Faz jornalismo há mais de 30 anos e foi distinguida em três ocasiões com um Emmy pelo trabalho desenvolvido em programas noticiosos da NBC. Um deles, pela cobertura do genocídio do Darfur, no Sul do Sudão, um dos vários cenários de guerra onde esteve presente. Ann Curry, jornalista e fotojornalista norte-americana de 64 anos, esteve no último dia da Web Summit 2020 disponível para falar acerca do seu vasto percurso profissional. As qualidades de um bom jornalista, o papel das mulheres na área e as maiores dificuldades que encontrou no seu trabalho foram alguns dos assuntos que desenvolveu no Q&A – sessão de perguntas e respostas – de que foi protagonista.

Em conversa com os participantes da sessão, a jornalista natural do Guam referiu que o papel mais importante do jornalismo é dar ao público as informações que ele precisa de saber. Não apenas aquelas que ele quer saber e que vão, naturalmente, ao encontro do seu interesse, nem tão pouco as que possam ir ao encontro do interesse do jornalista e/ou da organização que representa. É preciso, defende Ann Curry, “fazer aquilo que está certo e não aquilo que é mais popular”.

Fazer uma correta avaliação do que é preciso saber é fundamental e, para que esse objetivo seja cumprido, a jornalista defende que a regra mais valiosa é “fazer as perguntas certas”, mesmo que o público “não saiba que precisa de saber determinadas coisas”: “se eles [os cidadãos] precisam de saber alguma coisa, é aí que entra o nosso trabalho. O nosso trabalho é fazer as perguntas.”

A busca pela verdade deve ser o guia, não devendo, por conseguinte, existir medo. O jornalista deve “estar empenhado e envolvido nas histórias e verificar que todas as perguntas certas são feitas”, afirmou a jornalista. No fundo, a melhor maneira de averiguar que este trabalho está a ser realizado corretamente e de forma assertiva é percebendo se a mensagem a passar está a tornar “as pessoas mais inteligentes e mais bem informadas”. Ainda assim, Curry destaca que existe uma “grande dificuldade em levar a informação para a sociedade”, porque o conteúdo “menos popular tem menos poder”.

Questionada pelo JPN acerca das caraterísticas que um bom jornalista deve ter, Ann refere que a integridade é o mais importante. Para além disso, o jornalista deve ser capaz de comunicar – e de saber qual a melhor forma para o fazer – e de assumir o erro, melhorando as suas decisões em função disso.

O jornalismo é um serviço público, daí que apresentar determinadas características que corroborem a sua importância na sociedade é um passo de relevo para que exista verdade e credibilidade e para que esta área não perca a sua essência.

Ann Curry afirmou, ainda, que o mundo do jornalismo está a ser ameaçado pelas redes sociais, que são, agora, vistas como fontes de notícias. A falta de moderação e de verificação de fontes no online, contribui em larga medida para uma generalizada deturpação da informação. “Não permitimos que alguém grite ‘fogo!’ num cinema” – começou por referir, numa alusão a uma típica expressão americana sobre os limites da liberdade de expressão – “Porque é que permitimos que as pessoas lancem mentiras [online] que são perigosas para outras pessoas?”, questiona.

Um dos tópicos de relevo na sessão foi a presença da mulher no mundo do jornalismo. “As mulheres estão numa onda que está a chegar à costa”, afirma Ann Curry, defendendo que, numa era em que se luta, cada vez mais, pela igualdade de género, as mulheres têm de se manter unidas e devem apoiar-se mutuamente. Nesse sentido, aproveitar os talentos e as forças das outras mulheres – ao invés de olhar para elas como concorrência e com uma certa frieza – será o segredo para que se façam avanços neste campo.

A galardoada jornalista, que passou pelos cenários da guerra do Kosovo ou do Afeganistão e de desastres naturais como o terramoto do Haiti, de 2010, deu também a sua perspetiva do que é, na verdade, a parte mais desafiante do seu trabalho: para além de, muitas vezes, ser complicado passar a mensagem pretendida e criar um sentimento de empatia nos cidadãos, Ann Curry refere, particularmente, as dificuldades que encontra em conseguir que histórias mais fraturantes e marcantes – como a pobreza na América – sejam divulgadas a uma sociedade que não as quer ver. É no seguimento destes obstáculos que a repórter defende que “os jornalistas devem ser guerreiros”, lutando para que as suas histórias sejam contadas: “mantém-te fiel ao trabalho, mantém-te fiel à luta pela verdade, mantém-te fiel ao que o público precisa de saber. E, assim, vais fazer um bom trabalho”, concluiu.

Artigo editado por Filipa Silva