Oitenta e seis casos positivos, 43 recuperados e zero mortos. A Região Autónoma da Madeira é a única do país que continua sem apresentar óbitos devido à COVID-19, desde 16 de março, dia em que se registou o primeiro caso. 

De acordo com o balanço mais recente, feito esta quarta-feira pela Direção Regional de Saúde da Madeira, a maior concentração de casos confirmados está localizada em Câmara de Lobos (37) e logo a seguir está o Funchal (26). Por outro lado, os concelhos de Porto Moniz, São Vicente e Santana não registam qualquer infetado, mas todos os concelhos da região têm pelo menos um suspeito. O número de recuperados neste momento é de 43, sendo que o Funchal é o que tem mais (17 recuperados). Ainda segundo o relatório, a faixa etária que regista mais infetados é a dos 20 aos 29 anos.

O concelho de Câmara de Lobos é o que tem mais infetados pelo novo coronavírus, tendo registado, só na freguesia de Câmara de Lobos, no dia 18 de abril, um aumento de 10 casos, em apenas 24 horas. Por essa razão e por incumprimento das medidas de contenção, o Governo da Madeira impôs um cerco sanitário à freguesia, desde o dia 18 de abril, que se prolongará até ao fim do estado de emergência nacional, que deve ocorrer, segundo informou o Presidente da República, a 2 de maio.

Dados de 29 de abril do Boletim da Secretaria Regional da Saúde e Proteção Civil da Madeira | Ilustração: Beatriz Cunha

Neste momento, há apenas um internado nos cuidados intensivos no Hospital Dr. Nélio Mendonça – que é o hospital de referência na região – devido ao novo coronavírus. Desde o dia 24 de abril que a Madeira não regista novos casos de COVID-19.

A unidade de saúde é a única que tem uma unidade de cuidados intensivos para doentes de COVID-19 na região, ou seja, o único com ventiladores disponíveis (15 camas no total). Desde segunda-feira (27), o hospital passou a dispor também de uma unidade polivalente, com capacidade para 30 internamentos que permitirá hospitalizar doentes infectados com COVID-19, mesmo que oriundos de diferentes especialidades, explicou o Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM) em comunicado.

De olhos postos nas entradas

Apesar da autonomia dos Governos Regionais, a declaração de estado de emergência e as medidas a ele associadas, impostas pelo Governo Central, aplicam-se a todo o território nacional, incluindo as Ilhas. Mas o Governo Regional da Madeira decretou também medidas de contenção específicas para o território insular.

A primeira grande preocupação das autoridades regionais projetou-se sobre quem chegava ao arquipélago. “Tendo em consideração que 48% dos casos positivos registados na região autónoma foram importados, sendo os restantes 52% resultantes de cadeias de transmissão local constituídas a partir destes, não há duvida que a quarentena obrigatória foi uma das medidas que mais contribuiu para a baixa incidência registada”, nota o gabinete de imprensa de Miguel Albuquerque, Presidente do Governo Regional da Madeira, num esclarecimento por escrito enviado ao JPN.

Um elemento da equipa COVID-19 do Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais (IASAÚDE), que preferiu não ser identificado, referiu também ao JPN que a “elaboração e execução de um plano de contingência de forma precoce e atempada” foi crucial para a situação não escalar como no continente. A mesma fonte aponta ainda outras medidas como a “ativação da linha de apoio SRS24” e ainda “reorganização de todos os serviços do SESARAM, tanto a nível dos cuidados primários de saúde como dos cuidados hospitalares, privilegiando o contacto telefónico em detrimento das consultas presenciais”, evitando assim o contacto direto. 

Para além disto, o médico do IASAÚDE sublinha que foram criadas “equipas de profissionais de saúde multidisciplinares e um serviço de triagem e atendimento do COVID-19 no SESARAM”. Restrições à circulação e a “divulgação de informação para a população através de diversos meios, nomeadamente a RTP, redes sociais, panfletos”, foram também fatores importantes. 

No final da semana passada, o Governo madeirense começou um processo de distribuição de máscaras, via CTT. Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira explicou, na conferência de imprensa após a reunião do Conselho do Governo, a 6 de abril, que foi “um sinal” enviado “à população, de incentivo para a utilização das máscaras”. São cerca de 40 mil máscaras, para os 260 mil habitantes da Madeira, sendo que para Pedro Ramos, Secretário Regional de Saúde da Madeira, “há necessidade de privilegiar Câmara de Lobos”, referiu na conferência de imprensa diária da SESARAM.

Ainda em relação às máscaras, em declarações à Lusa, Miguel Albuquerque recomenda o uso generalizado de máscaras, mesmo não sendo obrigatório, uma vez que isso implicaria nova legislação.

O critério para se ser considerado curado é também agora diferente do continente para a Madeira. Apesar da Direção-Geral de Saúde (DGS) ter anunciado, no sábado passado (25), que a partir de agora um doente é considerado curado testando apenas uma vez negativo ao novo coronavírus, na Madeira o critério de um segundo teste mantém-se. Em declarações ao “Jornal da Madeira“, Bruna Gouveia, vice-presidente do IASAÚDE, reforça que “os recuperados mantêm-se definidos com a presença de dois testes”, uma vez que a Madeira, contrariamente ao continente, está numa situação “de transmissão local e temos disponibilidade para fazer testes”, referiu.

Paragem até na construção

Segundo Jorge Veiga França, presidente da Associação de Comerciantes e Indústrias do Funchal (ACIF), na Madeira como no continente, “foi decidido proibir todas as atividades de animação turística, nomeadamente excursões, passeios, visitas guiadas, bem como a atividade de rent-a-car“. “A construção civil, contrariamente ao que sucedeu a nível nacional, foi obrigada a suspender a atividade durante 20 dias, suspensão essa que entretanto já foi levantada”, diz ao JPN.

Vista do Funchal | Foto: Antonino Pacheco Junior

Apesar de algumas empresas, nomeadamente no setor da construção, terem já voltado ao trabalho, como em Portugal continental, “muitas empresas estão encerradas, designadamente o pequeno comércio, com exceção dos que fornecem bens de primeira necessidade; a restauração, excetuando a atividade para take away; A hotelaria, a animação turística e muitas outras empresas de serviços”, afirma ao JPN.

Dentro das empresas, Jorge Veiga França diz haver planos individuais, “de modo a que os trabalhadores possam manter o distanciamento social aconselhável, esta redefinição implica não só a organização do trabalho por turnos, sempre que possível, como também a redefinição do espaço físico laboral, de modo a evitar aglomerados de pessoas no mesmo espaço”. Para além disso, desde 22 de abril que a ACIF recomendou o uso obrigatório de máscaras nas indústrias e comércio em funcionamento, acrescenta.

Como no continente, também escolas, infantários e creches, universidades e locais de atividades de tempo livre estão encerrados desde 16 de março. “O Governo Regional vai proceder à emissão de conteúdos pedagógicos através da RTP/Madeira e manterá junto das escolas um plano de ensino à distância, com o objetivo de preparar os alunos da região autónoma para os exames nacionais a realizar em julho do corrente ano”, disse Miguel Albuquerque em conferência de imprensa. Acrescentou ainda, que também na Madeira os alunos do ensino básico vão usufruir da Telescola, na RTP Memória.

A eficácia das medidas é indissociável do seu cumprimento e “os madeirenses respeitaram de forma generalizada e cívica as medidas impostas pelo Governo”, sublinha o membro do IASAÚDE. O presidente de ACIF, Jorge França, tem o mesmo entendimento: “os madeirenses têm sido cidadãos exemplares”, diz ao JPN.

O contorno às fronteiras abertas

“Sendo a Madeira uma região insular com um elevado número de turistas, houve a preocupação, ainda antes de surgirem os primeiros casos de contaminação, de querer encerrar o aeroporto como forma de conter esta pandemia do coronavírus”, recorda Jorge Veiga França ao JPN.

Inicialmente, o Presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, pediu ao Governo da República o encerramento dos aeroportos do Funchal e Porto Santo. “Mas uma vez que não tivemos a respetiva autorização do Governo da República para encerrar esta infraestrutura, foi decidido, no dia 15 de março, obrigar todos os passageiros que desembarcassem no aeroporto da Madeira e do Porto Santo a efetuarem a quarentena ou isolamento social profiláticos obrigatórios durante 14 dias”, pode ler-se nas declarações enviadas ao JPN pelo Governo Regional.

O Presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque. Foto: Miguel Albuquerque/Facebook

O aeroporto da Madeira foi o primeiro a nível nacional a tomar medidas na chegada de passageiros e tripulações. “Todos os passageiros que desembarcam nos aeroportos da Região Autónoma da Madeira passam por uma equipa sanitária que recolhe e analisa um inquérito epidemiológico e procede a um controlo de temperatura corporal”, referem.

Caso seja detetado um caso suspeito, é acionada a Linha SRS24 Madeira. Todos os outros, esclarece a presidência do Governo Regional ao JPN, “cumprem atualmente um período de confinamento obrigatório em estabelecimento hoteleiro designado, acompanhados pelas autoridades de saúde”.

Assim, todos os que chegam à ilha, tanto residentes como turistas, são obrigados a cumprir quarentena durante 15 dias num hotel disponibilizado pelo Governo Regional. A medida foi tomada dia 31 de março e o Governo requisitou cinco unidades hoteleiras para o efeito.“Temos cinco hotéis disponíveis. Se for necessário avançamos para mais”, disse Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional da Madeira, citado pelo “Público” numa conferência conjunta com Pedro Ramos, Secretário Regional da Saúde, ainda em finais de março.

Esta quarta-feira (29), estavam alojadas 131 pessoas numa unidade hoteleira do grupo Vila Galé, em Santa Cruz, sendo que não estão só alojadas pessoas que venham de fora, mas também pessoas que não têm condições em casa para cumprir o isolamento.

Numa entrevista à TVI, o responsável pelo Hotel Vila Galé, Luís Caldeira, explica que, todos os dias são apresentadas atividades como ginástica, dança e leitura, com o intuito de entreter os residentes. Há também preocupações com a alimentação: “as refeições são postas à porta de cada um, batemos e o cliente tem de esperar 10 segundos, para abrir a porta, para não haver contacto” com a limpeza e ninguém está autorizado a sair do quarto, esclareceu.

O hotel Cabo Girão pertence, também, ao grupo dos cinco hotéis requisitados pelo Governo madeirense e está a alojar todos os residentes no concelho de Câmara de Lobos que estão infetados com o vírus SARS-CoV-2. No dia 17 de abril, 32 pessoas foram deslocadas para o hotel, sendo que 23 testaram positivo.

A transferência das pessoas infetadas para o Hotel Cabo Girão para cumprimento do isolamento profilático, a realização de testes a todos os contactos diretos das pessoas infetadas e ainda o reforço da comunicação, da limpeza e da higienização daquela área ajudou a conter o surto.

“A decisão de confinamento profilático dos doentes COVID-19 teve como prioridade central garantir a segurança das pessoas infetadas e, em especial, conter eventuais fontes de contágio e de propagação comunitária”, refere o gabinete de comunicação do autarca em respostas enviadas ao JPN, garantindo que, “o objetivo de confinamento das pessoas no Hotel do Cabo Girão não foi de as ‘prender’ a um local inacessível, mas sim, poder assegurar as condições necessárias e adequadas à garantia da saúde pública, tanto das pessoas com a doença COVID-19, quanto a comunidade em geral”.

O bairro Nova Cidade foi o foco de transmissão e, por isso, “as autoridades regionais de saúde, em articulação com a Câmara Municipal de Câmara de Lobos, estão a efetuar testes de despiste a todas as pessoas residentes no Complexo Habitacional Nova Cidade sendo que, até à data, não se registaram novos casos positivos”, assegura o gabinete do presidente da autarquia de Câmara de Lobos.

Comunicação social: mediadora, esclarecedora, mas em “risco de não sobreviver”

Mas se a saúde dos madeirenses parece estar controlada, o mesmo não se pode dizer da comunicação social regional: “As vendas estão em queda livre e a paralisação do comércio também teve efeitos nefastos em termos de publicidade”, diz Edmar Fernandes, jornalista e editor do “Jornal da Madeira” ao JPN.  Foi após a declaração do estado de emergência (17 de março), que o Governo da Madeira proibiu o comércio de jornais e revistas em estabelecimentos ainda abertos. A venda pode ser feita porta a porta ou em locais “que os empresários assegurem ter condições para impedir ajuntamentos”, diz Edmar Fernandes.

Em comunicado a enviado à redações, citado pelo “Diário de Notícias”, a Associação de Imprensa de Inspiração Cristã e a Plataforma dos Meios Privados diz que esta medida põe em causa a liberdade de expressão, que o Estado de Emergência protege. “Estamos profundamente chocados, pois a declaração de Estado de Emergência refere explicitamente que as medidas que sejam tomados ao abrigo deste dispositivo legal, de carácter excecional, não podem, em caso algum, pôr em causa a liberdade de informação e de expressão no território nacional”.

Para além do direito à informação e à liberdade de expressão, está em causa a sobrevivência da comunicação social, “que está a ser de facto mediadora, na relação, nesta altura da pandemia”, diz o presidente da Direção Regional da Madeira do Sindicato dos Jornalistas, António Macedo Ferreira.

O jornalista salienta ainda a relação crucial que se tem estabelecido entre jornalistas, profissionais de saúde e a opinião pública: “Tem havido até uma certa… não diria cumplicidade, mas quase, entre a comunicação social, as entidades públicas e também a opinião pública”, refere, destacando ainda a disponibilidade dos “profissionais de saúde, principalmente aqueles que têm responsabilidades, ou no hospital, ou no IASAUDE, no SESARAM, que vão dando informações aos jornalistas, para que possam também ir confrontando as entidades governativas.”

Quando se registou o primeiro caso de COVID-19 na Madeira, havia uma discrepância entre os números da IASAUDE e da Secretaria Regional de Sáude e o dirigente sindical relembra o papel dos média como veículo esclarecimento: “os números sempre estiveram certos, a questão era uma questão de contagem, que tinha a ver com o tempo (…) a Direção Geral da Saúde apresenta os número de manhã e o IASAUDE apresenta ao fim da tarde e isso gerou algum ruído na comunicação, mas entretanto com a pressão também da opinião pública, houve uma reconcertação de números.”

É pelo papel desempenhado pelos meios de comunicação social que Edmar Fernandes alerta para a necessidade de apoios. Sendo jornalista num órgão regional, como a maioria dos consumidos no arquipélago, “julgo que deveriam existir apoios específicos que garantissem a subsistência de quem serve de parceiro comunicacional das normas exigidas em tempos de emergência nacional.” Para o jornalista e editor, se não forem tomadas medidas muitos órgãos correm o risco de “não sobreviver”.

De acordo com os dados divulgados esta quinta-feira (30) pela Direção Geral da Saúde, em Portugal a COVID-19 já provocou 989 óbitos, dos quais 977 no continente e 12 na Região Autónoma dos Açores. O número de casos confirmados ascende aos 25.045.

Artigo editado por Filipa Silva