Pedro nasceu rapariga. No entanto, nunca se percecionou dessa forma. “Tinha-me a mim mesmo como um rapaz diferente dos outros, e não como uma rapariga diferente das outras”, recorda o jovem de 21 anos em entrevista ao JPN. Quando lhe perguntavam se gostava de ser um menino, respondia inocentemente que sim, “sem sequer saber o que estaria para vir.”

Quando chegou a puberdade, Pedro viu o seu corpo feminino transformar-se, sentindo simultaneamente que isso “não devia estar a acontecer”. Então, por volta dos 13 anos, começou a procurar respostas para aquilo que sentia. Pesquisou na Internet, viu documentários na televisão, contactou com histórias de transexuais e percebeu, pouco a pouco, que se identificava com eles.

Pedro, com cerca de quatro anos

Pedro com cerca de quatro anos. Foto: D.R. Fonte: Pedro Matias

Aos 15 anos, o jovem escreveu uma carta e leu-a em voz alta aos seus pais, contando-lhes que era transexual. Pedro recorda que, naquele momento, “estava a tremer, a chorar baba e ranho”. Mal terminou a leitura da carta, o pai levantou-se e disse: “se queres ser um homem, vais comigo cavar para a horta” e saiu.

À noite, tendo passado o “choque inicial”, os três conversaram melhor. Os pais de Pedro, preocupados, mostraram apoiar incondicionalmente o filho. Mais tarde, o jovem assumiu a sua transexualidade perante a restante família e os colegas da escola, que se revelaram igualmente compreensivos e respeitadores. Pedro considera-se “um sortudo do caraças” por ter tido uma “resposta incrível” na sua “terra muito pequenina, em Trás-os-Montes profundo” – é natural de Alfândega da Fé, no distrito de Bragança.

Um processo demasiado demorado

Pedro Matias iniciou o processo de mudança de sexo no Serviço Nacional de Saúde (SNS) quando atingiu a maioridade. Começou por se submeter a uma avaliação psicológica, que comprovou a sua disforia de género . Desta forma, pôde alterar o seu nome e sexo femininos no Registo Civil. A fase seguinte foi o tratamento hormonal, que implica a realização prévia de uma série de análises.

Para quem quer levar o processo até ao fim – que é o caso do Pedro –, a última etapa consiste nas cirurgias de reatribuição sexual. Para as poder realizar pelo SNS, num processo assim comparticipado pelo Estado, a pessoa transexual tem de ser avaliada por duas equipas médicas independentes. Posteriormente, os respetivos relatórios de diagnóstico são enviados para a Ordem dos Médicos, para que os cirurgiões sejam autorizados a operar.

Pedro já tem o seu primeiro relatório médico. Irá pedir o segundo relatório a uma médica que já o conhece e que está a par de todo o seu processo. Para realizar o pedido, o jovem, pediu, ainda no verão, para marcar uma consulta com essa médica, mas só conseguiu vaga em dezembro. “Há a necessidade de esperar tantos meses para, se calhar, chegar lá e [o relatório] nem estar pronto? Já estou preparado para isso”, contesta Pedro. O jovem transmontano considera que, neste caso, o envio do relatório poderia ser feito por email, por forma a agilizar o processo.

Pedro, por volta dos 17 anos, antes de ter iniciado o tratamento hormonal. Foto: D.R. Fonte: Pedro Matias

Embora os pedidos de mudança de sexo tenham vindo a aumentar – pelo menos até 2018, de acordo com dados divulgados pelo jornal “i”, o serviço público português continua com “os mesmos profissionais que estavam há dez ou quinze anos”, relata Pedro. Deste modo, a resposta não consegue chegar a todos os que dela necessitam.

Na opinião do jovem transmontano, as cirurgias aos transexuais não são vistas como uma prioridade, porque não são casos “de vida ou de morte”. Na realidade, não é bem assim – segundo o Centro de Prevenção do Suicídio, do Canadá, um estudo de 2015 revela que entre 22% a 43% dos transgéneros tentam suicidar-se.

Um serviço público que não inspira grande confiança

Pedro Matias quer fazer as cirurgias de redesignação sexual, mas admite ter algum receio. De facto, são operações complexas e envolvem muito pormenor. Para além disso, o jovem transexual confessa: “o sistema que nós temos em Portugal não me dá muita confiança”.

Tendo ouvido e lido relatos de pessoas que não ficam satisfeitas com as cirurgias – porque ocorrem “alguns erros” -, Pedro acredita que “o sistema ainda não está preparado” para este nível de complexidade cirúrgica. Desta forma, teme que o resultado cirúrgico “não fique bem”, e que isso tenha repercussões ao nível psicológico.

O serviço público português tem uma unidade própria – a URGUS – em Coimbra, com uma equipa multidisciplinar que se dedica especificamente a prestar cuidados de saúde a pessoas transgénero. Pedro considera, contudo, que, na prática, a unidade carece de melhor organização, de mais profissionais e de profissionais “mais capacitados”. As pessoas andam “a saltar de um lado para o outro” e todo o processo torna-se “muito confuso”, atira.

“Na teoria, [a URGUS] existe, mas na prática, não responde àquilo que tem de ser respondido, porque as filas de espera ainda são enormes, a resposta ou não aparece ou, então, demora anos. Não está a funcionar como deveria estar e como eles queriam que estivesse, digo eu.”

“Falta de empatia”

Pedro Matias refere a “falta de empatia” como um dos grandes problemas da sociedade face às pessoas transgénero. “É tão difícil explicar aquilo que tu sentes enquanto pessoa trans, relata o jovem. Indignado, refere que as pessoas não conseguem “calçar os sapatos” dos transexuais e reitera que deviam realmente tentar fazê-lo.

O jovem transexual conta como lidar com “pequenas coisas” é difícil. Admite não conseguir olhar-se nu ao espelho, porque a imagem que vê não está de acordo com aquilo que sente. Ir à praia no verão é outro exemplo de situações “banais” que, na verdade, lhe provocam desconforto e mal-estar.

Muitas pessoas interpretam o processo de mudança de sexo como se tratasse de uma mera “vontade” dos transexuais – apesar de existirem já vários estudos que apontam para a existência de fatores biológicos na origem da transexualidade. O jovem transmontano reforça que a mudança é uma necessidade, da qual dependem o seu bem-estar e a sua felicidade. Ver a mudança de sexo como “um capricho” dos transgéneros é um juízo “muito errado”, conclui Pedro.

Artigo editado por Filipa Silva

Este artigo foi realizado no âmbito da disciplina TEJ II – Online