O concelho do Porto registou, em 2019, uma média mensal de 800 processos de crianças e jovens alvo de acompanhamento ativo de uma Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). O valor está abaixo do registado noutros concelhos mais populosos do país, com Sintra à cabeça, onde no conjunto das duas CPCJ tem cerca de 2 mil casos ativos por mês, como aponta o Relatório Anual de Avaliação da Atividade das CPCJ de 2019.
No Porto, a repartição de processos é mais ou menos equitativa por cada uma das três CPCJ da cidade – Ocidental (277), Central (249) e Oriental (275) -, mas quando o indicador é a taxa de incidência, que tem em conta o número de crianças e jovens acompanhados por cada 100 crianças e jovens residentes na área geográfica de intervenção da CPCJ – o retrato da cidade varia: as CPCJ Oriental (7,41%) e Ocidental (6,25%), com menos crianças e jovens residentes, apresentam uma taxa acima da média nacional (3,5%), ao passo que a Central, com quase o dobro de crianças e jovens residentes, apresenta um valor abaixo (3,18%) do conjunto do país.
Paula Torres, presidente da CPCJ do Porto Central, considera, em declarações ao JPN, que esta assimetria se pode justificar com questões de ordem “socioeconómica”. Nas duas áreas (Ocidental e Oriental) com maiores taxas de incidência, encontram-se também “mais bairros sociais”. “Não queremos dizer com isto que o bairro social é sinónimo de falta de educação ou de pobreza, mas o problema acentua-se perante esta realidade”, diz a presidente da CPCJ do Porto Central.
No concelho do Porto, foram sinalizados no ano passado 557 menores, tendo sido aplicadas 236 medidas de proteção. As mais utilizadas são medidas de apoio junto dos pais, “que são sempre os primeiros a serem chamados”, diz Paula Torres. As medidas podem ainda passar pelos familiares, por confiar o apoio da criança ou jovem a pessoa idónea, por promover ações de autonomia de vida ou, por último, pelo acolhimento residencial, que é o menos atribuído.
Para a presidente da CPCJ do Porto Central, para otimizar a ação destas entidades é “necessário que as instituições que acolhem os menores se adaptem à nova realidade dos jovens e crianças”, numa “adaptação aos novos comportamentos que os jovens têm agora”.
E dá o exemplo: “Retiram-se os jovens que apresentam comportamentos de oposição, aos pais ou à família, mas depois essas instituições não conseguem modificar esses comportamentos”. Para Paula Torres “são necessários mais lares especializados”, já que apesar de “existirem, de facto, locais de tratamento diferenciados, é preciso ir mais além”, porque ainda se continua a “tratar todos por igual e no mesmo local”.
Na pandemia, a primeira linha de intervenção “confinou”
A pandemia causada pelo novo coronavírus trouxe novas preocupações e obstáculos para quem necessita de estar no terreno e em contacto direto com as diversas realidades do concelho. Paula Torres considera que a maior diferença durante o pico da pandemia teve “mais a ver com os números do que com a tipologia de casos” identificados antes e pós pandemia.
Os números dizem que durante o período de confinamento houve uma diminuição nos casos reportados, o que para a presidente da CPCJ Central da cidade aconteceu, no essencial, porque o confinamento retirou “visibilidade” ao problema.
“Existe uma perceção errada de que durante a pandemia as situações de perigo aumentaram porque não estávamos no terreno. Nós não paramos. Estivemos em regime de teletrabalho. Os tribunais também não pararam”, vinca a presidente da CPCJ Porto Central.
Paula Torres argumenta que “o que parou foi a primeira linha desta hierarquia de ação e proteção”. “Esta primeira linha confinou, que são as escolas, as creches, as IPSS, e outras instituições de apoio social… São estas entidades que no dia a dia reportam as possíveis situações de perigo, e são elas que depois dão sequência às nossas ações”.
Paula Torres vinca a ideia atrás estabelecida: “A maior dificuldade que encontrámos foi de facto o confinamento da primeira linha. E depois verificámos que não existem muitas atividades que preencham os tempos livres das crianças e dos jovens. Em articulação com a autarquia, conseguimos colocar crianças no ATL, mas nem todas as pessoas têm capacidade de chegar lá”, concluiu.
Operacional e no terreno manteve-se a PSP, que “atuou quando foi necessário” e o Gabinete de Atendimento e Informação à Vitima (GAIV) do Porto, instalado na Esquadra do Bom Pastor, e que é especializado em violência doméstica: “sempre que necessário articulou com a Comissão e fez o trabalho que lhe competia como tem vindo a fazer independentemente da pandemia que nos afectou a todos”, acrescenta Paula Torres.
Outra das dificuldades encontradas por esta comissão diz respeito a “entraves burocráticos e falta de meios” relacionados com a saúde mental, quer para crianças, quer para os pais, com casos em que as “consultas de psicologia são marcadas de três em três meses”, revela.
Perante o cenário recorrente de atropelos às liberdades e garantias dos menores, devemos estar preocupados? Paula Torres não tem dúvidas: “Acho que sempre que houver crianças e jovens devemos estar sempre preocupados. São uma camada sensível da sociedade. E estarmos preocupados significa estar em alerta. E isso é importante para nós”.
Artigo editado por Filipa Silva
Artigo corrigido às 12h36 do dia 3 de agosto de 2020. No artigo mencionava-se que a polícia, as escolas e as creches integram a primeira linha de intervenção sobre crianças e jovens em risco e que essa “primeira linha confinou” durante o estado de emergência. Se é verdade que as autoridades policiais fazem parte dessa primeira linha, não é verdade que tenham sido sujeitas a confinamento, como as outras entidades mencionadas. Para evitar interpretações ambíguas retirou-se “a polícia” da enumeração originalmente feita e acrescentou-se o esclarecimento da entrevistada sobre a ação da PSP e do GAIV Porto nesse período mais crítico da atividade pandémica.