A um mês e meio do arranque do ano académico, estudantes e professores continuam com uma ideia muito vaga do que será o próximo ano letivo. Esta quarta-feira, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) deu a conhecer o conjunto de orientações que enviou para universidades e politécnicos e já são também conhecidas as normas delineadas pela Direção-Geral da Saúde para o setor. Nada que descanse alunos e professores.

Gonçalo Velho, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), mostra-se particularmente agastado com a postura da tutela nesta matéria. Em declarações ao JPN, afirma que as recomendações saem sem que o MCTES tenha “nunca, em nenhum momento”, ouvido a estrutura que representa. “É um ministério que não ouve. Não aprende. Não vive numa democracia”, atira, sublinhando que até aqui, nas universidades e politécnicos do país, “tudo tem sido feito graças ao esforço voluntário e improvisado de alunos e professores”.

Dois pontos merecem maior preocupação à estrutura representativa dos docentes. A primeira é “a concentração de alunos e professores no mesmo espaço durante um longo período de tempo”, que resultará do regresso ao ensino presencial. O sindicalista cita um estudo do European Centre for Disease Prevention and Control que aponta os locais de trabalho fechados com trabalhadores em coabitação prolongada e próxima e as habitações como os principais ambientes onde ocorre o contágio da Covid-19. A questão do alojamento faz os professores temerem.

“Temos uma situação complicada, porque vão-se reduzir camas [nas residências], portanto, isso vai forçar os alunos a terem de encontrar soluções e as mais baratas passam pela partilha de casa. Depois, se alunos e professores vão estar muito tempo nas salas de aula, isso vai aumentar as possibilidades de contágio, mesmo com meios de proteção”, avisa.

A outra grande questão, para o SNESup, é a que passa pela gravação das aulas. De acordo com as recomendações do MCTES, as aulas devem ser dadas a partir das instalações da instituição, podendo, no caso em que as salas não o permitam, ser desdobradas nas modalidades de ensino presencial (para uma parte da turma) e a distância (para outra parte), isto com “soluções apoiadas por tecnologias digitais a distância”.

Uma solução “péssima”, na opinião do SNESup, porque pode resultar em “mais desistências” por parte dos alunos, porque não respeita “a experiência letiva” e porque levanta muitas questões de “proteção de dados”.

“Uma aula é um espaço de confiança entre professores e alunos. De repente, começamos a ter excertos das aulas a passar para as redes sociais… Há aqui vários problemas e quer professores quer alunos dizem coisas dentro da sala de aula que tem que ver com esse espaço de confiança. A partir do momento em que se quebra esse espaço de confiança, os alunos podem ficar inibidos de fazer perguntas e os professores inibidos de expor a matéria na sua problemática alargada”, argumenta.

As dúvidas levaram o SNESup a reunir-se na semana passada com a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e desse encontro saiu já uma decisão: o sindicato pediu a todas as instituições de ensino superior o envio de “uma análise de impacto em relação à aplicação destas medidas”, avançou Gonçalo Velho ao JPN.

“Não fizemos isto antes, porque estávamos num estado de emergência. Há uma parte da legislação europeia que obriga a esta análise de impactos – financeiros, pedagógicos, questões de dados pessoais e de privacidade – que é preciso avaliar. Não podemos entrar em voluntarismos apenas para poupar custos”, diz ainda.

A redução do número de alunos por turma e a redução do tempo das aulas para “sessões mais curtas, mas mais significantes”, seriam soluções apoiadas pelo SNESup. “Obviamente que isto tem custos, mas tudo tem custos. Nunca a gravação das aulas”, sublinha.

FAP teme que se esteja a dar “um passo maior que a perna”

Na questão da gravação das aulas, Marcos Alves Teixeira, presidente da Federação Académica do Porto, coloca outra questão: “as instituições estão preparadas para isso? Eu sei que algumas instituições já adquiriram alguns equipamentos, mas de um modo generalizado não há um parque tecnológico que permita massificar essa prática”, diz ao JPN.

Numa academia como a do Porto, que junta 70 mil estudantes vindos de vários pontos do país, a questão do alojamento também preocupa a FAP: “Nas normas diz-se que tem de haver uma distância lateral de 2 metros entre duas camas [das residências]. Há quartos partilhados que não conseguem cumprir isso e deixarão de ser partilhados. Não vi [nas recomendações do Governo] soluções para problema”, exemplifica.

Numa altura em que as instituições precisam de orientações “fortes e claras”, Marcos Alves Teixeira considera que as que chegaram pecam por “tardias, por serem pouco específicas e por ficarem demasiado ao cuidado das instituições”.

O dirigente associativo duvida ainda que as escolas superiores estejam “preparadas”, logística e financeiramente, para acolher as recomendações. “O problema é este: dificilmente alguém cumprirá estas recomendações e o que temo é que as instituições, mesmo as que não tenham condições para acatá-las, digam que têm, e depois tenhamos casos de negligência”, conclui.

Mesmo estando de acordo com a ideia de que é necessário voltar ao ensino presencial, Marcos Alves Teixeira considera que as orientações ministeriais demonstram “pouca flexibilidade em relação à questão”: “parece que engoliu-se a cassete do tem que ser presencial, e tenho medo que se esteja a dar um passo maior que a perna”, remata o presidente da FAP.