Depois de apenas a Primeira Liga ter recebido autorização para concluir o campeonato (ao qual se acresce o jogo decisivo da Taça de Portugal) foram vários os clubes da Segunda Liga a reclamarem da decisão.

As reações variam também fruto das diferenças na classificação que cada um apresentava até à última jornada disputada. Dos que reclamam da situação, a dualidade de critérios entre duas competições que se regem pelo mesmo regulamento é um dos principais argumentos para o descontentamento.

Cancelamento anunciado a 30 de abril

A 30 de abril António Costa anunciou que a Primeira Liga ia poder ser concluída a partir do fim de semana de 30 e 31 de maio, mas a Segunda Liga parava. O primeiro-ministro disse que ouviu a Liga de Clubes e a Federação Portuguesa de Futebol e que só havia condições para terminar a principal divisão do futebol português: “decidimos que só na Primeira Liga é que existia condições para fazer a reabertura desta atividade desportiva. E mesmo ela está sujeita a um protocolo que se encontra a ser avaliado pela Direção-Geral de Saúde”, disse então.

Na sequência do anúncio, também já se definiu quem sobe e quem desce na Segunda Liga, que este ano não terá um campeão. CD Nacional e SC Farense, primeiro e segundo respetivamente até à suspensão da competição, voltam à elite do futebol nacional (o primeiro apenas um ano depois de ter descido enquanto o segundo regressa 18 anos depois). Já o CD Cova da Piedade e o Casa Pia AC, penúltimo e último, respetivamente, descem para o Campeonato de Portugal, o que gerou também descontentamento de que falaremos à frente.

Da surpresa ao repúdio

Dos descontentes, a Académica de Coimbra, sétima classificada, emitiu um comunicado em que mostrou-se surpresa com a decisão anunciada pelo primeiro-ministro. A Briosa diz que as consequências para os clubes do segundo escalão vão verificar-se tanto a nível económico como desportivo. Os estudantes sentem-se prejudicados e dizem não ter subscrito um documento conjunto em que a maior parte dos clubes da sua divisão agradecia à Federação Portuguesa de Futebol, ao seu presidente Fernando Gomes, à Liga de Clubes e aos clubes da Primeira Liga pela ajuda prestada nesta altura – a carta foi assinada por Académico de Viseu FC, Casa Pia AC, CD Cova da Piedade, CD Nacional, FC Penafiel, GD Chaves, Leixões SC, SC Covilhã, SC Farense, UD Oliveirense, UD Vilafranquense e Varzim SC.

Com uma posição diferente, o Académico de Viseu FC, no oitavo posto e semi-finalista da Taça de Portugal, já deu por concluída esta temporada inédita de 2019/2020. Uma postura contrária àquela que o plantel emitiu, na página de Facebook Juntos pelo Académico, em que, entre várias perguntas, o plantel viseense chega a questionar se “há jogadores mais profissionais que outros?”.

A SAD do CD Cova da Piedade, penúltimo da tabela classificativa, ainda antes de ser decretada a descida na secretaria do clube (a 5 de maio), já emitira um comunicado a opor-se “frontalmente” a uma tomada de posição que implicasse que a Liga decidisse o que acabou por decidir: a existência de descidas na Segunda Liga. Agora, o Piedade vai recorrer, de modo a impugnar uma decisão que considera ilegal.

O outro visado, o último classificado Casa Pia AC, reuniu-se com advogados na quarta-feira (6), para estudar as opções ao seu dispor para contestar a decisão.

Os clubes vão descer ao Campeonato de Portugal e assim disputar a temporada 2020/2021 nesta competição. E também na quarta-feira (6), a FPF anunciou que em 2021/2022 entrará em curso uma nova prova, a III Liga (nome provisório), que será o novo escalão imediatamente abaixo da LigaPro e acima do Campeonato de Portugal (CP).

Por falar no CP, outra competição cancelada, a polémica continua nesta divisão já que foram atribuídas as duas vagas de subida à Segunda Liga a FC Vizela (Série A) e FC Arouca (Série B), clubes que somavam mais pontos aquando da suspensão da prova. Uma medida que não caiu bem junto dos líderes das outras séries, SC Praiense (Série C) e SC Olhanense (Série D), nem dos segundos classificados destas quatro séries que também tinham condições de disputar o play-off de acesso à LigaPro, respetivamente AD Fafe, Lusitânia de Lourosa FC, S. Benfica e Castelo Branco e Real SC. Estes seis clubes reúniram-se na sexta-feira (8) com a FPF para discutir a situação.

Voltando à Segunda Liga, o GD Estoril Praia, quarto classificado a nove pontos dos lugares de acesso à Primeira Liga, escreveu no site oficial que a decisão merece o “repúdio” do clube, pois frisa: “ao longo de mais de um mês, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, constituída por todas as sociedades desportivas – Primeira e Segunda Liga – trabalhou arduamente de forma a desenhar vários cenários para uma retoma em segurança, primeiro dos treinos individuais, depois dos treinos coletivos e finalmente da competição”.

Os estorilistas dizem ainda que o “protocolo em causa foi elaborado por todos os departamentos médicos das sociedades desportivas”, da Primeira e Segunda Ligas e que não existem “objetivos válidos que justifiquem uma distinção” entre os dois campeonatos.

O presidente da SAD do clube canarinho, o norte-americano Jeffrey Saunders, gostava que tivessem “sido detalhados os elementos objetivos em que o Governo se baseou para tomar esta medida de tratamento desigual entre equipas de futebol profissional”.

Na mesma situação pontual, o CD Mafra também não compreende a dualidade de critérios adotados nos campeonatos profissionais. Em declarações ao jornal “O Jogo” no fim de abril, o presidente José Cristo falou numa situação vergonhosa: “isto foi um choque para a nossa região. Tínhamos grandes possibilidades de subir. Tudo o que eu diga neste momento pode prejudicar-me, pois estou com a cabeça demasiado quente. Falo amanhã com a cabeça mais fria. É vergonhoso o que se está a passar no futebol português. O Mafra tinha uma oportunidade única de subir e além disso ainda temos mais dois meses de salários para pagar. Se acabassem com todos os escalões compreendia, mas assim não. É uma decisão demasiado cruel e que mexe com muitos profissionais. Dizem que os clubes da II Liga não têm condições? Mas nós temos todas as condições, temos médicos… temos tudo. Vamos falar com o nosso advogado, vamos fazer qualquer coisa e depois reagiremos”, declarou.

Em Santa Maria da Feira, o CD Feirense, partilhou no Facebook uma mensagem em que repudia a conclusão abrupta da Segunda Liga, e por contraste a continuação da Primeira Liga, algo que considera prejudicial para os fogaceiros pois estes estavam na terceira posição a seis pontos do segundo lugar. Os feirenses escrevem que “não se vão calar e não aceitam uma decisão que viola os princípios democráticos implantados há 46 anos”.

Não muito longe, em Oliveira de Azeméis, a UD Oliveirense é outro dos clubes que se insurge contra o fim prematuro da competição. Os oliveirenses dizem-se admirados com a “pressa” em terminar a prova, definir critérios de subida e descida e ainda garantir a continuação da Liga NOS, pelo que defendem a ideia de “ou jogamos todos ou paramos todos”.

Fora dos clubes, também o Sindicato dos Jogadores, em comunicado, falou na desilusão dos jogadores: “o Sindicato não pode deixar de comungar do sentimento de desilusão e preocupação que afeta todos os profissionais que competem na Segunda Liga”.

“O Sindicato acredita na boa-fé de todos os intervenientes na defesa do futebol, nomeadamente do Governo, da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga Portugal e que subjacente a esta decisão não esteve qualquer discriminação entre profissionais da Primeira e Segunda ligas, nem sequer razões relacionadas com a capacidade económica dos clubes para encontrar as soluções desejadas, mas a análise dos peritos médicos e da DGS no sentido de que não é possível implementar, com a segurança exigida para todos, um novo plano de funcionamento da competição, para os dois escalões, nesta época”, referem na nota entretanto criticada pelo plantel do CD Feirense, que não se reviu nas declarações do SJPF.

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Do lado dos jogadores, foram vários os que revelaram nas redes sociais estar de “luto” após este final da Segunda Liga. Jogadores como Edinho do CD Cova da Piedade, Caio Secco e Edson Farias do CD Feirense e Alan Schons do Penafiel FC, apenas alguns dos que se juntaram ao movimento que coloca fotografias a preto e branco no terreno de jogo e com hashtags como #QueremosIgualdade ou #EstamosDeLuto.

Entretanto, e numa reunião extraordinária que decorreu na última quinta-feira (6) foi fechado o Regulamento de Acesso ao Fundo de Tesouraria em Resposta à COVID-19, um fundo que, aliado ao apoio de um milhão de euros avançado pela federação, faz subir para 2,5 milhões de euros o bolo de apoio aos clubes da Segunda Liga, como compensação pela perda de receitas com o cancelamento dos 90 jogos que ficam por disputar.

Artigo editado por Filipa Silva