O projeto de portaria que altera o regulamento do Concurso Nacional de Acesso ao ensino superior no próximo ano letivo está em consulta pública desde sexta-feira (12) e assim se manterá durante 30 dias. A propósito, os presidentes da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) e da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), ouvidos pelo JPN, partilham a opinião de que deveria haver na sociedade portuguesa um debate profundo sobre o sistema de acesso ao ensino superior.
Filinto Lima, da ANDAEP, diz que esse debate terá que ser “universal e não setorial”, ou seja, que não inclua apenas professores, alunos e encarregados de educação. “O ensino secundário é um ciclo de três anos de ‘marranço’. Quando os alunos entram no 10.º ano, já sabem que se vão ter em conta os exames que vão fazer e vão estudar para um exame e não para a faculdade. É um objetivo muito redutor para um ciclo de três anos, que deveria preparar os alunos para o ciclo seguinte, o universitário”, diz.
Para Jorge Manuel Ascenção, da CONFAP, um modelo no qual “é o que está a montante [o ensino secundário, neste caso] que seleciona o que vem a seguir” pode não fazer uma seleção correta dos candidatos. “É necessário um sistema que acabe por resultar em taxas de abandono e de mudança de curso menores e que não sejam tão altas como são, de 40% e às vezes acima. Isso significa que a seleção de entrada que está a ser feita não é uma seleção correta“, sustenta.
O que diz o documento?
O projeto que se encontra agora em consulta pública reflete as alterações que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) tem vindo a divulgar ao longo dos últimos dois meses. Tendo em conta as medidas excecionais adotadas, no contexto das restrições impostas pelo combate à pandemia de COVID-19, o MCTES decidiu, logo em abril, que os exames nacionais do ensino secundário não podem ser realizados com o objetivo de melhoria da classificação final do secundário.
Assim, como o documento vem agora sustentar, para os alunos que estejam agora no 12.º ano do ensino secundário e queiram prosseguir os estudos no superior a grande mudança é que vão realizar apenas os exames nacionais que sirvam como prova de ingresso para o curso a que se queiram candidatar. Os exames que realizaram no 11.º ano mantêm-se válidos e continuam a contar 30% para a nota final da disciplina. Todos os exames que não sirvam para esse efeito não são necessários, valendo a nota interna às disciplinas.
A medida do Governo apanhou muito alunos de surpresa, colocando os que já tinham terminado o secundário em anos anteriores numa situação de “injustiça relativa“. Nesse sentido, o MCTES determinou que este ano, para os estudantes que já terminaram o secundário em 2018 ou 2019 e que pretendam candidatar-se ao ensino superior, haja duas fórmulas de cálculo, podendo o aluno optar pela que lhe for mais vantajosa. Na primeira situação, quando a “classificação do exame final nacional então realizado tenha sido inferior à classificação interna da disciplina, deve utilizar-se” esta última; quando a “classificação do exame final então realizado tenha sido igual ou superior à classificação interna da respectiva disciplina, deve utilizar-se a classificação final da disciplina”.
Num comunicado enviado à imprensa a 17 de abril, o MCTES explicava que o “método agora adotado garante a igualdade de tratamento entre os estudantes candidatos, aplicando sempre a regra mais favorável ao candidato, dentro do enquadramento legal excecional recentemente aprovado.”
Segundo Filinto Lima, essa foi a “solução possível que o MCTES tentou criar para não prejudicar os alunos”, refere. “Penso que a tutela tentou encontrar uma solução que agradasse ao maior número de estudantes possível. Não estávamos no início do ano letivo, em setembro, a pensar mudar as regras a meio do campeonato, mas de facto elas tiveram que ser alteradas em virtude da situação que estamos a viver”, reflete.
Tanto para o presidente da ANDAEP como para Jorge Manuel Ascenção, a situação por excelência seria que a consulta pública do diploma estivesse finalizada antes da época de exames, que este ano acontece de 6 a 23 de julho. “Isso seria o correto, que, antes de fazerem os exames, os alunos soubessem com que linhas é que se podiam coser. Não é o caso e só posteriormente é que vai haver uma decisão. Apesar disso, acredito que o diploma vai ser aprovado”, diz Filinto Lima.
Já para o presidente da CONFAP, “o entrave maior nessa consulta pública é de facto a atenção e o acompanhamento que as famílias fazem em todo este processo.” “Há famílias que estão mais preocupadas e há outras a quem tudo isto passa muito ao lado e essa falta de acompanhamento, de informação e de esclarecimento sobre este momento tão importante da vida dos jovens é que talvez seja o maior entrave”, completa.
Concurso para o profissional pode dar pistas para novo modelo nacional de acesso
Apesar de não figurar no projeto de portaria em consulta pública, Filinto Lima e Jorge Manuel Ascenção dão como um exemplo positivo a criação do concurso especial de acesso para alunos do ensino profissional, que vai implicar a prestação de provas organizadas regionalmente. O aluno vai, neste caso, fazer um exame de acesso na instituição de ensino superior mais próxima da sua área de residência, em setembro. Para Filinto Lima esse será um caminho a seguir também no caso dos alunos do ensino secundário que queiram prosseguir os estudos no superior.
“Acho que esse é o caminho que temos que seguir e, se calhar, o caminho para o debate que o ensino universitário terá que trilhar também”, remata o presidente da ANDAEP.
Ambos os dirigentes acreditam que não será a classificação do ensino secundário ou dos exames nacionais a determinar se um candidato tem o perfil adequado para o curso a que se propõe. “Há a necessidade de perceber quem são os alunos, se têm o perfil adequado, qual é o melhor perfil para as instituições de ensino superior tendo em conta o que trabalham e desenvolvem com os seus estudantes. E que os alunos possam fazer essa opção obviamente com um critério que pode ter a nota do secundário como referência, mas que não seja preciso ter um limite de 19 ou 20 valores para escolher um determinado tipo de curso”, exemplifica Jorge Manuel Ascenção.
Artigo editado por Filipa Silva.
Artigo corrigido às 16h06 de 18 de junho com uma clarificação das alterações previstas no diploma em consulta pública.