Pela primeira vez em vários anos, está aberta a possibilidade de os cursos de Medicina de todo o país aumentarem o número de vagas que oferecem através do Concurso Nacional de Acesso (CNA) ao Ensino Superior. Mas onde o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) vê uma oportunidade para os muitos candidatos que todos os anos ficam de fora do curso, as escolas médicas portuguesas veem riscos – o de degradarem o ensino e contribuirem para o aumento de médicos indiferenciados -, tendo, por isso, já manifestado publicamente a intenção de “não utilizar a possibilidade” aberta pelo MCTES.

No ano passado, os sete Mestrados Integrados de Medicina cujo acesso se faz por via do concurso nacional (dois em Lisboa, dois no Porto, um em Braga, um em Coimbra e outro na Covilhã) abriram um total de 1.441 vagas. Com o despacho de fixação de vagas publicado na segunda-feira, o MCTES autorizou estas escolas a aumentarem até 15% esse número, o que, se fosse seguido por todas as escolas, poderia significar um acréscimo de 200 vagas ao nível nacional.

Manuel Heitor avançou a novidade em entrevista ao “Expresso”, mas o despacho publicado no início da semana acabou por ir mais longe do que o próprio ministro tinha dito, alargando a medida às escolas de Medicina do Porto e de Lisboa.

Uma boa notícia? O Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) diz que não e por isso veio esta terça-feira recusar publicamente o presente do MCTES, por quem o CEMP diz ter sido “sistematicamente ignorado” nesta matéria.

Em comunicado, e na linha do que o diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) já tinha dito ao JPN, os estabelecimentos garantem que “o aumento do número de alunos, a verificar-se, iria naturalmente degradar a qualidade do ensino, sobretudo nas vertentes clínicas, dada a manifesta incapacidade de cumprir rácios aceitáveis”.

Já esta manhã, à Antena 1, o diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Fausto Pinto, acrescentou que as escolas médicas não veem “nenhuma razão para estar a aumentar [as vagas] uma vez que isso iria contribuir para aumentar o número de médicos indiferenciados”.

O ministro Manuel Heitor reagiu, também na Antena 1, considerando “muito estranho” o posicionamento do CEMP: “Muitos dos diretores das faculdades [de Medicina] vieram-me pedir para aumentar o número de vagas para estudantes estrangeiros, por isso, acho muito estranho que venham dizer isso. Naturalmente, antes que se aumente o número de vagas para alunos estrangeiros, é natural, devido à ambição de muitos estudantes portugueses estudarem Ciências da Saúde, abrir as vagas para estudantes portugueses”, afirmou.

Além das faculdades, também a Associação Nacional de Estudantes de Medicina está contra a possibilidade.

Mais vagas para cursos que atraem melhores alunos

Mas nem só de Medicina se fala no despacho que serve de guia para as universidades e politécnicos públicos do país desenharem o seu mapa de vagas.

Indo ao encontro das recomendações que o Grupo de Trabalho sobre o Acesso ao Ensino Superior (GTAES) fez ao Governo, o diploma vem também confirmar que os cursos mais procurados pelos melhores alunos vão poder aumentar o seu número de vagas entre 15 e 20%.

A medida já tinha sido seguida no ano passado, mas com uma margem mais curta – os cursos com Índice de Excelência de Candidatos (IEC) de 100% ou mais puderam aumentar as vagas entre 5 e 15%.


O que é o IEC?
Este Índice, criado há um ano, mede o nível de procura, em primeira opção, de ciclos de estudo por candidatos que tenham tido nota de acesso de 17 valores ou mais. Quando o número destes alunos é igual ou superior ao número de vagas do curso, esse curso atinge os 100% ou mais de IEC. São os cursos com 100% ou mais de IEC que vão poder aumentar entre 15 e 20% as vagas no próximo ano. Depois de analisar os dados do CNA do ano passado, o GTAES concluiu que há 24 cursos nessas condições. O ano passado eram 18.

Este ano, e de acordo com o Grupo de Trabalho, há 24 ciclos de estudos em condições de alargarem a oferta de lugares entre 15 e 20%. Seis são cursos de Medicina, e para estes o despacho impõe um limite mais baixo de aumento, como se viu atrás (até 15%).

Dos restantes 18, todos são lecionados em Lisboa e no Porto. Sete cursos são da Universidade do Porto: Engenharia Mecânica, Bioengenharia e Engenharia e Gestão Indutrial (FEUP)); Arquitetura (FAUP); Direito (FDUP); Gestão (FEP) e Línguas e Relações Internacionais (FLUP).

Todos têm luz verde para receber mais alunos este ano, comparativamente com o número de vagas aberto no ano anterior.

Aumentar nas competências digitais, reduzir na educação

As orientações do MCTES sobre a fixação de vagas voltam, este ano, a organizar-se em três níveis de instituições: as localizadas em regiões de baixa procura e baixa pressão demográfica; as localizadas em regiões de maior pressão demográfica fora de Lisboa e Porto e as localizadas em Lisboa e no Porto.

As primeiras voltam a poder aumentar o número total de vagas até 5%, desde que esse aumento seja em cursos da área das competências digitais e ciências de dados ou em áreas consideradas estratégicas no contexto da instituição.

Ao segundo nível de instituições, em que se inserem universidades como a de Coimbra ou do Minho, exige-se a manutenção do número de vagas do ano passado sem se impedir ajustes que podem passar pelo aumento de vagas nos cursos de competências digitais ou estratégicos, recomendando o MCTES que reduzam, em contrapartida, a oferta “em áreas de educação e formação com índice de procura reduzido”. Está também autorizado o aumento nos cursos de Medicina destas instituições.

No caso das universidades, politécnicos e escolas de Enfermagem do Porto e de Lisboa, o MCTES recomenda a redução do número de vagas em 10% nos cursos com índices de procura igual ou inferior a 50 (isto é, cursos em que metade ou menos de metade dos candidatos tinham-no escolhido em primeira opção). Em contrapartida, como se referiu atrás, estas instituições podem aumentar as vagas nos cursos mais procurados pelos melhores alunos e nos cursos de Medicina.

O prazo de candidaturas da primeira fase do Concurso Nacional de Acesso começa a 7 de agosto. Os resultados das colocações devem ser conhecidos a 28 de setembro. Prazos mais tardios do que o habitual, em consequência da crise pandémica de COVID-19.