A pandemia veio alterar comportamentos e rotinas, o ensino não ficou de fora. Em conversa com especialistas, professores e alunos, o JPN recolheu opiniões do que se pode esperar para a educação após o surto de COVID-19. Mais tecnologia, métodos de avaliação mais práticos e alunos mais autónomos são algumas das tendências a que as escolas dificilmente vão escapar.

Tecnologia como complemento e não como substituto

A tecnologia está a ter um papel essencial no funcionamento das escolas e universidades desde o aparecimento do surto.

O aumento da utilização de meios tecnológicos e digitais, tanto por professores como por alunos, é a mudança mais certa para o pós-pandemia. No entanto, estas ferramentas – computadores, programas e plataformas digitais -, devem ser aplicadas no contexto de aulas presenciais, as quais não podem ser substituídas pelo ensino à distância, segundo a maioria dos entrevistados com quem o JPN esteve à conversa.

Para a ex-secretária de Estado da Educação, Ana Benavente, as tecnologias “não substituem a escola do ponto de vista da socialização e da aprendizagem de comportamentos cívicos”, mas devem ser antes um “complemento do trabalho escolar, numa perspectiva transformadora do que é a escola hoje”.

Também o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, partilha da mesma opinião e considera que as escolas, futuramente, devem estar equipadas com “computadores que não sejam obsoletos e com diferentes programas”.

Ao JPN, Flinto Lima refere que devido à pandemia, nas últimas semanas os professores e alunos desenvolveram ainda mais as suas competências digitais. Esse factor implica, por sua vez, que os estabelecimentos de ensino estejam “preparados para os receber da melhor forma”.

A professora Alcina Almeida, do Agrupamento de Escolas de Senhora da Hora, no Porto, defende também que a aprendizagem tecnológica que tem vindo a ser desenvolvida pelos docentes, a partir das diferentes plataformas, “não vai ser colocada no balde do lixo” depois do surto. “Se for eficaz neste ensino à distância, também pode ajudar no ensino presencial”, acrescenta.

A professora considera que, no futuro, deveria existir um maior investimento ao nível tecnológico nas escolas, não em quadros interativos, mas sim em redes “wireless, “computadores” e “câmaras”.

Contudo, José Costa, do Secretariado Nacional da FENPROF, não acredita que vá existir um maior investimento, tendo em conta “que nos últimos anos as verbas para a educação têm vindo a diminuir”.

Já os estudantes com quem o JPN esteve à conversa dividem-se no que toca à possibilidade de um incremento da tecnologia no ensino.

Os alunos mais novos (terceiro ciclo) e a estudante de mestrado em Atividade Física para a Terceira Idade, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), Almerinda Soares, não idealizam alterações nos métodos de ensino. A universitária, que frequenta um curso mais prático no qual as novas tecnologias já são muito utilizadas em unidades curriculares teóricas, acredita que nada vai mudar.

Os restantes estudantes universitários e do secundário com quem o JPN falou já acreditam num futuro mais digital. Para maria Correira, aluna da licenciatura em Serviço Social do Instituto Superior de Serviço Social do Porto (ISSSP), os meios digitais podem trazer vários benefícios no âmbito do atendimento.

A estudante de Serviço Social revela a dificuldade dos professores e alunos para encontrar um horário compatível de atendimento e para fazer trabalhos de grupo. Nesse sentido, as “plataformas online vieram mostrar uma outra hipótese de fazer isso noutro horário e a partir de casa”, sustenta Maria Correia.

Testes ou trabalhos?

Os métodos de avaliação da escola tradicional, como testes e exames, foram postos em causa devido à pandemia. De acordo com a investigadora Ana Benavente, há mais de trinta anos foram feitos “trabalhos de articulação escolar” que incentivavam os trabalhos e projetos, mas que não “fizeram história nas políticas educativas”.

Para ex-secretária de Estado da Educação, que é “contra os exames”, a situação de contingência vivida atualmente pode levar à reconstrução de uma “escola mais adaptada e mais adequada aos desafios que as gerações mais novas vivem”, ultrapassando “as dimensões mais rígidas da escola tradicional”.

Também Filinto Lima encontra na “fase má que estamos a viver”, uma oportunidade para melhorar o “processo educativo nacional”. O presidente da associação gostaria no futuro de ver diluída a importância dada aos testes escritos em prol de outros critérios de avaliação, como trabalhos e apresentações.

Como tal, o também diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, revela que a ANDAEP vai propor “um debate e uma reflexão sobre o modelo de acesso ao ensino superior que ainda é muito baseado na nota do exame”. “Não sou contra os exames, mas acho que devemos refletir se este modelo de acesso ao ensino superior é o modelo que convém ao país”, acrescenta Filinto Lima.

Com uma opinião contrária, o professor de Educação Física, Pedro Cardoso, acredita que venham a ser desenvolvidas propostas de novos métodos de avaliação, contudo julga que os testes e os exames vão permanecer o critério central de avaliação.

Já os estudantes acreditam que os exames e os testes escritos vão manter-se no pós-pandemia. No entanto, métodos de avaliação mais práticos, como apresentações, trabalhos de grupo e dinâmicas durante as aulas, vão ser mais recorrentes do que anteriormente, dizem.

Se, por um lado, a classificação final por testes escritos pode prejudicar os alunos por estarem “num mau dia”, por outro lado, a substituição dos testes por trabalhos torna-se mais cansativa, entende Maria Correia.

Alunos mais autónomos, mas desigualdades mais acentuadas

As aulas online e a telescola trouxeram uma nova realidade para os estudantes. A maioria dos entrevistados, incluindo Filinto Lima, reconhece que o ensino à distância “exige uma maior autonomia” dos alunos.

Assim sendo, é expectável que no futuro “além das competências digitais, também aumentem bastante a sua autonomia”, refere.

O presidente da ANDAEP recomenda ainda que os pais contribuam para este processo ao “supervisionar” e “monitorizar” os estudantes do primeiro ciclo.

Em contrapartida, o professor Pedro Cardoso considera que no futuro “vamos assistir a um maior desfasamento entre bons e maus alunos”, visto que as dificuldades dos “alunos menos capacitados”, após o ensino à distância, vão ser ainda mais acentuadas.

Por fim, Pedro Cardoso espera que o sistema educativo se prepare para conseguir oferecer “respostas educativas a estes alunos, com aulas de apoio extra”.

Artigo editado por Filipa Silva.