O Planeta Terra é um ecossistema de extrema complexidade. Nele coabitam quase oito mil milhões de seres humanos, cujo consumo desenfreado não é acompanhado pela capacidade regenerativa da Terra. Estamos a transformar recursos em resíduos mais rapidamente do que a natureza consegue transformar resíduos em recursos, como alerta a World Wide Fund for Nature (WWF).

O Homem está a consumir de forma acelerada o capital natural do Planeta – de acordo com os nossos padrões atuais de consumo precisaremos do equivalente a dois planetas em 2030 para vivermos – e com esta atitude corre o risco de rapidamente degradar as suas condições de existência, causando a destruição dos habitats e ameaçando a biodiversidade do globo, elementos vitais para a sua sobrevivência.

De entre todos os resíduos que são produzido, o plástico apresenta-se como o maior inimigo e o maior desafio. Trata-se de um problema global em constante crescimento e de uma ameaça direta às futuras gerações. Um cenário sem precedentes que atesta a importância da alteração profunda de paradigma.

A incontrolável “plastificação” do Planeta

A produção em massa de plástico teve início há pouco mais de seis décadas, porém, cresceu de forma tão exponencial que terá atingido em 2017  as 8,3 mil milhões de toneladas métricas – na sua maioria, referentes a produtos descartáveis, de acordo com um estudo sobre a produção global de plástico publicado nesse ano na revista “Science Advance“. Este componente orgânico leva mais de 400 anos a decompor-se, por isso, na sua grande maioria o plástico produzido ainda existe sob qualquer forma.

De acordo com o mesmo estudo, dos 8,3 mil milhões de toneladas métricas que foram produzidas, 6,3 mil milhões transformaram-se em resíduos de plástico, do qual só 9% foi reciclado. A maior parte, cerca de 79%, está a acumular-se em aterros ou a inundar o ambiente como lixo. Assim, uma parte significativa desta equação tem como destino final os oceanos. Se esta tendência persistir, até 2050, teremos 12 mil milhões de toneladas métricas de plástico a lotar os aterros. Para se ter uma noção, esta quantidade é 35 mil vezes mais pesada que o Empire State Building.

A associação Zero Waste Lab

O tema não escapou à programação da WebSummit 2020, como o provou o painel “Como um futuro de zero desperdício pode tornar-se acessível”. A sessão, que decorreu na quinta-feira (3), teve como figura central a portuguesa Ana Salcedo, uma das fundadoras da Zero Waste Lab, uma associação sem fins lucrativos dedicada ao zero desperdício. A conferência foi aberta à participação do público, mediante inscrição prévia.

O movimento global “Zero Waste” tem como objetivo final acabar com o lixo. Através da conservação de todos os recursos, apostando numa produção responsável, consumo sustentável, reutilização e recuperação de produtos, materiais, embalagens sem os queimar ou depositar em terra ou no mar.

Não se foca em tentar aproveitar o lixo já existente para produzir energia, mas sim em alcançar alterações estruturais, quer a nível do consumo quer da produção. Apesar de ter nascido de iniciativas de recolha de lixo, é este o objetivo principal da Zero Waste Lab hoje: “mobilizar a sociedade para uma mudança de comportamento na criação e gestão de resíduos”.

Tal como Ana Salcedo realçou na Web Summit, o mais importante neste caminho para o zero desperdício é mesmo a educação. A Zero Waste Lab foca-se precisamente neste ponto. Não tendo muitos recursos ao seu dispor, a palavra é mesmo o mais importante. Ações de sensibilização, workshops, debates e trabalho junto de crianças, essencialmente na região de Lisboa, são o motor da associação.

Têm também algumas iniciativas como o Plastic0circular, um projeto que, em conjunto com outras associações, se tem instalado em alguns festivais e eventos para fazer demonstrações de upcycling, também chamado de reutilização criativa.

Um dos problemas que Ana Salcedo atribuiu à reciclagem é o facto de os produtos que dela provêm terem cada vez menos qualidade. Então, são também cada vez menos apetecíveis ao público. O upcycling tenta contrariar esse facto, através de um processo de transformação do plástico (e outros materiais também), no fabrico de uma panóplia de produtos de alta qualidade.

Ana Salcedo também destacou na WebSummit um outro projeto-piloto da Zero Waste Lab, que não tem ainda nome, mas que tem já acompanhado algumas associações que desenvolvem trabalho social em Lisboa, no sentido de fazer uma análise de tudo o que é gasto. O objetivo é escrutinar todo o dinheiro que é utilizado em materiais, e tentar averiguar se são absolutamente fundamentais, ou se irão produzir lixo desnecessário. Ana deu o simples exemplo dos cartões de negócios, que são uma prática recorrente, mas que podem ser substituídos por alternativas virtuais.

A inspiração para um futuro risonho

Não é só na WebSummit que a inovação é destacada. Ao longo dos últimos anos, temos sido bombardeados com avisos e campanhas de sensibilização para que adotemos hábitos de vida saudáveis, sustentáveis e amigos do ambiente. Esta necessidade de alteração de comportamentos tem-se manifestado pelos quatro cantos do globo e há exemplos de comunidades que se têm afirmado como uma autêntica inspiração.

Um destes exemplos é Kamikatsu, uma pequena cidade japonesa com pouco mais de 1.700 habitantes. Recicla 80% dos resíduos e está perto de conseguir alcançar o desperdício zero. Na pequena cidade japonesa, o lixo é metodicamente separado em 45 categorias diferentes. O objetivo? Conseguir o mínimo de desperdício.

Face ao impacto da incineração do lixo, para o ambiente e para os habitantes da cidade, e atendendo a que as emissões produzidas no local eram superiores às permitidas, a população de Kamikatsu decidiu unir-se e definir um plano de intervenção para o qual todos contribuem: foi desenvolvido um sistema de divisão de tarefas, com diferentes secções, permitindo que facilmente se separem os materiais.

Não é um processo fácil e requer, acima de tudo, uma consciência e disciplina individual assinaláveis, uma vez que não há contentores. Cada cidadão é responsável por lavar os seus resíduos em casa e levá-los para o centro de reciclagem. Um exemplo inovador e de esforço coletivo em busca de um futuro mais risonho.

Economia circular

Há comunidades e pessoas que mudam radicalmente o seu estilo de vida, mas a evolução é gradual e existem muitas coisas que a população pode fazer. Os exemplos de como tornar a economia mais comunitária ou circular, solução que Ana Salcedo destacou no combate ao consumismo e consequente desperdício, são muitos. O exemplo que a co-fundadora da Zero Waste Lab deu na WebSummit foi o da opção por máquinas de lavar roupa comuns nos prédio, seguindo um exemplo comum nos EUA.

Mas existem muitas maneiras de tornar a economia mais circular e amiga do ambiente. A partilha do transporte individual, sobretudo nas cidades, é outra delas. Na Dinamarca, por exemplo, foi criada uma app, a GoMore, que visa maximizar o uso do transporte particular. Os estudos dentro do país diziam que os carros passavam uma média de 23 horas por dia estacionados, e que quando eram usados levavam apenas 1,3 pessoas por viagem, tornando a propriedade de carros muito cara, e a sua eficiência muito baixa.

A GoMore surgiu com o objetivo de “ajudar as pessoas a partilhar carros” – através da boleias, alugueres de curta duração ou leasing. Ao fazer isto, segundo a empresa, estão a “reduzir as emissões de CO2, fazer melhor uso dos recursos existentes e consequentemente tratar melhor do nosso planeta”. Até 2017, já mais de um milhão de pessoas tinham usado o serviço, tornando a GoMore uma das líderes de mercado no que diz respeito a apps de car-sharing pela Europa.

A globalização da economia e o desenvolvimento tecnológico vertiginoso a que temos assistido encurtou distâncias, mas coloca desafios ao Planeta. Torna-se, assim, necessário compreender o passado, como chegamos até aos dias de hoje e como devemos perspetivar um futuro para o globo e os seus habitantes no quadro de um desenvolvimento sustentável. A tecnologia afigura-se como um aliado indispensável na luta pelo bem comum em todos os setores, da mobilidade aos resíduos, do desperdício alimentar às energias renováveis.

Artigo editado por Filipa Silva