Os 25 anos de “Jagged Little Pill”, um musical na Broadway sobre o seu icónico álbum e o lançamento de um novo disco, este ano, são as conquistas mais recentes da cantora canadiana.

A vida da cantora canadiana dava um filme. Se a anorexia, bulimia, trauma e depressão, são as faces invisíveis da exposição precoce e contínua do seu sucesso, o sorriso com que continua a cantar é o que fica mais visível ao fim de 45 anos de vida.

Chegada a Los Angeles em 1993, uma rapariga de 19 anos vinda do Canadá, é vítima de uma tentativa de roubo. Numa mochila traz um conjunto de músicas escritas, na outra todo o seu dinheiro. Perante a violência do momento, o ladrão leva a mochila com o dinheiro. Deitada no chão, agarrada à mochila que carrega os seus sonhos, a jovem suspira de alívio.

Quase 30 anos voaram depois de, no início da década de 1990, uma irreverente teenager de seu nome Alanis Morissette estrear o primeiro álbum homónimo (“Alanis”). Lançado apenas no Canadá, o som pop eletrónico (que nos atira para o disco sound), o cabelo longo e encaracolado, e as argolas gigantes nas orelhas lembravam-nos que estávamos perante uma jovem de 17 anos. Os anos 80 tinham chegado no início dos 90 ao Canadá. O disco vendeu 100 mil cópias. No ano seguinte (1992) chegava “Now Is The Time”, com menos energia e também com menos discos vendidos que o seu antecessor.

O Grunge da segunda metade da década de 80, explode comercialmente nos anos 90. O som punk/metal/indie rock das guitarras distorcidas de bandas como Nirvana, Pearl Jam e Soundgarden, muda o panorama artístico dos Estados Unidos da América. A editora de Madonna – Maverick – contrata Alanis Morissette e, com a contratação, a sua vida dá uma volta.

Alanis tinha-se mudado para Toronto depois de ficar sem editora e de terminar o secundário. Ali, trabalha com vários compositores, aprende a tocar guitarra e em Los Angeles conhece Glen Ballard, com quem escreveu e gravou o álbum Jagged Little Pill.

Morissette tinha tudo o que um adolescente podia aspirar: inocência misturada com uma boa dose de rebeldia, bondade mesclada com flashes de ousadia, doçura e travessura numa só.

Talvez por isso a editora tenha visto uma oportunidade: tornar Morissette na esperança feminina do pós-grunge. Com “Jagged Little Pill”, em 1995, o novo álbum de Alanis desvia-a para uma figura de culto à imagem e semelhança de PJ Harvey ou Björk. Para trás, fica a adolescente das argolas gigantes e os dois primeiros álbuns que foram cirurgicamente retirados do mercado pela nova editora.

Alanis confessou recentemente que começou a escrever “Jagged Little Pill” aos 19 anos. Os gestos rebeldes e o seu sorriso desconcertante, a escrita e os gritos em falsete tornaram-no no seu álbum de maior sucesso. Vendeu 33 milhões de cópias, ganhou cinco grammys, incluindo o de álbum do ano. Mais de duas décadas depois, singles como IronicYou Oughta Know e Hand in My Pocket continuam a ser as suas músicas mais ouvidas no Spotify.

1º. single do album “Jagged Little Pill”

Após uma digressão mundial de 18 meses, Alanis edita “Supposed Former Infatuation Junkie” (1998). Apesar de não receber muita atenção dos fãs, o disco recebeu boas críticas e estabeleceu o recorde de mais vendas na primeira semana de uma artista feminina.

Os álbuns seguintes de Alanis Morissette – “Under Rug Swept” (2002), “So-Called Chaos” (2004), “Flavors of Entanglement” (2008) e “Havoc and Bright Lights” (2012) – levam-nos para um lugar mais difuso. Entre a música mais elétrica e as mixes eletrónicas, a beleza da voz de Alanis perde fulgor.

Em Everything, talvez o último grande hit da cantora canadiana, Alanis entra em tom autobiográfico puro e despe-se de preconceitos. O primeiro single do sexto álbum de Alanis Morissette é lançado a 13 de abril de 2004. Nele a cantora admite virtudes e defeitos, revela a existência do melhor e do pior nela própria. Ainda jovem, com 29 anos, a música de Morissette entra para o topo da tabela de “Músicas Alternativas para Adultos” e sobe para o número quatro no “Top 40 dos Adultos”.

O single chegou ao nº.1 da tabela de música alternativa de adultos da Billboard

O casamento em 2010 com Mario Treadway, conhecido por MC Souleye, e o nascimento dos seus dois primeiros filhos permitiram a Alanis recuperar de problemas anteriores. Com “Havoc and Bright lights”, em 2012, a cantora canadiana exorciza fantasmas anteriores. No oitavo e último álbum, a tónica cai novamente na imagem introspetiva, autobiográfica.

O momento era de “curar muitas feridas da minha infância, (…) essa cura aparece em músicas como “Empathy” e “Lens”. Toda a ideia de promover a conexão, aquele sentimento horrível de desconexão de Deus ou um do outro ou de nós mesmos. É um sentimento muito vazio, penetrante e terrível”, disse Morissette sobre o que a levou a escrever o álbum Havoc and Bright Lights, numa entrevista à MTV News.

Os altos e os baixos da vida de Alanis não ficam por aqui. Em 2012 ao the Guardian a cantora descreve a experiência de “Jagged Little Pill” como “uma profunda violação, uma invasão” da sua intimidade. Morissette contou que sofreu psicologicamente com os efeitos do sucesso e da fama e que durante dois anos não conseguiu sorrir. Numa coluna no mesmo jornal, a cantora revela que teve uma recaída de bulimia e conta como ultrapassou uma anorexia quando tinha 16 anos.

A constante violação dos limites e fronteiras na sua vida explicam os distúrbios alimentares que Alanis sofreu. Em 2015, à revista Women’s Health, Alanis explica que a grande questão é perceber “o que é a sobriedade, aplicada à comida”. “Com o álcool, não bebemos e não vamos a bares. Com a heroína, não nos aproximamos dela. Mas com a comida… temos de comer, por isso como é que passamos de – no meu caso comer imenso e vomitar, passar fome, comer demais outra vez, com a balança a subir e a descer, como é que passamos disso para uma abordagem sóbria?”, questiona a artista canadiana.

Abortos espontâneos e depressão pós-parto também consumiram a alegria de Alanis no últimos anos. Já no ano passado, numa entrevista à revista SELF, Morissette recordava a sua reação inicial ao síndrome de depressão pós-parto. “Acordava e sentia que estava coberta de alcatrão e não era a primeira vez que me sentia deprimida. A minha história pessoal de depressão, onde era tão normal para mim estar na areia movediça ou no alcatrão, como se tudo estivesse pesado”, revela a artista.

O musical Jagged Little Pill

Este ano, Jagged Little Pill completa 25 anos. Para celebrar a data, o novo ícone feminino da música norte americana (prémio atribuído pela Billboard em 2019), estreou um musical dirigido por Diablo Cody no Broadhurst Theatre da Broadway, inspirado nas músicas do seu icónico álbum. Além da peça de teatro, Alanis Morissette vai realizar uma tourneé pela América do Norte, que vai servir para promover o seu novo álbum Such Pretty Forks in the Road. A pandemia do novo coronavirus colocou os planos da artista Canadiana em suspenso. Se a digressão pela América do Norte “ainda” se encontra confirmada, o lançamento do seu novo álbum foi adiado sem data ainda marcada, a tourneé da Europa alterada para o fim do verão e os concertos para a Austrália e Nova Zelândia remarcados para o final do ano.

Este é certamente um ano de novidades. Boas e más. A cantora considera que ser vista como uma “revoltada” a torna numa força inspiradora.

Artigo editado por Filipa Silva.