Para 2020, estava prevista a maior temporada de sempre da Fórmula 1 (F1), com 22 corridas. Mas, com a pandemia de COVID-19 a levar à suspensão e cancelamento de vários grandes prémios, para já, é no asfalto virtual que pilotos e adeptos podem continuar a ter algum contacto com a maior competição de automobilismo do mundo.

Para uma época atípica, não há “soluções perfeitas”, como diz ao JPN o piloto Tiago Monteiro, que vê com naturalidade uma extensão no calendário de provas e a concentração de corridas na Europa, o que pode abrir “a porta a Portugal”.

Os motores seguem calados, mas o mercado de transferências já mexe e algumas polémicas não deixam de se fazer ouvir nos bastidores.

Falsa partida e arranque virtual

O primeiro grande prémio desta época devia ter entrado na pista a 15 de março na Austrália e esteve quase para se realizar, mas, com a situação provocada pelo novo coronavírus a agravar-se, a McLaren a desistir depois de um dos seus funcionários ter testado positivo, as críticas de pilotos como Lewis Hamilton e Kimi Räikkönen e com poucas equipas dispostas a competir, lá acabou por ser cancelado.

Deixando a Oceânia, o campeonato seguiria para o Bahrein, mas o Grande Prémio (GP) no país árabe foi adiado. Daí que a Fórmula 1 tenha lançado o Virtual Grand Prix Series para dar aos fãs a oportunidade de continuarem a assistir à modalidade, ainda que virtualmente.

Esta nova “prova”, que não tem caráter competitivo, é jogada na versão PC do F1 2019, videojogo desenvolvido pela Codemasters Birmingham.

Os competidores correm a partir de suas casas, no dia em que a corrida saíria para pista, o correspondente a 50% da prova. Além disso, as configurações do jogo não são as mais realistas, já que muitos pilotos não estão ligados aos mundos automobilístico e/ou do gaming.

GP Bahrein
1.º – Guanyou Zhou (Renault)
2.º – Stoffel Vandoorne
3.º – Philipp Eng (Red Bull)

A 22 de março, a corrida virtual na pista de Sakhir, no Bahrein, foi vencida pelo chinês Guanyu Zhou, piloto de F2 pela UNI-Virtuosi Racing e piloto de testes da Renault na F1.

Na ausência da competição em pista, a prova virtual prosseguiu, primeiro no Vietname e depois na China.

GP Vietname
1.º – Charles Leclerc (Ferrari)
2.º – Christian Lundgaard (Renault)
3.º – George Russell (Williams)

Devido ao F1 2019 não ter a nova pista urbana de Hanói – que só este ano se ia estrear na F1 e que em julho sai já no F1 2020 -, o GP do Vietname foi corrido em Albert Park a 5 de abril. A pista australiana serviu assim de substituta e viu Charles Leclerc chegar e vencer. O monegasco da Ferrari partiu da primeira posição e assim terminou no final das 29 voltas.

GP China
1º – Charles Leclerc (Ferrari)
2º – Alexander Albon (Red Bull)
3º – Guanyou Zhou (Renault)
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15º – Thibaut Courtois (Red Bull)
17º – Ciro Immobile (AlphaTauri)

Na corrida virtual chinesa, Leclerc voltou a partir da liderança para vencer. Segunda corrida do jovem piloto e segunda vitória para ele e para a equipa italiana. A 19 de abril estiveram ainda presentes dois futebolistas: o belga Thibaut Courtois e o italiano Ciro Immobile.

O campeonato do mundo iria depois para a Europa, para regressar a Zandvoort, nos Países Baixos, 35 anos depois da última corrida no trajeto, em 1985, mas a suspensão manteve-se tanto para a prova holandesa como para o circuito sucessor no calendário, o Grande Prémio de Espanha.

Já nas consolas, e por também não estar disponível no videojogo da Codemasters, a corrida holandesa decorreu em Interlagos, o palco brasileiro de F1.

GP Países Baixos
1.º – Alexander Albon (Red Bull)
2.º – George Russell (Williams)
3.º – Charles Leclerc (Ferrari)

E à terceira foi mesmo de vez. No dia 3 de maio e depois de 36 voltas, Alexander Albon venceu no Brasil e acabou com a sequência de Charles Leclerc, que foi apenas terceiro. O tailandês venceu o GP do país do seu companheiro de equipa na vida real, o holandês Max Verstappen.

Como referido anteriormente, a prova da Catalunha foi também ela adiada e teve no último domingo (10) a última etapa realizada, até ao momento, do Virtual Grand Prix Series.

GP Espanha
1.º – George Russell (Williams)
2.º – Charles Leclerc (Ferrari)
3.º – Esteban Gutierrez (Mercedes)
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12.º – Thibaut Courtois (Alfa Romeu)
14.º – Sergio Agüero (Red Bull)
15.º – Nicolas Hamilton (McLaren)
19.º – Arthur (Haas)

Em Montmeló, George Russell finalmente venceu. O jovem inglês ganhou no circuito que viu a última vitória da Williams na vida real, em 2012, com o venezuelano Pastor Maldonado. Curiosamente, ambos partiram da pole position. E apesar de ter levado uma penalização, deixou para trás Charles Leclerc e Esteban Gutierrez, numa corrida que voltou a contar com alguns futebolistas: Courtois, Sergio Agüero e Arthur.

Nas 33 voltas ao circuito espanhol, a 10 de maio, também esteve presente o meio-irmão do seis vezes campeão mundial Lewis Hamilton, Nicolas Hamilton.

Depois de Espanha vem (ou melhor, vinha) o Mónaco, cujo GP foi cancelado. A última vez que tal aconteceu ao circuito de rua foi em 1954, há 66 anos.

Assim, a 24 de maio a única oportunidade de ver o clássico circuito é mesmo simulada, sendo esta a última corrida programada para os grandes prémios virtuais.

Para concluir as más notícias, os GP do Azerbaijão e do Canadá foram também suspensos, enquanto o GP de França foi mesmo cancelado, perfazendo um total de três corridas canceladas e sete suspensas até ao momento, ou seja, das 22 originalmente previstas, dez foram afetadas pela pandemia da COVID-19.

À boleia de Tiago Monteiro

Os responsáveis da F1 têm para já agendado o GP da Áustria como a prova inaugural da temporada 2020, no fim de semana de 3 a 5 de julho, em Spielberg, no Red Bull Ring.

Chase Carey, diretor executivo e presidente do conselho de administração da F1, prevê que o mundial tenha entre 15 a 18 corridas e, por isso, estudam-se várias medidas que permitam alcançar esta meta. Carey também já disse que apesar do objetivo ser terminar a meio de dezembro, há a possibilidade de a época só acabar em janeiro de 2021 e que é remota a hipótese de não haver provas este ano.

À conversa com o JPN, Tiago Monteiro, último piloto português a competir na F1, vê com naturalidade a reestruturação do calendário: “normalmente, os campeonatos acabam no final de dezembro, mas se tiverem de ir até janeiro também não é muito grave. É um ano atípico de qualquer forma”, afirma.

O piloto do WTCR revela ainda a ideia geral: “nós já tivemos uma ideia no nosso campeonato, por exemplo, em termos de calendário, que é mais ou menos isto de ir de setembro a dezembro e, eventualmente, até janeiro”.

Antes das provas, uma medida-chave deverá passar por realizar uma bateria de testes. A cada dois dias, pilotos, staff, diretores e outros funcionários indispensáveis do paddock deverão ser testados ao novo coronavírus. Depois as equipas serão obrigadas a isolarem-se entre si, excetuando quando estão nas boxes.

Quanto à competição, uma das medidas passa por realizar as corridas à porta fechada, o que é quase certo para as que agora devem ser as primeiras provas do mundial: Áustria, Grã-Bretanha, Hungria e Bélgica.

Sobre as corridas sem público, Tiago Monteiro compreende a decisão: “vai ser complicado, mas entendo”. Os fãs são os grandes municiadores do espetáculo, mas como diz “há as televisões”, e com elas um meio-termo possível: “a ideia intermédia talvez seja essa, tentar criar um evento televisivo. Mais do que um evento real, ao vivo, em que as pessoas possam ir”. Ainda que considere que a ideia possa ser “ingrata”, explica que esta será a tentativa de manter uma “solução aceitável para todos, já que há muitos contratos envolvidos, sejam eles de pilotos, engenheiros, mecânicos ou televisivos”. “A solução perfeita, neste momento, não pode existir”, conclui.

Outra hipótese estudada é a de realizar mais do que uma prova no mesmo circuito, podendo até a segunda corrida realizar-se a meio da semana. Fala-se em organizar duas corridas na Áustria e em Silverstone, no Reino Unido, cuja pista permite desenhar dois traçados diferentes. Para além do mais, sete das dez equipas têm sede no Reino Unido: Haas, McLaren, Mercedes, Racing Point, Red Bull, Renault e Williams.

Na linha da anterior, também está a ser tida em consideração a realização de grandes prémios em locais fora do calendário original. Ímola, que acolheu o GP de São Marino entre 1980 e 2006, já se disponibilizou para receber uma etapa à porta fechada. Hockenheim, na Alemanha, é outra hipótese. Como também se cogita a possibilidade de a F1 passar pelo Autódromo Internacional do Algarve. O circuito de Portimão recebeu no final de março a homologação de grau 1 por parte da Federação Internacional Automóvel (FIA), pelo que está habilitado a receber a F1. A competição já não passa por Portugal desde 1996, na altura no Circuito do Estoril.

“Por razões de timing e por ser fisicamente impossível transportar o material todo e os carros para o outro lado do mundo e voltar logo a seguir”, Tiago Monteiro acredita que haja “uma relocalização geográfica” dos grandes prémios, sobretudo na Europa, até porque a maioria das provas são no continente europeu. “Dentro da Europa, há muitos circuitos e países e isso abre a porta a Portugal”, diz. Mas para isso acontecer, acrescenta o piloto, “é preciso pagar muito, muito, muito dinheiro para ter acesso a receber a corrida. Nesta altura atípica, eu acho que provavelmente a F1 vai ter que aceitar condições particulares, condições mais aceitáveis e mais realistas para nós”, termina.

Sobre um regresso a “tempo inteiro” da modalidade a Portugal, a opinião é que é difícil responder mas que dificilmente isso acontecerá: “Portugal está numa situação, a Europa aliás, onde as corridas estão a fugir cada vez mais para fora“. Tiago Monteiro só vê a F1 no país numa situação “atípica” como esta: “os países emergentes são capazes de e querem investir mais, porque querem dar a conhecer o nome deles. Portugal não está nessa situação, por isso, nunca estaria disposto a pagar valores demasiado elevados para um evento como esse. Não vejo que isso aconteça nos próximos tempos, a não ser que haja uma situação atípica, como é esta. Agora, se for numa situação normal, acho que não. Portugal não têm hipóteses, porque a F1 está a sair da Europa”, finalizou o português.

O conselho mundial da Federação Internacional do Automóvel (FIA) também aprovou a proibição de evoluir os carros esta temporada para evitar uma maior disparidade entre as equipas. Também a aplicação das novas regras técnicas, que estavam previstas para 2021, foram adiadas para 2022. As equipas de Fórmula 1 verão ainda no próximo ano uma redução do limite orçamental, que se vai fixar nos 145 milhões de dólares (cerca de 133 milhões de euros), menos 30 milhões de dólares do que o inicialmente previsto, como anunciou o seu diretor-geral Ross Brawn.

Polémicas

Entretanto, Ferrari e Red Bull Racing (RBR) já tiveram as suas doses de polémica. Nos RBR, o conselheiro Helmut Marko, disse em março ao canal ORF, do seu país natal, a Áustria, que considerou promover um acampamento com os pilotos da Aston Martin Red Bull Racing, Max Verstappen e Alexander Albon, da Scuderia AlphaTauri, Pierre Gasly e Daniil Kvyat, e do programa de desenvolvimento de pilotos, a Red Bull Junior Team, para que, entre outras coisas, ficassem infetados com a COVID-19 antes da temporada arrancar e dar imunidade de grupo aos conjuntos. Marko justificou que por serem jovens e de boa saúde, estariam depois prontos para o início da temporada. Mas, como o próprio admitiu, a ideia não foi do agrado da equipa.

Já os italianos tiveram na época passada peças apreendidas pela FIA do seu monologar, o SF90, depois de os adversários alertarem para o facto de a a equipa de Maranello poder estar a cometer ilegalidades. Apesar das suspeitas já datarem de 2018, a equipa não tinha ganho nenhuma corrida até à pausa de verão e, depois desta, venceu três seguidas. Charles Leclerc ganhou consecutivamente na Bélgica e na Itália e Sebastian Vettel conquistou o GP de Singapura com o companheiro logo atrás. Uma “dobradinha” que já não acontecia por aquelas bandas desde o GP da Hungria de 2017, na altura com Vettel e Räikkönen.

A investigação realizada pretendia examinar a potência da unidade motriz da Scuderia. Quanto às conclusões, apresentadas pela associação, não podiam ser mais dúbias, ou melhor, inexistentes. A FIA declarou que os resultados seriam mantidos com a equipa visada, de modo a ajudar futuramente outras monitorizações a unidades de potência. Isto, apesar de não ter ficado “totalmente satisfeita” com o que encontrou. Como é óbvio, a decisão não caiu bem junto das equipas que não usam motores Ferrari, nomeadamente a McLaren, a Mercedes, a Racing Point, a Red Bull Racing, a Renault, a Scuderia Alpha Tauri e a Williams, que já expressaram o seu descontentamento. A FIA diz no entanto que a confidencialidade faz parte do regulamento disciplinar.

Mercado de 2021 ao rubro

Continuando a falar da marca italiana, nota ainda para aquela que será a última temporada de Sebastian Vettel ao serviço da Scuderia Ferrari Mission Winnow. Piloto e equipa anunciaram na terça-feira (12) o fim de uma ligação iniciada em 2015 que, até ver, não culminou no pretendido por ambos: o título mundial. E apesar do clima cada vez mais frio entre as duas partes, o alemão sai da equipa do Cavallino Rampante como o terceiro que mais vitórias conseguiu em grandes prémios, com 14 triunfos, e aquele que mais pontuou ao serviço dos italianos (números que ainda poderá aumentar esta temporada).

A saída do alemão está a fazer o mercado de transferência movimentar-se rapidamente. Foi ontem (14) anunciado que o australiano Daniel Ricciardo será o novo piloto da McLaren a partir de 2021 para fazer dupla com o britânico Lando Norris.

E a saída de Carlos Sainz Júnior da equipa de Woking foi também confirmada, assim como o seu ingresso na Scuderia. Confirmou-se assim o maior rumor após a saída de Vettel, com o espanhol a assinar um contrato de dois anos. Leclerc e Carlos Sainz Jr. vão formar uma das duplas mais jovens de sempre na equipa vermelha e, a não ser que o monegasco seja campeão do mundo este ano, será a primeira vez desde 2007 que a equipa contará com uma dupla que não possui nenhum título mundial de pilotos.

Artigo editado por Filipa Silva