Os sinais parecem indicar que o confinamento tem ajudado a diminuir o impacto sanitário da COVID-19 em Portugal, mas o mesmo não pode ser dito sobre a economia. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê uma recessão em Portugal de 8% em 2020 e quase o dobro do número de desempregados, previsões que são bastante piores do que os valores registados durante a última crise, em 2008.

A estes números do FMI juntam-se a redução do Produto Interno Bruto (PIB) entre 3,7% e 5,7% prevista pelo Banco do Portugal e a antecipação do ministro das Finanças de que o PIB cai 6,5% por cada mês de contenção.

A situação pede medidas urgentes, tanto que o primeiro-ministro já realizou video-conferências com 25 académicos da área da economia para debater o que deve ser feito. Um desses especialistas é o professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) Pedro Teixeira, com quem o JPN esteve à conversa, que acredita que “mais do que previsões” devemos tentar “estabelecer cenários” e que “os cenários mais pessimistas não são uma inevitabilidade”.

“Quanto mais limitada ou lenta for a normalização da actividade económica, mais lenta a recuperação e mais prolongada a crise. Caso seja possível uma normalização mais forte, seja por causa de avanços na saúde, seja pela capacidade das sociedades aprenderem a conviver com o vírus sem descontrolo sanitário, mais provável será um cenário de crise mais moderada e de mais curta duração”, explica ao JPN.

A situação sem precedentes que vivemos tem levado a que vários grupos tenham já apresentado manifestos a tentar pressionar o executivo sobre que medidas devem ser tomadas. Se associações ambientalistas acreditam que esta é uma oportunidade para se valorizar “uma recuperação económica justa e sustentável”, várias personalidades já assinaram uma carta enviada ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a apelar ao regresso da atividade económica com o uso obrigatório de máscaras, entre outras medidas.

O presidente da Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva, é um dos signatários da carta enviada ao presidente da República

Contudo as medidas que o Governo decidiu realmente tomar ainda não foram tão longe. Por enquanto, o executivo de António Costa apostou no adiamento do pagamento dos impostos, o apoio aos trabalhadores que estão em casa com os filhos e o recurso ao lay-off simplificado, para se evitar o desemprego. No entanto, há sinais de uma possível quebra gradual do confinamento, para breve, com o objetivo de “reanimar a economia sem deixar descontrolar a economia”, afirmou António Costa ao jornal Expresso.

“Em geral, a resposta principal ao confinamento social e às restrições da atividade económica foram adequadas, pois centraram-se em tentar preservar o mais possível a estrutura produtiva e o emprego, tendo em vista a sua reactivação total logo que as condições sanitárias o permitam”, considera Pedro Teixeira.

Tanto “dum ponto de vista de saúde” como económico, “é público que os governantes têm-se preocupado em ouvir especialistas das várias áreas”, que ajudam a “avaliar riscos” e a “sugerir medidas”, mas “a legitimidade e a responsabilidade terão de ser dos decisões políticos”, acrescenta o também diretor do Centre for Research in Higher Education Policies (CIPES).

O professor da FEP realça que o leque de medidas implementadas pelo Governo é apropriado e que é necessária a sua concretização rápida “para se evitar o colapso de muitas empresas e uma grande destruição de emprego”.

Mas quais as medidas que devem ser tomadas a longo prazo para se prevenir uma situação semelhante no futuro? “Entre os setores que vêem a sua importância reforçada com esta crise estão certamente os da saúde e todos aqueles com uma forte componente de conhecimento, nomeadamente a ciência e tecnologia. Vimos como os sistemas científicos e tecnológicos tiveram uma capacidade notável para se reconverterem e rapidamente ajudarem em aspectos centrais como o desenvolvimento de testes, de equipamentos de saúde escassos ou de materiais de proteção necessários em grande escala”, afirma Pedro Teixeira.

Os “trabalhadores mais qualificados” estavam também “mais preparados para se adaptarem a circunstâncias excepcionais” o que “reforça um padrão nosso conhecido de múltiplas vantagens económicas e sociais dos trabalhadores mais qualificados”. Já a nível internacional, é importante o “apoio às regiões mais pobres” e com “sistemas de saúde muito frágeis”, pois “a crise mostra que todos beneficiamos com um mundo menos desigual”.

setores que “tenderão a ser menos afectados” por serem mais adaptáveis. “Entre esses factores temos aspectos como a flexibilidade nos modos de organização do trabalho ou a capacidade para adoptar ou reforçar os padrões de segurança e higiene no trabalho. Aliás, temos vários sectores (Agricultura, Indústria, Construção, Distribuição alimentar) que têm estado a funcionar total ou parcialmente, mesmo em contexto de crise sanitária”, explica o especialista da FEP.

Já os setores mais afetados são aqueles em que “a concentração, a circulação e a interacção de pessoas sejam mais intensas, como os ligados ao turismo, aviação ou o do entretenimento”. “No entanto, podemos também ter situações muito diferentes dentro de cada sector e empresas com maior ou menor capacidade de adaptação. Por exemplo, no turismo, não será a mesma coisa o turismo de massa, de grandes unidades hoteleiras, e o de pequena escala, com equipamentos individualizados”.

A resposta da União Europeia

Além das crises internas de cada país, tem havido também tensão relativamente à resposta que a União Europeia (UE) deve dar à crise, especialmente sobre a emissão de dívida mutualizada, que já foi apelidada de coronabonds. A ideia é simples: os títulos de dívida pública seriam emitidos de forma conjunta pelos países da Zona Euro e com taxas de juro mais baixas, sendo o Banco Central Europeu (BCE) o principal comprador.

Este conceito já tinha sido debatido durante a última crise económica, mas não avançou. O economista Ricardo Cabral explicou à TSF que acredita que desta vez a ideia também não vai ser implementada devido à falta de solidariedade europeia. “A Itália está a braços com o surto, vai ter mais despesa, mais desemprego, e deveria receber mais transferências do resto da União [Europeia]. Mas na União não estamos dispostos a ajudar os outros quando precisam”, justifica.

A verdade é que as tensões têm sido notórias dentro da união dos 27. Wopke Hoekstra, ministro das Finanças holandês, causou polémica ao dizer que a Comissão Europeia devia investigar países como Espanha, que afirmam não ter margem orçamental para gerir a crise, dado o crescimento recente da zona euro. António Costa foi um dos maiores críticos do ministro holandês, adjetivando as suas afirmações como “repugnantes” e “mesquinhas”. Hoekstra entretanto admitiu ter tido “pouca compaixão“.

A emissão dos coronabonds também causa divisão, com os governos português, francês e espanhol favoráveis, enquanto que a Holanda e a Alemanha se mostraram contra, sendo que a chanceler alemã Angela Merkel prefere que se opte pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade.

O presidente francês Emanuel Macron é uma das vozes a favor da emissão de dívida comum

“A Europa já está a dar uma resposta, depois de alguma hesitação e descoordenação iniciais. Na área económico-financeira, é imperiosa uma coordenação da resposta e um esforço conjunto que apoie as política monetária (onde o BCE já está a responder significativamente) e orçamental (onde é mais difícil, mas onde parece haver progressos). O facto de esta ser uma crise que afecta todos os países, pode tornar mais provável uma resposta coordenada. Aliás, esta é uma necessidade ditada não apenas por princípios de solidariedade, mas também de racionalidade, pois todos têm a ganhar com uma rápida melhoria económica e social em toda a UE”, conclui Pedro Teixeira.

Artigo editado por Filipa Silva.