Licenciou-se em Direito e exerceu advocacia, mas há 15 anos que se dedica à escrita para televisão. É a condição de quem quer escrever “com alguma frequência e com algum retorno financeiro”, diz José Pinto Carneiro ao JPN. É um dos argumentistas da telenovela “Terra Brava”, atualmente em exibição na SIC, mas já ajudou a escrever muitas outras: do remake de “Vila Faia” às séries “Morangos com Açúcar” ou “Bem-vindos a Beirais”. E já prepara a próxima, que estreará em 2021.

“Tecnicamente”, é natural de Santa Maria de Lamas, concelho de Santa Maria da Feira, onde nasceu e cresceu. Mas “formalmente”, por decisão dos pais, tem a naturalidade registada em Anreade, no concelho de Resende. Em 2003, “apaixonado por uma lisboeta”, deixou o Norte rumo à capital.

José Pinto Carneiro é também autor dos textos da banda desenhada “No Presépio…”, com o cartoonista Álvaro (eleito Melhor Álbum Tiras Humorísticas, em 2014, no Amadora BD). Juntos, preparam o regresso, no próximo ano, do Homem-Voador – um homem com bigode, que recolheu um cão da rua e que, como recompensa, teve direito a um desejo: escolheu voar.

Já o regresso aos romances, ainda não tem data marcada, mas o escritor, que se estreou em 1994 com “O Estranho Caso da Boazona que me Entrou pelo Escritório Adentro” (Cotovia), admite querer fazer um refresh na sua bibliografia, atualizada pela última vez  em 2008 com o livro “Todas se Apaixonam por Mim” (Guerra e Paz). “O livro que me encherá de orgulho ainda não aconteceu”, confessa. Mas José Pinto Carneiro garante estar “a pensar nisso”.

JPN – Fala-se de si a várias gerações e não reconhecem o seu nome, nem o seu trabalho. Talvez porque ainda não lhe foi atribuído o Prémio Nobel da Literatura?

José Pinto Carneiro – É uma piada recorrente que, todos os anos, faço no Facebook: “Ainda não foi desta!”. Não me conhecerem é recorrente.  Tomei consciência, há pouco tempo, de que os meus próprios colegas de trabalho não conhecem o meu trabalho anterior àquele que atualmente desenvolvo. Há 15 anos que escrevo para televisão. Deixei de publicar livros e nenhum dos meus colegas leu qualquer livro meu, com excepção de alguns que gostam de ler e que se atreveram a ler um que sugeri.

A Cotovia, editora do meu primeiro livro, em 1994, publicou no Facebook que vai fechar no final do ano. Publiquei lá um comentário, dizendo que lamentava e que esperava que não tivesse sido por minha causa. E houve um jornalista do “Público” que, no artigo sobre o encerramento da editora, colheu esse comentário. Ele lembrava-se de mim!

Sinto necessidade de fazer um refresh na minha bibliografia e a única maneira de o fazer é publicando outro. E estou a pensar nisso. Mas como trabalho em televisão, que é um trabalho, feliz e infelizmente, muito bem preenchido – porque não dá tempo para mais nada -, não sei quando esse livro me vai acontecer.

JPN – Há três anos, numa entrevista a um aluno da Escola Superior de Comunicação Social, sugeria que poderia estar para acontecer.

JPC –  Ainda não. O livro que me encherá de orgulho ainda não aconteceu. Ainda não cumpri a minha missão enquanto escritor. Acho que tenho um livro para escrever – e tenho feito várias tentativas; seis, no total -, mas vou fazer mais uma em breve, quando tiver tempo para isso. Mas, mesmo assim, não sei se será esse que vai encher-me de orgulho ou até se algum dia irei cumprir essa missão. Mas, enquanto a tiver, vou manter-me vivo, até aos mil e tal anos.

JPN – O seu blogue, Senhor Carne, não regista actividade desde 2007.

JPC – É provável. É provável.

JPN – O seu autor é um senhor com bigode. Mas até essa data, pelo menos, nunca teve bigode.

JPC – Não, nunca tive. Agora tenho barba. Mas naquela altura não tinha bigode. Aquele espaço surgiu no boom dos blogues, em que muita gente tinha o seu e eu também tinha o meu. O nome Senhor Carne surgiu porque era assim que eu era tratado num site com alguma fama, em que eu era um simples participante.

Era o Pastilhas, do Miguel Esteves Cardoso. Ele era o Doutor Pastilhas; eu era um dos seus pacientes, com o pseudónimo de Carne. Não sei porquê, mas todos me tratavam por senhor Carne a acreditavam que eu tinha um bigode, de que fazia grande alarde. E eu dizia que tinha um garboso bigode, o que era mentira.

Entretanto, quando o site acabou e aquela malta toda decidiu fundar os seus próprios blogues, em criei esse, descontraído, onde publicava algumas brincadeiras e exercícios literários – alguns deles até interessantes, agora perdidos algures na Internet.

JPN – No blogue, é persistente a sua tentativa de escrever “o mais belo poema de todos os tempos”.

JPC – É isso. Ainda estou à espera de concretizar o mais belo poema de todos os tempos. Tenho vontade de escrever uma coisa relevante para mim. Não sei se os leitores do que irei escrever vão partilhar da minha opinião. Mas essa era uma brincadeira sobre esse meu desejo de escrever o melhor poema de todos os tempos, ou o melhor livro de todos os tempos, mas na minha perspetiva. Mas aquelas tentativas eram divertidas. E foram várias.

Agora passei para o Facebook, para o Instagram e para o Twitter, sem estar muito empenhado em nenhuma dessas redes sociais, mas mantenho lá algumas brincadeiras literárias, crítica de cinema e do que me apetecer, que consiste, basicamente, em dizer se gostei ou não. Presumo que as pessoas que me conhecem valorizam a avaliação que faço. Se gostei, é porque gostei. Se não gostei, é porque não gostei.

JPN – Desde 2008 que não publica ficção. Mas escreveu argumentos para Banda Desenhada.

JPC – Fiz o argumento da Banda Desenhada No Presépio…, , com desenhos do Álvaro Santos. Em breve sairá outro, assim que o Álvaro o conseguir terminar. Deverá acontecer no próximo ano, sobre o super-herói que criámos, o Homem-Voador , sobre um homem que consegue voar.

Homem Voador: como tudo começou… Página de Facebook O Homem Voador

JPN – Nos dias que correm, um super-poder que daria muito jeito…

JPC – De facto. Ele tem um poder extraordinário, que é voar, mas continua a ter os mesmos problemas de sempre: com a mulher, no emprego… Ele gostaria de combater o crime, mas voar não é nada que os ladrões temam. Poderia voar até ao local do crime e confrontar os criminosos, que se tiverem pistolas…

JPN – Esse super-poder foi-lhe concedido por um cão que resgatou da rua e que, como recompensa, lhe deu um a escolher. Porque é que escolheu o de voar?

JPC – É um drama e um dilema dele. Ele não percebe porque é que não escolheu ganhar o Euromilhões. Disse que queria voar… As pessoas, às vezes, precipitam-se e tomam decisões que contaminam as suas vidas para sempre. A ele, saiu-lhe que queria voar. Naquele momento pareceu-lhe poético e interessante. Agora está arrependido, mas…

JPN – Que analogia faria entre a advocacia e o guionismo?

JPC – Aquilo que guardo de boa memória na advocacia era quando conseguia encontrar um espaço para fazer guionismo, ou seja, quando tinha oportunidade de criar uma narrativa que permitisse convencer um juiz de que o meu cliente tinha razão. Eram momentos de grande tensão, que aconteciam numa sala de audiências, onde fazia as alegações finais ou a interrogar testemunhas, tentando obter delas os factos e as provas que me conviessem.

Era na sala de audiências que – repito – decorriam momentos de grande tensão, muita ansiedade e nervosismo, porque eu não era propriamente um grande orador, mas eram esses os momentos que me davam mais gozo. Aí, eu podia ser guionista. Tirando isso, a analogia fica por aí, no momento criativo em que o advogado tem que fazer com que a realidade vá de encontro aos seus interesses e perspetiva sobre determinado assunto, de forma a que o juiz concorde com ele e decida a seu favor.

JPN – Ser guionista é um super-poder?

JPC – Sim, se fizermos cinema e se tivermos controlo sobre o guião até ao momento da edição. Aí, podemos controlar o resultado final daquilo que o público vê. Em televisão, esse poder é muito mais limitado, mas dá algum gozo poder fazer com que na televisão sejam ditas determinadas coisas, feitas determinadas peripécias e, de alguma maneira, preencher ou fazer parte do dia a dia de milhões de espectadores, ao longo de vários anos.

A audiência da televisão, normalmente, são três milhões. Por dia, eu posso ter uma coisa a ser vista ou algumas palavras a serem ouvidas por um milhão de pessoas. Isso dá algum gozo. É um super-poder.

Mas os géneros que escrevo são os que a televisão procura neste momento em Portugal e que, normalmente, são telenovelas. Estou sempre a dizer isto, mas vou repetir: Portugal é o único país da Europa que tem o horário nobre [preenchido] com telenovelas, tal como acontece na América Latina e em alguns países de Leste. Portanto, se queremos chegar ao público e se queremos escrever para televisão com alguma frequência e com algum retorno financeiro, temos que escrever telenovelas.

As telenovelas são um produto muito fechado, muito regrado; não há grande liberdade para sermos nós próprios. Há muitas regras a que obedecer.

JPN – Ao contrário do No Presépio…

JPC – Naquele presépio havia a liberdade total. Podíamos fazer tudo o que quiséssemos. A única regra que tínhamos era que o Menino Jesus não falava nem aparecia. Só se lhe via a mão e o pé.

JPN – Quase aparece numa noite de Ano Novo a descartar uma garrafa de vinho, enquanto as outras personagens festejam.

JPC – Mas não se vê mais nada, para além da mão e da garrafa. De resto, a liberdade era total. Na telenovela há muitas regras. É um processo muito complexo. Somos uma engrenagem de uma grande máquina que, de alguma maneira, limita a nossa liberdade e que, também de certa maneira, nos distancia. Há poucos guionistas de telenovelas que são espectadores de telenovelas.

JPN – Aproxima-se o Natal e a possibilidade de confinamento das famílias. Aconselharia a leitura do No Presépio…?

JPN- Espero que as famílias mantenham o bom humor se, por acaso, acontecer o confinamento. Se sem confinamento as famílias têm já algumas dificuldades em suportarem-se…. Mas espero que mantenham o bom humor e, se quiserem usar o livro para construírem o seu presépio em casa, é simples e passo a explicar.

Pegam no livro, encostam-no à parede e põem umas luzinhas à volta. E está o presépio feito. Não é preciso estatuetas; não é preciso musgo. Se quiserem, podem pôr a árvore de Natal ao lado. Esse livro, para além de livro, pode ser um bibelô, um elemento decorativo, um adereço natalício muito útil. Aliás, é o que eu uso cá em casa. Estivemos a pensar fazer um presépio em pop up, daqueles que se abrem e os bonecos ficam em 3D.

Capa da BD No Presépio… Retrato de família. Bandas Desenhadas

JPN – Como trabalha por estes dias?

JPC- Neste momento, felizmente, tenho mais uma novela para escrever. Faço parte de uma equipa que está a escrever uma telenovela que vai estrear para o ano na SIC. O meu dia a dia é a partilhar o trabalho com o resto da equipa; escrever e escrever e escrever cenas; debater plots [enredos]; fazer planos para as futuras cenas que teremos que escrever.

É um trabalho que não me desagrada nada. No fundo, faço aquilo que sempre quis fazer, que é escrever.

JPN – Diverte-se?

JPC – Sim. Neste momento estamos todos a escrever em teletrabalho. Quando não há estas regras, estamos todos numa sala e o ambiente é muito mais divertido nessa altura. O ambiente na equipa é agradável. Todos gostamos de escrever e procuramos sempre aproveitar, para ter sempre o copo meio cheio.

Não me importava de continuar a fazer isto. Mas, claro, que se pudesse escrever outros géneros, nomeadamente, séries – que espero que venha a acontecer em breve – seria melhor.

Artigo editado por Filipa Silva

Este artigo foi realizado no âmbito da disciplina TEJ II – Online