histórico de localização”, explica.

Para Eduardo Santos “o grande problema” da vigilância digital é dela poder resultar “uma sociedade em que as pessoas se auto-censuram, que inibem a sua participação social, que se conformam com o estado das coisas, são avessas a tomar decisões diferentes ou mais ousadas.”

Artigo editado por Filipa Silva