O período de confinamento pintou um Porto quase sem carros e de atmosfera menos poluída. Para a MUBi Porto, secção local da Associação para a Mobilidade Urbana em Bicicleta, voltar à antiga “normalidade” está fora de questão. “Quem quer o trânsito, o ruído, o stress e a poluição de volta?”, questionam, no guia de recomendações que dirigiram à Câmara Municipal do Porto (CMP) no início deste mês. Um problema que era já considerável, torna-se agora urgente.
De acordo com o Plano de Desconfinamento do Governo, os transportes públicos vão ter a lotação máxima de dois terços, além do uso obrigatório de máscara e higienização recorrente. “Há pessoas que vão deixar de utilizar os transportes públicos durante vários meses, seja pela redução da capacidade a 2/3 ou por receio de contaminação”, observa ao JPN João Brandão, membro da MUBi Porto.
Nas ruas estreitas do centro do Porto, onde “até os carros têm pouco espaço”, será difícil “garantir que as pessoas mantenham uma distância minimamente saudável entre si”, quando saírem mais à rua. Durante o confinamento as pessoas puderam descer dos passeios e utilizar a estrada, para se afastarem. Com os carros a circular normalmente, isso deixa de ser possível, alerta João Brandão.
A situação é mais evidente – e preocupante – nas ruas do Rosário, de Miguel Bombarda, do Breyner, ou da Picaria, por exemplo. Além de estreitas para automóveis e peões, ainda há lugares de estacionamento. “As pessoas não conseguem andar”, alerta o associado da MUBi. Na carta, alertam ainda para a hipótese de a poluição atmosférica ter implicações diretas nos doentes com COVID-19 e no grau de letalidade do vírus.
Para a associação, a bicicleta é uma “excelente alternativa”: é um transporte seguro, no sentido em que os utilizadores circulam afastados uns dos outros, e é menos provável que toquem em superfícies contaminadas. Além disso, é “rápido, conveniente, não poluente”; promove a atividade física e ajuda a libertar os transportes públicos para quem não tem opção.
Com várias cidades europeias na mira, como Milão, Paris e Barcelona, a MUBi recomenda que a CMP proceda à/ao:
- Criação de ciclovias de emergência, com técnicas rápidas e pouco dispendiosas, como tinta temporária e sinalização vertical;
- Criação de corredores BUS de emergência, nas vias mais congestionadas e onde estes não existam, para evitar que os autocarros fiquem presos no trânsito e concluam o transporte de passageiros com maior celeridade;
- Alargamento dos passeios nas ruas em que seja necessário, ocupando os lugares de estacionamento, além do regresso do pagamento de parquímetros no centro da cidade;
- Redução do número de vias de trânsito em cada sentido, nas estradas em que se justifique, para acalmar o trânsito e criar uma espécie de “corredor sanitário”, com mais segurança para peões e ciclistas;
- Limitação da velocidade máxima dentro da cidade a 30km/h, entre outras medidas.
Simulação de algumas alterações feitas em ruas de Barcelona, para minimizar os contágios. FONTE: El Periódico, via MUBi Porto/Facebook
“Não pensamos só em bicicletas”, assegura João Brandão. As propostas visam, igualmente, os peões e os transportes públicos. É preciso garantir que as pessoas “têm várias opções de deslocação”, particularmente urgente numa cidade desenhada para carros e motas.
“Não há nenhum estudo preliminar que tenha que ser feito; é uma questão de construção”, expõe João Brandão. A CMP já tem “hipóteses estudadas e desenhadas”, como uma eventual ligação entre os pólos universitários, por exemplo, ou o reforço das ciclovias que já existem na zona da Asprela. A operacionalização rápida destas medidas – idealmente, durante o mês de maio -, permitiria um desconfinamento mais seguro, saudável e versátil.
“Gostávamos que alguém que queira sair de bicicleta na cidade, não tenha que andar a pensar em que ruas é que não quer passar; acima de tudo, que pense: ‘vou sair de bicicleta, porque vai haver um caminho que eu possa fazer de forma segura’, e isso não existe no Porto, neste momento”, lamenta o membro da MUBi.
Ainda assim, andar de bicicleta pode ser “mais seguro do que as pessoas imaginam”, considera João Brandão. Inicialmente, há o “receio de andar no meio dos carros”, até pelos comportamentos “hostis” e “agressivos” por parte de alguns condutores, mas a maioria das pessoas “reage positivamente”. A atitude do próprio ciclista também conta muito: “andar no meio da via, em vez de se encostar à direita, para marcar o espaço na estrada”, aconselha o associado da MUBi, a título de exemplo.
O projeto “Bike Buddy” da MUBi pretende ajudar pessoas que queiram começar a andar de bicicleta na cidade, mas não estejam familiarizadas. Existe uma rede de voluntários experientes, disponíveis para “educar e incentivar novos utilizadores”, de forma gratuita.
Preocupada com os desafios que a cidade vai enfrentar nos próximos tempos, a MUBi chama à atenção para a necessidade de por termo à “ditadura do transporte” individual motorizado no Porto. A associação mostra-se disponível para colaborar com a CMP nesta transformação do espaço público, com esperança que algumas das medidas sejam definitivas, mais do que temporárias.
Artigo editado por Filipa Silva