Esta sexta-feira, centenas de oradores encheram os palcos virtuais da Web Summit para o último dia da mega conferência que cumpriu a sua quinta edição em Lisboa, desta vez num formato exclusivamente online. 

Pelos vários canais do evento, passaram personalidades como Ricardo Quaresma – que até confessou “uma das maiores asneiras” da carreira -, o youtuber Caspar Lee, do alto dos seus 7 milhões de seguidores, a dizer que há espaço para todos no mundo do marketing digital, mas não para que todos singrem, e o famoso “Capitão América”, Chris Evans, que falou sobre a sua plataforma política e respetivos objetivos.

A paixão faz bem à pele

Foi por não encontrar no mercado soluções para os problemas dermatológicos dos seus pacientes, que a especialista em medicina estética, Barbara Sturm, decidiu aventurar-se sozinha no lançamento de uma marca própria. “Não tinha um plano de negócios” e não adivinhava no que se transformaria a linha de produtos “anti-aging” e de rejuvenescimento que desenvolveu em modo caseiro.

Para o sucesso, muito contribuiu a aprovação generalizada dos seus produtos por celebridades como a atriz Jaime King (“Pearl Harbor”, “Sin City”), que se juntou à criadora da marca Dr. Barbara Sturm nesta Web Summit. Juntas passaram a mensagem de que a paixão e crença são determinantes para o êxito e longevidade de qualquer projeto. 

Na sessão “Skin School: Education in a digital world”, Jamie King contou que, inicialmente, era apenas uma cliente da marca, contudo, o impacto dos produtos na sua vida foi de tal forma positivo que começou a promovê-los no mundo de Hollywood. King sente que “o mundo da beleza é mais do que o que aparenta ser”. O que é preciso, diz, é colocar o foco na positividade e na verdade da marca, porque “as pessoas não querem comprar coisas que não são reais”. Para a atriz é fundamental que o produto tenha uma história que retrata aquilo que é a marca e as especificidades que apresenta. 

A fechar, Sturm e King afirmaram que a educação representa uma parte muito significativa na compreensão do que é o corpo humano e do que são as características de cada pele. Ambas consideram que é necessário que também os produtos de beleza sejam mais inclusivos: “Como mulheres brancas é da nossa responsabilidade ajudar as minorias”, referiu Jaime King. “Criar produtos para as necessidades de diferentes tipos de pele” foi um objetivo que Barbara Sturm procurou e diz ter conseguido cumprir.

A história por trás do “Rei das Trivelas”

Com um reconhecimento mundial no mundo do desporto, o futebolista português, Ricardo Quaresma, foi a jogo na Web Summit deste ano – no âmbito da talk “The Champion’s challenge” – para falar do caminho percorrido na sua longa carreira, que já soma 20 anos

Conhecido como “o Rei das Trivelas”, o jogador português conta a história que poucos sabem: a sua famosa aptidão para trivelas vem, na verdade, de um problema nos pés. Quaresma nasceu com os pés tortos e, uma vez que a família não tinha, na altura, dinheiro para pagar as sessões de fisioterapia de que precisava, o jovem jogador acabou por aceitar a sua diferença e torná-la num ponto forte que mais ninguém tinha: “Como eu sentia que era diferente dos outros miúdos por isso, comecei a aproveitar cada vez mais esse ponto forte que eu tinha. E hoje em dia é a minha marca.”

Ainda sobre o seu percurso no mundo do futebol, o campeão europeu afirmou que “é preciso ter sorte” e que esse fator está intrinsecamente relacionado com os seus 20 anos de carreira “sempre em alta”: obviamente [a sorte] dá muito trabalho e também tens de ir à procura dessa sorte. Mas, quando eu digo a sorte, eu falo em lesões. Sou uma pessoa que graças a Deus não teve grandes lesões na minha vida. Vejo muitos colegas meus todos os dias no ginásio, grandes profissionais, mas parece que as lesões os perseguem. Isso nunca me aconteceu na minha carreira e é um ponto importante”, afirmou o jogador de 37 anos, atualmente ao serviço do Vitória de Guimarães. A par das lesões, que acabam com a carreira de muitos, o jogador ressalva a importância do descanso e de uma boa alimentação.

Quaresma recordou ainda os tempos em que jogou no Dubai, em 2012/2013, como “uma das maiores asneiras” da sua vida, afirmando que foi nessa altura que percebeu que “o dinheiro não é tudo” e agradecendo a Pinto da Costa, por lhe ter aberto as portas do FCP novamente.

O futebolista falou, ainda, da polémica com André Ventura em que esteve envolvido. Ao abordar o tema da discriminação, em consequência do episódio com o deputado do Chega, o jogador afirmou que, naquele momento, percebeu que tinha muita gente do seu lado e promete não ficar por ali: “Todos merecemos ser tratados da mesma maneira. Ninguém tem o direito de olhar para ti e meter-te de lado ou criticar-te porque és preto, és branco, és cigano, seja o que for. Eu vou lutar pela igualdade. Sempre que eu puder falar e defender esse tipo de questões, eu vou estar sempre aqui.”

Ricardo Quaresma deixou ainda vincado o propósito de criar a sua própria fundação: “é uma coisa que eu quero com muita vontade”, afirmou o futebolista. 

A presença da mulher no mundo da tecnologia

A emancipação da mulher no mercado de trabalho e a luta pela igualdade de género nos vários campos da sociedade são temas cada vez mais abordados. No entanto, no campo profissional, ainda existem muitas áreas que são mais associadas aos homens e, consequentemente, dominadas por trabalhadores masculinos. A área da tecnologia, como contou Kira Komshilova, é uma delas.

“Globalmente, as mulheres estão a enfrentar desigualdades no acesso à tecnologia e a oportunidades económicas relacionadas com a tecnologia”, realçou na sua apresentação.

Kira é líder da equipa de desenvolvimento de suporte técnico da Huawei nos países do Norte da Europa, mas trabalha apenas com homens. No início da sua apresentação, na secção “masterclasses” e com o tema “Women who work with developers”, a engenheira finlandesa divulgou dados estatísticos da UNESCO que comprovam que a presença da mulher no mercado de trabalho corresponde a uma minoria.

Tendo em conta que Kira trabalha numa equipa de homens, ressalva a importância de a relação profissional entre colegas assentar na confiança e na entreajuda, independentemente do género. Para além disso, a profissional sublinha que o caminho para o sucesso está repleto de desafios e que o essencial para os superar é aceitá-los, procurar saber sempre mais, ter paixão pelo que se está a fazer e, claro, nunca desistir. Com estes conselhos postos em prática, juntamente com a perceção de que o trabalho de equipa é essencial, Kira Komshilova acredita que as probabilidades de ter um percurso profissional cheio de conquistas são bastante elevadas. “Nós apoiamo-nos uns aos outros na Huawei. E ter pessoas que apoiam e acreditam na equipa é a chave para haver motivação”, defende a especialista.

Após uma pequena apresentação do funcionamento da equipa da Huawei e respetivos valores nos quais a empresa assenta, Kira respondeu a várias perguntas feitas pelos participantes. Neste Q&A, afirmou que os principais culpados por haver uma desigual distribuição de género no mercado de trabalho, por exemplo, na tecnologia, são os pais. Kira defende que é necessário mudar a mentalidade da sociedade e que isso começa na forma como os pais educam os filhos, nos valores e nas formas de pensar que lhes transmitem. Também a comunicação social desempenha um papel importante no combate a esta problemática, na sua visão.

Kira Komshilova admitiu ainda que sente que tem de ser melhor do que os homens no seu trabalho, para provar que é capaz, e ressalva que as mulheres são muito importantes no mundo da tecnologia, por possuírem  soft skills que lhes são naturais – que os homens não têm – e que ajudam, na sua opinião, no tipo de trabalhos realizados na área.

O mercado da influência digital

A cada dia que passa, o mundo digital sente mais a presença dos influencers. Caspar Lee, um youtuber de 26 anos com 7 milhões de seguidores, sabe-o por experiência própria, por isso juntou-se a Ben Jeffries, para criar a Influencer, uma empresa que “permite aos criadores serem pagos pela sua criatividade”.

Com o crescimento das plataformas digitais, o impacto das presenças online tornou-se evidente, com as marcas a procurarem promover-se num espaço cada vez mais frequentado e influente na vida do cidadão comum. Segundo Ben, “as marcas estão a pôr mais dinheiro nos influencers” e procuram impulsionar-se “em todas as plataformas digitais”. Neste sentido, surge o marketing de influência, que põe em diálogo pessoas que têm uma “voz online” com os seus seguidores. Para tal, torna-se importante que a marca selecione um influencer que seja uma pessoa autêntica e adequada, que se identifique com o público para o qual a empresa se quer dirigir e que apresente o conteúdo mais indicado. 

Caspar é um influencer há vários anos e afirma que começou desde logo com “um plano de não ser demasiado profissional”. “A consistência não está sempre presente, mas a minha audiência prefere algo real”, diz. O seu trabalho com marcas está dependente do seu tipo de público, como o de todos os influencers.

O número de pessoas influentes no mundo digital cresceu de forma exponencial, pelo que o “word of mouth”, ou o “passa a palavra”, na expressão portuguesa, se tenha tornado numa tática de relevo para as marcas. 

Durante um Q&A, o JPN questionou o jovem sul-africano acerca da possível sobrelotação de influencers e criadores de conteúdo no espaço digital. Capar Lee afirmou que “todos trabalham à sua maneira” e salientou que “há espaço para todos, mas isso não significa que haja espaço para o sucesso e evolução de todos”, notou. Ainda assim, refere que muitas marcas procuram, também, alguns micro-influencers para se promoverem junto de públicos mais específicos e dispersos.

John Saunders, CEO de uma grande empresa de relações públicas, deixou um aviso: “muitos jornalistas estão a tornar-se influencers e muitos influencers estão a tornar-se jornalistas”, disse, reclamando a necessidade de um jornalismo sério e independente. Até porque, rematou,“os influencers estão aqui para ficar”. 

O futuro do espaço

Vivemos uma nova era do meio espacial. Nela, existe uma necessidade de melhorar o ambiente no espaço e evitar a colisão de satélites, que cada vez existem em maior quantidade. Com a apresentação “Space: Where will we be in 2050”, foram conhecidos alguns planos para o futuro.

Jonathan McDowell, astrofísico no Centro de Astrofísica da Harvard- Smithsonian, afirma que “o espaço é intrinsecamente global”. Contudo, salienta que existe uma grande dificuldade em estabelecer tratados. Para o especialista, o gerenciamento do tráfego espacial é um problema que precisa de ser solucionado, destacando que as Nações Unidas são uma organização importante para a discussão deste tema. A regulação afigura-se essencial para estabelecer alguma ordem. 

No seguimento das palavras do astrofísico, Peter Martinez, diretor executivo da Fundação “Secure World”, refere que a mudança já começa a ser sentida e que a evolução está a ocorrer a uma velocidade rápida. “Tem surgido uma diversidade de ativos e mais países a juntarem-se” a esta caminhada espacial, lembrou.

No futuro, acredita que o espaço será alvo de exploração comercial, que poderá resultar em três hipóteses: numa perspetiva mais positiva, pode aproximar-se da encenação executada no filme “2001 – Odisseia no Espaço”; numa perspetiva mais sombria, pode resultar na previsão feita pelo filme “Elysium”; e numa terceira possibilidade, pode refletir uma humanidade que se revela mais ligada ao seu lado terreno e onde a evolução espacial é pouca.

O objetivo a alcançar é “um futuro espacial inclusivo para a humanidade”. Ainda assim, é necessário “trabalhar para o futuro que se quer ver acontecer”. O Movimento Ambientalista do Espaço é um bom exemplo disso.

Também a procura por vida extraterrestre e por um maior conhecimento da composição dos planetas do Sistema Solar, bem como de outros astros externos à galáxia, estará nos planos.

Divergir não é só para super-heróis

Em 2017, Chris Evans debatia-se com uma dificuldade em compreender os dois polos da política americana: democrata e republicano. Na sessão, “It’s a starting point”, o ator, famoso pela interpretação do Capitão América da Marvel, sentiu a falta de um espaço que ajudasse a compreender as causas defendidas por uns e por outros, que clarificasse o que é ser um ou o outro. Por isso criou a plataforma “A Starting Point”, que procura promover a participação cívica, ser um “organismo vivo” para quem quiser comunicar e debater diferentes opiniões. 

A caminhada para alcançar credibilidade não foi fácil, já que no início as pessoas achavam que “era tudo uma piada”. Assim, demorou algum tempo até Chris conseguir a confiança das pessoas.

A descrença inicial tornou-se numa força para a caminhada do ator, estimulado por haver muita gente a afirmar que “só o Capitão América poderia conseguir isto”. O objetivo da plataforma é dar palco a temas e opiniões distintas, acreditando o criador que um “meio termo está em falta, atualmente”. Evans salienta que é essencial encontrar pessoas que não têm as mesmas crenças, que divergem no seu ponto de vista e, para tal ser facilitado, é preciso “existir uma infraestrutura que funcione”. 

Para o futuro, Chris Evans refere que o objetivo é “chegar às escolas”, ou seja, “levar a tecnologia, as oportunidades e possibilidades aos estudantes”, de modo a aumentar o seu conhecimento e a sua capacidade de inovação.

Até 2021

Depois de três dias de encontros virtuais entre cerca de 800 oradores e 100 mil participantes, o maior evento tecnológico do mundo chegou ao fim. 

A fechar a Web Summit 2020, Marcelo Rebelo de Sousa dirigiu-se aos que por este evento passaram prometendo que, em 2021, os moldes para a sexta edição da conferência em Portugal vão ser diferentes: dos ecrãs dos computadores, passar-se-á, novamente, às ruas de Lisboa (a organização anunciou logo no primeiro dia que o modelo do próximo ano deverá ser híbrido, esperando 70 mil pessoas na capital portuguesa, a que se podem juntar 80 mil online).

O Presidente da República destacou no seu discurso a importância dos temas em discussão na Web Summit e referiu, ainda, que a COVID-19 apenas veio demonstrar que juntos somos mais fortes. “A pandemia mostrou que nenhum país, sozinho, consegue lidar com tamanho problema. É impossível. Nós temos de estar juntos e trabalhar juntos com organizações internacionais. É por isso que este Web Summit digital é tão importante, porque o mundo está a mudar”, afirmou no encerramento. 

A Web Summit regressa em 2021 a Lisboa e vai expandir-se a partir do ano seguinte. Isto porque, foi anunciado durante a conferência deste ano que a Web Summit terá uma edição em Tóquio, a partir de 2022, que se realizará dois meses antes da data portuguesa. Nesse sentido, o evento em Portugal vai passar a chamar-se “Web Summit Lisbon”. O Brasil também deverá receber, nesse ano, um novo evento criado pela organização liderada por Paddy Cosgrave.

Artigo editado por Filipa Silva