Em setembro de 2020 chegou à Leonor uma amiga especial, com uma missão bem definida. A Candy, uma cadela preta com cruzamento de raças golden retrivier e labrador retrivier, foi treinada para acalmar a menina e ajudá-la nas tarefas diárias.

A Leonor tem 12 anos e nasceu com paralisia cerebral do tipo diplegia espástica, que afeta, sobretudo, os membros inferiores dificultando a locomoção. O membro superior direito também tem limitações.

Sofia Oliveira, professora na sala de intervenção especializada da Escola Básica Marques Leitão – em Gondomar – onde Leonor anda, explica o impacto da doença no quotidiano da menina: “Ela tem alguma dificuldade no controlo dos movimentos: em pegar, em vestir-se sozinha, apesar de ela ter alguma autonomia. Come sozinha e vai à casa de banho”, conta à reportagem d’O Impresso/JPN.

Desde setembro, Leonor tem uma nova amiga: chama-se Candy e viveu durante um ano e meio com um treinador de cães, que lhe ensinou tarefas essenciais para ajudar a criança que viria a ser a sua dona. Agora, a Leonor tem auxílio para tirar o casaco sem ter de chamar alguém e a cadela vai buscar as sapatilhas para ela calçar.

Embora a ajuda física seja importante, a professora explica que “a ajuda da Candy à Leonor é essencialmente para controlar a parte comportamental. A Leonor é um bocadinho mandona e às vezes respondia de uma forma mais bruta aos amigos. E a cadela, quando ela fala mais alto, encosta-lhe o focinho nas pernas para ela baixar. Tem sido uma mais-valia porque notam-se melhorias nesse aspeto”.

Uma relação de cumplicidade

A Leonor frequenta algumas aulas na turma de referência do quinto ano e, o tempo restante, é passado na sala de intervenção especializada, onde realiza atividades adequadas às suas dificuldades. Na unidade de multideficiência, lida com colegas, entre os 12 e os 15 anos, que têm outras deficiências cognitivas e/ou motoras. Das cinco crianças que marcam presença nesta sala, só três conseguem andar e apenas duas falam, mas todas gostam da presença do animal. A Leonor caminha com alguma dificuldade, mas fala com coerência, e garante que a companhia da Candy na escola é benéfica: “Ela ajuda-me muito na escola. A não cair, a andar, brinca comigo”.

A cadela acompanha Leonor para todo o lado. Aqui, na cantina da escola. Foto: Vânia Barbosa

Sofia Oliveira explica que a relação entre a cadela e a dona é de grande cumplicidade, afirmação confirmada pela Leonor, que diz ter encontrado na Candy uma melhor amiga: “senta, deita, fica, brinca, vai buscar as coisas, se eu atirar uma sapatilha ela vai buscar”.

“A cadela teve treino para acompanhar a Leonor, para controlar também a ansiedade e a inquietude que ela tem e obedece às ordens para as quais foi treinada”, afirma a professora. A mãe da menina diz que, além de toda a ajuda, a Candy faz companhia à Leonor, que não gosta de estar sozinha.

“É uma cadela muito sossegada, muito sociável. Ela entra, senta-se ou deita-se nos pés da Leonor e fica ali até ser necessária a sua ajuda”, explica Sofia Oliveira. A Candy não se afasta da menina, independentemente da atividade que esta faça. “Ela é meiguinha”, declara Leonor.

A chegada da Candy

A professora explica que nem ela nem as auxiliares tiveram receio quando souberam que uma das alunas passaria a levar para a escola um cão de assistência. “A única preocupação foi saber se iríamos ter de ter algum cuidado com a cadela, se iríamos ter de dar de comer ou levar à rua. Mas nada disso se passa porque a única coisa que nós lhe damos durante o dia é água. Ela come em casa, de manhã e à noite, e vai à rua também de manhã e à noite. Está treinada nesse sentido”.

Além da companhia, Candy ajuda Leonor em tarefas simples como tirar o casaco ou pegar nas sapatilhas.

Leonor relembra o dia em que viu a cadela pela primeira vez: “Ela, na primeira vez, veio com o treinador e estava muito assustada”. Em pouco tempo, adaptaram-se uma à outra e já não acontecem os incidentes iniciais, como o da primeira vez em que a menina agarrou a trela e a Candy a puxou com demasiada força, conta a Leonor. “Foi a primeira vez, ela não sabia”, acrescenta.

A cadela “já é parte da sala”

Candy passa, diariamente, várias horas na unidade de multideficiência. As crianças já se adaptaram à sua presença assídua e não têm medo, apesar de poucos deles conseguirem expressar o que sentem.

A professora Sofia explica a interação entre os meninos da unidade de multideficiência e Candy: “A cadela já é parte integrante da sala. O João olha para a Candy e não interage – mas também não interage com os outros colegas, é o processo que nós estamos a fazer, é o processo de interação. O Martim gosta da Candy, mas acho que tem um bocadinho de receio dela, tem medo de lhe pôr a mão. Os outros meninos lidam muito bem com ela”, explica a educadora.

Na sala, a presença de Candy não é estranhada pelas outras crianças. Leonor é a “menina do cão”. Foto: Vânia Barbosa

Por outro lado, na turma de quinto ano que a Leonor frequenta, os colegas estranharam a presença do animal e, inicialmente, passavam grande parte das aulas a olhar para a cadela. “Não é uma coisa que estivessem habituados a ver”, comenta Sofia Oliveira.

“Uma pessoa em corpo de cão”

Foi a Sílvia, mãe da Leonor, que teve a ideia de procurar um cão de assistência: “só agora percebi que poderia ajudar mesmo muito a Leonor, e cada vez me preocupava mais com a parte comportamental dela”, esclarece a mãe.

Após bastante pesquisa, a resposta foi encontrada na Ânimas, uma associação sem fins lucrativos, que atribui cães de assistência a quem mais precisa deles. Ne entrevista, Sílvia Martins explica o que a família sentiu enquanto esperavam por uma resposta: “Muita ansiedade e esperança de que íamos conseguir, sabendo que eram demasiadas crianças para tão poucos cães”.

A adaptação à cadela foi “muito fácil”. “Ela é um doce, uma pessoa no corpo de cão”, comenta Sílvia.

Segundo a mãe, os resultados estão a corresponder às expectativas e a Candy é a melhor amiga que a menina poderia ter: “Mais uma tarefa para mim, mas não me arrependo nem um segundo”.

A rotina do canídeo começa às sete da manhã, quando se levanta para comer. “Às oito, vai comigo e com a Leonor fazer as necessidades, vai para a escola e ATL com a Leonor, depois vai com ela às terapias. Chega a casa e faz xixi no jardim, a seguir come e antes de dormir vai com o “pai” fazer as necessidades”.

Menina ficou “mais calma”

Em poucos meses, os resultados já são visíveis. A Leonor está “muito mais calma, mais tolerante, e com mais vontade de andar sozinha a pé”, afirma a mãe da menina. “Fico mais calma. Não fico assim irritada”, acrescenta a Leonor.

A cadela de assistência é o centro das atenções na escola. A mãe, Sílvia, explica que “a Candy também dá autoestima à Leonor, é uma companhia para ela, e uma aliada. Para a Leonor é importante ser vista como a menina que tem o cão e não a menina especial”.

Artigo editado por Filipa Silva

Esta reportagem foi realizada para o jornal O Impresso no âmbito das disciplinas de AIJ Rádio/Imprensa e Online – 3º ano