A arte de criar pássaros é seguida por milhares de pessoas em todo o mundo. Desde clubes locais a competições mundias, este ramo da zoologia acarreta consigo grandes responsabilidades. Lançamos a quarta de uma série de reportagens desenvolvidas pela redação do JPN sob o mote "comunidades".

Há sempre um pequeno, ou grande, canto reservado para os pios e para os cantos. Não é como um trabalho, é mais um hobbie que ocupa grande parte das suas vidas. Os ornitólogos dedicam horas das suas semanas ao tratamento de aves, e a melhor recompensa que têm é apreciar os feitos que elas alcançam. Alguns criadores correm o mundo para participarem em competições internacionais, mas nunca é suficiente, dizem. O “bichinho” pelos pássaros nunca morre.

Foi um periquito verde que marcou o início da criação de aves de Pedro Couto, natural de Paredes, no Porto. Rapidamente, a vontade de observar e de ouvir estes bichos foi aumentando e a coleção do criador conta já com 87 pássaros.

O jovem de 25 anos acredita que é necessário estudar para perceber os cuidados e as condições inerentes aos pássaros que pretende criar. Neste momento, o seu bando é composto por quatro espécies diferentes: Periquitos, Agapornis, Mandarins e Caturras.

A paixão que Pedro Couto tem pelas aves começou há cerca de três anos, em 2018. FOTO: Pedro Couto

Sempre que tenho tempo vou ver as minhas aves”, confessa Pedro Couto. O jovem dispensa um tempo médio de quase uma hora e meia, por dia, a cuidar dos seus bichos, mas como ao fim-de-semana tem mais tempo livre, a média aumenta para três horas. Apesar de cuidar dos animais sozinho, Pedro Couto confia noutros criadores para tirar dúvidas sobre determinada espécie ou até mesmo sobre os cuidados a ter. “Entre criadores não há segredos, mas há sim dicas e conselhos que a gente vai aprendendo ao longo do tempo”, explica.

Ao contrário da maioria dos ornitólogos com quem o JPN esteve à conversa, João Santos, de 59 anos, não tem redes sociais, mas isso não é um fator impeditivo para não manter contacto com outros criadores. “Antigamente não havia redes sociais, as pessoas conheciam-se, encontravam-se, falavam em feiras e em exposições”, relembra.

João Santos, de Lisboa, adquire os seus animais de duas formas: em mercados ou através de outros criadores. Se necessário, percorre Portugal inteiro para ir buscar novos elementos para a sua coleção, contudo quando se fala em visitas ao estrangeiro, Espanha é o limite.

Assim como Pedro Couto, também João Santos cuida do seu bando sozinho, dedicando-lhe duas horas por dia. “Se uma pessoa fizer um bocadinho todos os dias, não é muito tempo. Se não se fizer todos os dias já é mais algum tempo. Todos os dias, duas horas são suficientes”, explica. Atualmente a sua coleção é composta por cerca de 50 pássaros, de 20 espécies diferentes. Para já, o homem de 52 anos não se vê a aumentar o bando e brinca ao dizer que está limitado pela “crise de habitação”.

O tratamento, a saúde, o sistema sanitário e o comportamento das aves são alguns dos aspetos que os ornitólogos devem ter em conta. Se o objetivo é fazer criação de certos pássaros é então necessário estudar as aves, caso contrário estas podem nunca procriar. “Se os pássaros estão em cativeiro não podem ir à procura de outro parceiro, portanto temos que ter atenção se há lutas entre eles que podem levar à morte. Há que estudar o comportamento dessas aves e perceber se são compatíveis uma com a outra, se não forem há que trocar os parceiros”, sublinha João Santos.

Quando Eduardo Cunha era criança, e vivia no Brasil, estava sempre acompanhado de um fiel companheiro – o seu papagaio. Quando se mudou para Portugal, o afeto não diminuiu. Eduardo Cunha adquiriu outro papagaio, que lhe fez despertar a vontade de criar pássaros.

Segundo Eduardo Cunha, o segredo para uma boa criação começa ao adquirir espécies mais baratas para ganhar prática. FOTO: Sofia Frias

No momento, tem cerca de 300 pássaros, de 20 espécies diferentes. Para o colecionador de 62 anos, as aves têm uma capacidade interativa que o cativa. Contudo, ao contrário da maioria dos ornitólogos, atualmente, não é Eduardo Cunha que cuida da sua coleção, mas sim a caseira da quinta onde os pássaros são criados.

O hobbie que gerou clubes e competições

Hugo Gonçalves, de Lavra, em Matosinhos, é membro do Clube Ornitológico de Matosinhos e campeão do mundo em ornitologia. Há 18 anos que faz apenas criação de canários de duas raças diferentes: Frisados do Norte e Frisados do Sul. “Sinceramente não sei explicar o porquê, mas gostei da raça, e foi a partir daí que ganhei o gosto e comecei a criar”, explica, tentando perceber como nasceu o carinho que nutre por estes animais.

Hugo Gonçalves não consegue imaginar a sua vida sem este passatempo. FOTO: Hugo Gonçalves

Atualmente faz parte do Clube Ornitológico de Matosinhos, que está aberto todos os domingos de manhã. O clube permitiu que Hugo Gonçalves conhecesse pessoas que partilham a mesma paixão por pássaros. “Felizmente fiz já muito bons amigos por causa dos passarinhos. Temos um grupo bom de pessoas, principalmente no clube de Matosinhos. Um grupo de amigos em que cada um cria, normalmente, uma raça diferente de canários”, explica.

De fevereiro a setembro, época em que não há competições, a maior parte dos criadores de pássaros não se encontram. “Para quebrar esses meses que não estamos juntos, tentamos organizar um churrasco de clube, normalmente uma vez por mês, para promover o convívio entre nós”, explica o homem de 34 anos.

Por outro lado, em época de competição, os criadores juntam-se todos em qualquer parte do mundo. Existem várias competições de ornitologia: locais, regionais, nacionais, internacionais e mundiais. Hugo Gonçalves já passou por todas. No 68.º Campeonato Mundial de Ornitologia, em janeiro deste ano – que teve lugar na Exponor, em Matosinhos – arrecadou o título de campeão mundial com um Frisado do Sul Variegado Melânico. As competições representam um papel importante na vida de Hugo Gonçalves, que, diz, é onde se mostra um bocadinho daquilo que os ornitólogos fazem em casa.

As competições internacionais permitem-lhe entrar em contacto com outras pessoas, diferentes culturas e com maneiras alternativas de pensar. Hugo Gonçalves aproveita essas alturas para absorver o conhecimento que os outros criadores, normalmente mais velhos do que ele, lhe transmitem. “Acabamos por ter boas amizades, tanto a nível nacional como a nível internacional. Tenho bons amigos internacionais, tanto belgas como italianos, espanhóis… Que acabam por ajudar os mais novos”, conclui.

Pedro Valentim também participa nas competições de ornitologia. Porém, o homem de 44 anos, também residente em Lavra, tem objetivos que vão além do panorama nacional e, portanto, só concorre nas competições internacionais e mundiais. “Como tenho uma qualidade grande de pássaros já não tenho grande motivação de concorrer naquelas pequenas exposições regionais. Não tenho necessidade de cansar os meus pássaros nas exposições mais pequenas”, explica.

Foi aos nove anos que Pedro Valentim descobriu a sua vocação para o mundo das aves. Começou por observar os canários do seu tio, e quando este adoeceu, assumiu o controlo do bando por dois meses. Desde então que nunca mais conseguiu parar. Neste momento, além de criar 84 pássaros e de concorrer em competições internacionais, faz também parte do Colégio Nacional de Juízes, da Federação Ornitológica Nacional Portuguesa (FONP).

O Colégio Nacional de Juízes tem cerca de 60 membros, entre juízes e aspirantes a juízes, cuja formação dura, normalmente, quatro anos. Os membros daquela entidade são chamados para classificar as aves que são apresentas a concurso, quer a nível nacional, internacional e até mundial. Dependendo da espécie e do escalão, geralmente os critérios de avaliação de uma ave passam pela qualidade da plumagem, o seu bem-estar e saúde, assim como a limpeza, explica Carlos Ramôa, presidente da FONP.

Concorrer em competições e ser, ao mesmo tempo, juiz, ocupa bastante tempo. “Às vezes a família também é um bocadinho prejudicada por causa disso, mas é um bichinho que nós temos, é o hobbie que nós temos e é o amor aos pássaros que nós temos”, justifica Pedro Valentim.

Criar pássaros também é uma terapia

Não é só o tempo para as exposições, é a preparação para as mesmas que mais consome o criador. “42 casais dá perfeitamente para gerir, mas o período mais crítico começa a ser agora. Vai mais ao menos de fevereiro até maio, que é a altura em que os pássaros estão a acasalar”, explica. Pedro Valentim dedica agora cerca de hora e meia por dia ao seu bando, para que o grupo se desenvolva e não esteja sempre do criador. Na época em que vai de férias, os pássaros têm que estar suficientemente crescidos para sobreviverem sozinhos.

Atualmente, Pedro Valentim dedica 1h30 por dia ao seu bando. FOTO: Pedro Valentim

Para o criador, todo o esforço vale a pena. Este hobbie tem um efeito terapêutico, “tranquilizante“. “No caso dos períodos da nossa vida mais stressantes, no trabalho ou qualquer coisa, eu vou para ali e entretenho-me: estou a dar comida, estou a dar água, ouço-os a cantar. É um bocado relaxante para nós”, reflete.

Bernardino Leal, presidente do Clube Ornitológico da Trofa, não consegue imaginar a sua vida sem este hobbie. “Só se eu fosse proibido por qualquer problema de saúde ou qualquer coisa, mas mesmo assim não sei se me conseguia desfazer disto. Não há palavras”, enaltece.

Em tempos, o presidente do Clube Ornitológico da Trofa já participou também em competições e chegou a receber o galardão de campeão do mundo.

A contar 56 anos, já são 30 os que dedica à criação de pássaros. Começou por ser uma brincadeira, mas rapidamente se tornou numa paixão. Hoje, Bernardino considera as suas 40 aves como família. “Não é muito difícil, nem dá muito trabalho. Quando uma pessoa gosta de uma coisa arranja sempre tempo para ela”.


A época das criações é uma altura especial para o criador, que explica com emoção todo o processo: “junta os casais, põe o ninho, vê os passarinhos a fazer o ninho, vê-os a pôr os ovos, vê-os a chocar, vê-os a nascer, vê-os a dar de comer, vê-os a ganhar penas, vê-os a saírem do ninho. É uma coisa que não tenho palavras para se descrever.”


Esta é época do ano em que os ornitólogos se dedicam à criação de novos passarinhos. Porém, daqui a uns meses, a atenção dos criadores vai ser totalmente direcionada para as exposições e competições: altura em que se reencontram e voltam a unir os mesmos interesses. Por enquanto, têm os seus fiéis companheiros por companhia.

Os canários são a verdadeira paixão de Bernardino Leal, que os considera parte da família. FOTO: Bernardino Leal

Artigo editado por Filipa Silva.

Este artigo foi realizado no âmbito de uma série de reportagens desenvolvidas pela redação do JPN sob o mote “comunidades”, entre fevereiro e março de 2020.