A pandemia afeta todas as faixas etárias e todos os setores de atividade, mas há segmentos da população mais vulneráveis à COVID-19. Idosos, pessoas com problemas respiratórios ou pessoas com doenças crónicas são alguns exemplos. Apesar de os lares de idosos já serem um assunto controverso antigo, devido à existência de lares ilegais ou relatos de maus-tratos, com a pandemia estes equipamentos sociais entraram ainda mais na ordem do dia.

Até à meia-noite do dia 5 de novembro, Portugal contabilizava 1.047 mortos entre os residentes em lares (393 na Região Norte, uma das regiões mais afetadas, juntamente com Lisboa e Vale do Tejo), o que representava 38% do total de mortes devido ao novo coronavírus. Os dados da Direção-Geral da Saúde foram avançados pelo jornal “Público”. Números quem fazem dos lares num dos espaços mais letais em termos de vítimas da pandemia.

Mais recentemente, a DGS referiu ao jornal “i” a existência de 178 surtos em lares de idosos, o que representa um aumento significativo comparativamente aos números que tinham sido avançados no final de outubro, que apontavam para a existência de 107 surtos nestes equipamentos.

Um relatório recente do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla inglesa) alertava para o aumento do número de casos e fatalidades nas Estruturas Residenciais Para Idosos (ERPI) um pouco por toda a Europa, referindo a necessidade de implementar um conjunto de medidas proporcionais, que previnam a disseminação do vírus. Ao mesmo tempo, a estrutura europeia da qual são emanadas as orientações técnicas e científicas sobre o vírus, defende que a “autorização de visitas externas, deve ser altamente tida em consideração”.

Com a DGS a incidir o seu foco principal nos hospitais no início da pandemia, os lares acabaram por ficar em segundo plano. Este ano, de acordo com dados cedidos pelo Instituto da Segurança Social ao jornal “Pùblico”, já fecharam 67 lares de idosos.

Apesar de a ajuda continuar a ser muita durante o período de confinamento obrigatório, muitas das pessoas que trabalham nos lares acabaram por ficar infetadas, concentrando o trabalho necessário num número reduzido de pessoas. Ainda que durante o verão a pandemia tivesse acalmado, as instituições não fizeram o necessário para se precaver para a segunda vaga já anunciada há algum tempo e os problemas continuaram a persistir, referiu ao “Público” António Tavares, Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto.

Além das vítimas mortais, o custo da pandemia alastra-se aos problemas mentais que estão a ficar cada vez mais visíveis ou ao sentimento de que os idosos que estão nestes lares, estão cada vez mais sozinhos. A Ordem dos Psicólogos alerta mesmo recentemente para os perigos da chamada “fadiga da pandemia”.

Privados de visitas familiares ou atividades que os mantêm ocupados durante grande parte do dia, estas pessoas, pouco a pouco, vão perdendo capacidades que já estavam fracas e que desde março se agravaram. Fechados em casa sem saber que todas as lojas estão fechadas ou que as pessoas só saem à rua para o essencial, muitos deles começaram a questionar-se sobre o porquê de a família nunca mais ter aparecido para lhes fazer uma visita.

Face a isto, a retoma nas visitas a lares deu-se a 18 de maio, seguindo as regras impostas pela DGS. Em outubro, a DGS informou que os idosos que vivem em lares vão poder receber mais que uma visita por semana, contribuindo para combater a solidão destas pessoas.

O papel das câmaras municipais nos lares

Com a vulnerabilidade dos idosos perante a pandemia, os lares têm recebido uma atenção especial da parte dos poderes públicos, seja ao nível nacional, regional ou local.

No caso das câmaras municipais, estas procuram muitas vezes compensar o que consideram ser insuficiências da atuação do Ministério da Saúde e das Autoridades Regionais de Saúde, implementando medidas complementares às que estão estabelecidas em todo o país, de forma a controlar ao máximo a pandemia no seu concelho.

As autarquias de Gaia e Gondomar, por exemplo, optaram por formas distintas de lidar com o problema. A Câmara Municipal de Gaia, após a primeira vaga da pandemia, apostou na criação de “uma equipa multidisciplinar, composta por elementos da Proteção Civil Municipal, da divisão de ação social e técnicos da área da saúde ambiental”, refere a Presidência da autarquia ao Linha Contínua/JPN, em declarações por escrito.

O objetivo é que exista um maior “acompanhamento e monitorização dos lares do concelho”. “A prevenção de futuros focos infeciosos e uma correta preparação dos técnicos” das instituições são as razões principais que levaram a estas medidas no concelho de Gaia.

Relativamente ao concelho de Gondomar, o município focou-se mais no aumento do número de testes. Ao Linha Contínua/JPN, fonte oficial da Câmara Municipal de Gondomar diz que, a 16 de outubro, “duplicaram o número de testes na comunidade”.

O centro de testagem drive-thru, criado no Multiusos de Gondomar a 31 de março, passou assim a ter “duas linhas de testes”, com a intenção de reduzir “os tempos de espera”.

Esta medida surgiu com a intenção de “travar o número crescente de casos ativos” no mês de outubro. No que diz respeito aos lares, a Câmara de Gondomar fez, no mês de abril, uma campanha de testes em todos os lares do concelho, realizando testes à COVID-19 a “utentes e funcionários em todas as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas no concelho”.

Relativamente ao Porto, que remeteu a resposta às perguntas que o Linha Contínua/JPN lhe dirigiu para as autoridades de saúde e Segurança Social, a câmara revela no seu site que irá colocar, durante um ano, três viaturas à disposição dos Agrupamentos de Saúde da cidade, para reforçar a sua capacidade de resposta à crise pandémica.

Lares sob fogo

Desde relatos de falsificação de testes, a relatos que asseguram que os seus utentes vivem em condições desumanas, alguns lares espalhados por Portugal têm lidado com dois problemas: a pandemia e as acusações que lhes são endereçadas.

No caso específico do Grande Porto, um dos exemplos mais paradigmáticos é o do Lar do Comércio, em Matosinhos, que registou um surto de COVID-19 no início da pandemia. Apesar deste lar já ter sido alvo de acusações no passado, durante a pandemia ainda se evidenciou mais o descontentamento de quem tem lá os seus familiares.

Apesar de ter sido descontaminado pelo Exército Português, o lar teve mais de 100 infetados com COVID-19, 24 dos quais acabaram por morrer.

A presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro, admitiu, a 15 de maio, que a atuação da direção do lar terá sido negligente e participou ao Ministério Público os incidentes.

A Ordem dos Advogados, num relatório elaborado pela Comissão de Direitos Humanos, concluiu pela existência de uma “grave violação dos direitos humanos e dos direitos de liberdades e garantias”.

Em Gaia,no lar da QualitaVida, os impactos de um surto do novo coronavírus não foram tão graves. Contudo seis utentes e seis funcionários ficaram infetados numa altura em que a gerência do lar mudava de mãos. Ao Linha Contínua/JPN, a nova diretora, Daniela Silva, confirma que todos os utentes se encontram bem de saúde e sem sintomas.

A propósito, o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, sublinhou, em declarações aos jornalistas reproduzidas pelo “Jornal de Notícias”, que o Estado central tem grande dificuldade em intervir localmente “quer em termos de decisão, quer em termos de meios disponíveis”.

Ao Linha Contínua/JPN, a autarquia gaiense sublinhou que, nesta fase, existe confiança na ação das autoridades regionais de saúde pública, embora não se descarte a intervenção do município, caso esta “seja imperiosa”.

A escassez de recursos humanos e materiais é outro dos problemas com que os lares se defrontam, não apenas nos municípios do Grande Porto, mas um pouco por todo o país.

Se já antes da pandemia o equipamento e pessoal existentes, para fazer face aos cuidados que os idosos precisam, eram insuficientes, agora ainda mais. Relatos de equipamentos desatualizados, falta de pessoal ou idosos “desidratados, desnutridos e desorientados”, como apontou uma auditoria da Ordem dos Médicos no caso de Reguengos de Monsaraz, mostram que a situação dos lares em Portugal é preocupante e que foi agudizada pela COVID-19.

Artigo editado por Filipa Silva

Este trabalho foi originalmente realizado para o jornal Línha Contínua no âmbito da disciplina de AIJ/Online e Imprensa – 3.º ano