“Há vitórias que nos emocionam. Esta é uma delas”. Assim reagiu, na rede social Facebook, o presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), Rui Moreira, à notícia de que a concessão do projeto de reconversão do Matadouro de Campanhã pode por fim avançar. A notícia chegou depois de, na passada sexta-feira (24), a autarquia ter confirmado, em comunicado, a vitória no recurso apresentado contra a decisão do Tribunal de Contas de não conceder o visto à obra.

O desfecho chega 14 meses depois de este tribunal ter recusado, a 04 de fevereiro de 2019, o visto prévio ao projeto. Ao município de Rui Moreira foram dados dez dias para apresentar o recurso, “o que fez em tempo”, salienta-se no comunicado. Com o acórdão favorável à autarquia do Porto, cumpre-se assim o último passo necessário ao início dos trabalhos.

Ao JPN, o presidente da Junta de Freguesia de Campanhã, Ernesto Santos, afirma partilhar o mesmo sentimento de Moreira face ao desenlace daquela que foi uma longa narrativa. “Foram seis anos em que o Tribunal de Contas apenas serviu de empecilho. Hoje poderíamos ter a obra finalizada”. Ernesto Santos caracteriza ainda o projeto como “o avanço do século para Campanhã”.

No comunicado, a CMP refere que o projeto de reconversão do antigo Matadouro Industrial “pode servir como grande impulsionador económico, social, cultural e demográfico das freguesias mais orientais” da cidade (Bonfim e Campanhã). No caso específico de Campanhã, Ernesto Santos comunga da mesma ideia e adianta ao JPN como é que essa meta poderá ser alcançada. A transformação do Matadouro num polo empresarial, cultural e social traz consigo “empresas e alguns investimentos” que, depois de ativados e conjugados, permitirão “acordar um bocado a freguesia”.

A fixação de “habitação condigna” naquela zona é outro dos resultados que poderá advir com a reconversão do espaço e, consequentemente, com a reabilitação da área envolvente. A nível demográfico, o presidente da Junta de Freguesia de Campanhã não esconde que o objetivo passa por “trazer mais jovens”, “com outra qualidade de vida”.

Já fazia falta um projeto como o do Matadouro, diz o líder da freguesia, porque com ele chega “uma outra ideia de ver Campanhã”. Ernesto Santos salienta “todo o emprego” que a iniciativa trará para o território, “que, socialmente, é uma das freguesias mais pobres e com menos emprego”.

Ernesto Santos nota ainda que a transformação do Matadouro, aliada a outros projetos já previstos para Campanhã, permite agora dizer que a freguesia “entrou finalmente no mapa”. São os casos do Parque Oriental do Porto (já aberto ao público), do Terminal Intermodal (que se encontra em construção) e do projeto de habitação a ser edificado no Monte da Bela – descrito por Moreira como um “game changer” capaz “de mudar o panorama da cidade e impulsionar o emprego e coesão social naquela zona do Porto”, escreve a autarquia no comunicado da passada sexta-feira.

À lista, Ernesto Santos acrescenta “a recuperação de toda a Praça da Corujeira e da [zona] envolvente”, e revela ao JPN que já estão a ser trocadas impressões com o arquiteto responsável para “ver qual será a melhor forma de recuperar aquela praça”.

O presidente da Junta não tem dúvidas: a freguesia “mexe-se”. E os investimentos de que Campanhã tem sido alvo devem apenas e só, diz, ser vistos segundo um âmbito: dar um outro rosto a uma freguesia “durante muitos e muitos anos ostracizada” e “esquecida pura e simplesmente no tempo”.

Todavia, nem todos os projetos são consensuais. O esqueleto do que deveria ser um hospital privado, mesmo à beira da VCI, continua envolto em incertezas. Ao JPN, Ernesto Santos confessa que ainda não questionou a Câmara do Porto sobre as circunstâncias da aprovação do projeto, mas que o tenciona fazer. “Se foi aprovado só para o hospital – ou da Trofa Saúde, ou da CUF, ou de quem quer que seja -, ali tem de nascer um hospital. Ou do próprio Estado, quem sabe. Se a aprovação do projeto permitir outras ideias, pois então o empreendedor que empreende ali alguns milhões de contos tem o direito de escolher o melhor resultado”, diz.

No entanto, para o presidente da Junta de Freguesia de Campanhã, “o hospital, pelo desenvolvimento económico, seria muito mais útil que o hotel. O hotel recebe os turistas, e os turistas vão para a Baixa da cidade passear; o hospital receberia, ali, todos os familiares de doentes que ‘animariam’ um pouco aquele comércio local”.

Projeto do Matadouro avança – mesmo com a crise à espreita

Em entrevista, esta terça-feira (28) na RTP, Rui Moreira diz que “até agora”, mesmo tendo em conta a atual pandemia de COVID-19, não há “nenhuma razão para acreditar que o projeto não avance, bem pelo contrário”. Ainda assim, durante esta semana haverá uma reunião com a Mota-Engil (empresa portuense que venceu o concurso lançado para a concessão do espaço), que “continua muito interessada”.

“Há dois anos que foi feita uma adjudicação, faz agora em maio – isto esteve de molho durante dois anos no tribunal”, afirmou, destacando os apoios de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Costa.

Ajudaram a resolver um problema que era político para o Tribunal de Contas – e é lamentável que haja um tribunal que tome decisões políticas”, disse o autarca. “Mas nós vencemos”, reafirmou.

“Agora temos de pôr este projeto em marcha”, disse, sobretudo no atual contexto. “Precisamos de investimento – e o município do Porto não tem dinheiro para todos os investimentos. Havendo um investimento de 40 milhões, ainda por cima naquela zona da cidade, é fundamental.”

“É nestes momentos de crise que precisamos destes investimentos, porque vão criar emprego e há toda uma fileira de fornecedores que vão aqui encontrar a solução para uma crise muito grave na nossa economia”, remata o presidente da Câmara do Porto.

Arte, empresas e uma passagem pedonal: o futuro do Matadouro

O investimento de quase 40 milhões de euros no antigo Matadouro Industrial do Porto será assegurado integralmente pela Mota-Engil. Estima-se que as obras demorem cerca de dois anos. A construtora, que já prestou caução à Câmara do Porto, fica obrigada a tratar da gestão do espaço durante os próximos 30 anos. No final desse período, o equipamento regressa à esfera municipal, explica o comunicado da autarquia.

O projeto pretende reconverter o Matadouro de Campanhã numa área destinada à “instalação de empresas, galerias de arte, museus, auditórios e espaços para acolher projetos de coesão social”, conforme consta no comunicado. Ao município, que ocupará uma parte do novo edifício, cabe “a realização de projetos de dinamização cultural, de envolvimento da comunidade e afetos à coesão social”, pagando para o efeito uma renda de 22,7 milhões de euros à empresa, durante as três décadas da concessão.

A arquitetura está a cargo do arquiteto Kengo Kuma, conhecido pela assinatura do estádio que vai acolher os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. O conceito a ser implementado no Matadouro foi delineado pelo arquiteto japonês em parceria com os arquitetos portugueses do gabinete OODA. Na proposta apresentada, sobressai a construção de uma passagem pedonal por cima da VCI, cujo objetivo é criar um “impacto visual único” para quem atravessar daquele modo a via mais concorrida da cidade. Esta passagem pedonal passará a ligar a parte baixa da Corujeira – na zona do Matadouro – à parte alta, junto ao Estádio do Dragão (mais em concreto a estação de metro).

Outro elemento-chave do projeto está na construção de uma cobertura que unirá o antigo e o novo edifício. Destaca-se, ainda, a criação de uma rua pedonal coberta que atravessará o espaço de uma ponta à outra, ligando por fim à passagem suspensa sobre a VCI.

Para Rui Moreira, o novo polo a instalar no espaço do antigo Matadouro “será a obra icónica da zona Oriental” do Porto, “tal como a Casa da Música” o é “na zona Ocidental da cidade”.

Cronologia de uma longa narrativa

Artigo editado por Filipa Silva.