Reabertura, mas com contenção. É esta a palavra de ordem dada por Marcelo Rebelo de Sousa depois da reunião no Infarmed. Com o fim do estado de emergência, o Presidente da República e os partidos a deixam alertas.

À partida para a reunião desta terça-feira no Infarmed, classe política e médica mantinham a dúvida em perceber se havia ou não condições para a reabertura gradual da sociedade portuguesa, depois de dois períodos de estado de emergência terem “fechado” o país.

Mas o segredo mais mal guardado dos últimos tempos, foi revelado: o estado de emergência em Portugal termina à meia-noite do próximo dia 2 de maio.

Apesar da certeza quanto ao fim do estado de emergência, as dúvidas quanto à eficácia desse término – a que se deverá seguir o decretar do estado de calamidade pública – continuam bem presentes no horizonte da classe política, incluindo do Presidente da República que deixou o auditório do Infarmed com algumas preocupações e recados para os portugueses.

À saída de mais uma sessão sobre a “Situação epidemiológica da COVID-19 em Portugal”, a quinta já realizada, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que “o estado de emergência cessará a sua vigência no dia 2 de maio à meia-noite” e reiterou aos jornalistas a ideia de que os portugueses não devem entender o fim do estado de emergência como “qualquer facilitismo”. Para o Presidente da República “o fim do estado de emergência não é o fim do surto”, pois essa ideia “convida ao desrespeito”, banalizando o estado de emergência que está a terminar.

Marcelo deixou vincada a ideia de que o país está a meio na corrida contra a pandemia, com a entrada na terceira fase, quando o estado de emergência terminar no dia 2 de maio.  

Se a primeira fase foi de “contenção, essencial, que obrigou ao tomar de medidas de confinamento”, para o Presidente da República, a segunda fase iniciada com o estado de emergência, “exerceu um poder jurídico e psicológico” ao qual “os portugueses aderiram voluntariamente”, com “uma participação massiva” e “eficaz”, disse.

Terminada a segunda fase, “do planalto e evolução descendente”, Marcelo Rebelo de Sousa anuncia agora a entrada numa terceira fase, de “retoma, uma abertura de pequenos passos”, que não deve ser “encarada como a normalidade, a estabilização definitiva”. “A ideia agora é de utilização de outros recursos, onde a contenção é importante”, advertiu o Presidente da República.

Mediante a evolução da pandemia no nosso território, Marcelo deixou para mais tarde a quarta fase, da qual o Presidente espera que seja o momento do “termo do surto como o conhecemos até agora”, augurou.

As reações dos Partidos

José Luís Carneiro, do Partido Socialista (PS), vê dados positivos, nomeadamente na redução do contágio, que se materializa na descida do recurso às unidades hospitalares e cuidados intensivos. O secretário geral adjunto do PS espera “um aumento no número de contágios com o fim do confinamento” que por isso obriga a um “acompanhamento gradual, sistemático, quinzenal para aferir se as medidas de desconfinamento devem continuar ou se se deve recuar nas medidas anunciadas”.

O PS está também preocupado com o aumento dos comportamentos aditivos, fruto do isolamento social imposto pelo estado de emergência. José Luís Carneiro notou também que “não deve haver preconceitos ou comportamentos estigmatizantes relativamente aos doentes de COVID-19, de forma a evitar clivagens na sociedade portuguesa”.

Não vamos voltar ao mundo como conhecíamos antes” – PSD

O PSD está preocupado com o nível de transmissão do vírus, que continua acima de 1 R0 – número de contágios por cada infetado -, quer na região de Lisboa quer no Norte, e por isso, as decisões quanto às medidas a tomar “devem ser suportadas pela ciência”. Ricardo Baptista Leite saiu do encontro com os especialistas com a certeza de que o “surto não está controlado” pois o vírus “está presente na comunidade”, não sendo por isso possível perceber as cadeias de transmissão.

“Queremos que haja um levantamento o mais rápido possível, mas deve ser feito com contenção. Não vamos voltar ao mundo como conhecíamos antes. Vamos ver o aumento do número de casos, é inevitável, como foi aqui mostrado, mas esse número deve aumentar de uma forma que o SNS possa aguentar”, alertou o deputado do PSD.

Não acaba o estado de emergência social do país” – BE

Para o Bloco de Esquerda a situação é preocupante, pois com o fim do “estado de emergência da pandemia, não acaba o estado de emergência social do país”, disse Catarina Martins. Nesse sentido a líder do Bloco pretende que Marcelo Rebelo de Sousa produza legislação para lá do estado de emergência, com um decreto a terminar as restrições.

Se acabam as restrições, como a de circulação, a abertura da economia vai obrigar à adoção de restrições em vários setores, com Catarina Martins a considerar que já existem “medidas legais que não precisam do estado de emergência”.

“Nesta crise sanitária não estamos todos no mesmo barco” – PCP

O PCP acompanha a ideia progressiva do desconfinamento, garantindo as normas de segurança mas sem o estado de emergência que “reprime os portugueses, que limita as suas liberdades”. Para os comunistas, o SNS tem dado “resposta extraordinária” no curso desta pandemia. Jorge Pires ressalva que a pouca hospitalização de doentes com COVID-19 e o baixo número de doentes em cuidados intensivos, deve-se a uma “rede de cuidados primários espalhada por todo o país”, permitindo que assintomáticos não ocupem camas hospitalares.

O deputado comunista deixou a ideia de que nesta crise sanitária “não estamos todos no mesmo barco”. Para o PCP, “as desigualdades sociais têm impacto na incidência da pandemia nestas pessoas”, sendo por isso necessário um “apoio social maior da parte do Estado de forma a baixar estas diferenças que se têm agravado”.

Mesmo sem o estado de emergência continuamos a ter uma emergência no Estado” – CDS

O CDS está preocupado com os riscos na economia deste fecho da sociedade. Para os centristas, a abertura “deve ser gradual, leve, sustentada”, acompanhada de “medidas de saúde pública no rastreio de contactos, testagem e equipamentos de proteção individual”. O líder do CDS considera que “mesmo sem o estado de emergência continuamos a ter uma emergência no Estado”, sendo urgente um “plano para ativar a economia, com liquidez, um choque de tesouraria.

O líder do partido, Francisco Rodrigues dos Santos, diz que estamos perante “uma crise, uma calamidade”, assegurando que 25% das empresas “não sobrevivem mais um mês sem apoios do Estado”. O líder dos centristas deixa um conjunto de recomendações ao Governo: a criação de um cheque de emergência para pequenas e médias empresas, com o Estado a pagar as suas dívidas às empresas; proteção social extraordinária para os profissionais liberais; vale tecnológico para comprar portáteis ou tablets com despesas dedutíveis em IRS.

Por fim o líder do CDS deixou a preocupação de que o nível de contágio ainda é elevado sendo “necessário uma redução mais consistente para se poder dizer que o COVID-19 deixa de precisar de medidas de contenção social”.

“Não se percebe a alteração do estado de emergência para o estado de calamidade” – PAN

Inês Sousa Real do PAN, alertou que tem de haver “equilíbrio nas medidas” por causa do risco de contágio que é superior a 1 (na escala R0).

Para o PAN, os efeitos a nível económico e social são também preocupantes com o estender do lay-off, o desemprego, que tem aumentado o recurso ao Banco Alimentar contra a Fome, assim como com o “desgaste das forças de segurança e profissionais de saúde”. O PAN “não percebe a alteração do estado de emergência para o estado de calamidade, pois este último não responde de forma legal às necessidades da sociedade, quer a nível económico, quer a nível de saúde”, afirma a deputada.

“A economia não deve ser reestabelecida a qualquer custo” – PEV

Mariana Silva considera que é necessário dentro da “normalidade possivel”, a reabertura da economia e da vida dos portugueses, mas que a mesma não deve ser reestabelecida a qualquer custo”. A deputada dos Verdes considera que a segurança está em primeiro lugar, sendo para isso necessário a “desinfeção nas escolas e o uso de máscaras por todos”, como medidas necessárias de proteção quando os estabelecimentos de ensino voltarem a abrir.

Os Verdes estão ainda preocupados com as creches, devido ao elevado número de educadores e auxiliares que pertencem a um grupo de risco (entre os 50-59 anos) e à difícil garantia de cumprimento das medidas de segurança por parte de crianças muito pequenas.

“Porque é que o governo está tão interessado nesta medida” – Chega

Para o Chega, ficou claro que a abertura deve ser progressiva. No entanto, consideram que faltou “clareza a todos”. André Ventura diz que “tomar medidas hoje e daqui a 15 dias fazer o contrário, voltar atrás, pode ter um efeito devastador na economia. A economia não é uma ciência fixa. É preciso fazer as coisas com ponderação”, afirmou.

Para o líder do CHEGA é preciso “perceber que restrições vamos ter. O estado de emergência ou estado de calamidade não são apenas uma mera mudança de estilo”, considera Ventura, alertando que o estado de calamidade que se avizinha “depende do Governo” e que por isso o partido vai estar atento às propostas.

Ventura que defende o “uso um pouco mais agressivo da tecnologia” para controlar o estado da pandemia nos portugueses, vê o fim do estado de emergência como um entrave a uma resposta mais “musculada” do governo. Por isso lança a dúvida: “Porque é que o governo está tão interessado nesta medida?”.

“Reunião agridoce” – Iniciativa Liberal

A retoma económica é o fator destacado pela Iniciativa Liberal. João Cotrim Figueiredo destaca com preocupação três “C” que foram insuficientemente defendidos, na sua visão.

Ao poder político, defendo o deputado, tem falatado “coragem” no plano económico, “conhecimento”, porque existem “dados de mortalidade excessiva sem resposta, dados que não batem certo” e “clareza”, pois a “comunicação tem sido errática, a começar pela DGS”, motivada para “manter as pessoas tranquilas”.

A Iniciativa Liberal diz ainda que “se as medidas para combater a pandemia no estado de calamidade forem desproporcionais àquelas que a evidência científica defende, estaremos contra o estado de calamidade”, afirma Cotrim Figueiredo.

António Costa vai esta quarta-feira reunir-se com os líderes dos partidos com assento parlamentar, e por fim com Marcelo Rebelo de Sousa para apresentar as medidas para a terceira fase, pós estado de emergência.

Artigo editado por Filipa Silva