O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, demitiu-se esta terça-feira (26), pondo fim ao governo de coligação que liderava o país desde setembro de 2019. A decisão era esperada na sequência da crise política aberta pela retirada de apoio à coligação de um dos partidos que a suportava, a Itália Viva (IV) de Matteo Renzi.
Itália, que teve perto de 70 governos nos últimos 75 anos, vê-se, assim, de novo num imbróglio político que tem, para já, como cenários mais prováveis a reabilitação da atual coligação, com ou sem Conte na sua liderança, ou a convocação de eleições antecipadas. Seja como for, nota Marco Lisi, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), o país precisa de uma nova “lei eleitoral” para combater a fragilidade governativa.
Renzi procura “protagonismo” político
Em entrevista ao JPN, o professor do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa considera o antigo primeiro-ministro, Matteo Renzi, como “o principal responsável” pela atual crise política em Itália. O líder do IV – partido que criou depois de ter deixado a liderança do Partido Democrático (PD) – incentivou a crise, pois, por um lado, quer “protagonismo e visibilidade” e, portanto, procura “reivindicar um papel maior no quadro político”, onde tem uma “posição minoritária”, completa Lisi.
Por outro lado, as motivações de Renzi são “estratégicas”, já que o senador pretende “condicionar a ação do governo”, sobretudo no que diz respeito às reformas que vão ser implementadas com o “fundo de reestruturação europeia”. A União Europeia vai colocar 209 mil milhões de euros à disposição de Itália, até 2026. Obviamente, há uma “luta” política para tentar controlar ao máximo “a maneira como irão ser geridos estes fundos”, considera o investigador do IPRI.
Mas o problema não é Renzi ter forçado a crise política, porque, na verdade, este governo “já era fraco anteriormente”, salienta Marco Lisi. O Movimento 5 Estrelas (M5S), o PD e o IV compunham a coligação no poder executivo e demonstravam “falta de capacidade em encontrar uma resposta que beneficiasse o crescimento económico e o desenvolvimento do país”.
Para além disso, o M5S e o PD “têm divisões internas”, ou seja, dentro dos próprios partidos, “há votos contraditórios” relativamente aos mesmos assuntos. Esta falta de coerência “tem condicionado negativamente a ação do governo”, aponta Lisi.
No entanto, Conte – que, sem maioria no Senado, “não tinha outra hipótese” senão a demissão – poderá beneficiar dessas dualidades que existem dentro dos partidos da maioria para “sobreviver e continuar a liderar o governo”. Mesmo que o consiga, prevê o investigador, “vai ser uma maioria muito reduzida e pouco coesa”. Seria, a verificar-se, o terceiro governo consecutivo chefiado por Conte, o político a quem as sondagens ainda dão o maior apoio popular em Itália.
Mattarella convoca Roberto Fico
O Presidente da República, Sergio Mattarella, “vai ter um papel fundamental para decidir esta crise”, ressaltou Marco Lisi, um dia antes do anúncio do chefe de Estado que abriu um novo capítulo na tentativa de debelar a crise política atual. Mattarella – doutor honoris causa pela Universidade do Porto – repetiu a receita de 2018 ao entregar ao líder da Câmara dos Deputados, Roberto Fico, um “mandato exploratório”.
Até terça-feira (2), o político do Movimento 5 Estrelas vai ter de auscultar as forças integrantes da coligação e aferir se é possível reanimá-la. Mattarella já fez notar que a solução de governo tem de ser estável e ter um programa claro para atacar a tripla crise – “sanitária, social e económica” – que fustiga o país. Se este mandato não resultar, restam ao presidente opções mais difíceis como formar um Governo de iniciativa presidencial ou devolver a palavra ao povo italiano.
Sobre o cenário de eleições antecipadas, Marco Lisi considera que seria vantajoso para os partidos de extrema-direita, como a Liga, liderada por Salvini, e os Irmãos de Itália, de Meloni. “A haver eleições, claramente a direita teria uma grande facilidade” em formar governo, o qual seria “forte” e duraria “muito tempo”, prediz o investigador.
Seja qual for a solução encontrada, Lisi considera que o Presidente deveria impor, ao próximo governo, “como condição fundamental” a elaboração de uma nova lei eleitoral, feita por técnicos (e não pelos partidos) e “bem feita”, por forma a terminar com as maiorias instáveis dos governos.
Uma instabilidade política “constante” há mais de 75 anos
A instabilidade dos governos italianos “sempre foi uma constante” e caracteriza “toda a história da República de Itália, desde [o fim de] a Segunda Guerra Mundial”, conta o investigador do IPRI. Um sistema eleitoral que “não tem favorecido a formação de maiorias claras e de governos fortes” é um dos principais fatores que têm contribuído para o panorama de repetentes crises políticas.
Outro fator importante é a fragilidade dos partidos políticos, “sobretudo a partir da Segunda República” (que se iniciou nos anos 90). “Cisões, recomposições e alianças que duram pouco tempo” são frequentes entre os partidos italianos, que aparecem e desaparecem “como bolhas de sabão”. Assim, os grupos parlamentares sofrem problemas de “coesão”, o que põe em causa a estabilidade governativa do país.
Artigo editado por Filipa Silva