O ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, tomou posse, este sábado (13), como primeiro-ministro de Itália, depois de, na véspera, ter dado a conhecer os 23 ministros que vão formar o seu governo de unidade nacional.

Sergio Mattarella, o Presidente da República Italiana, e Mario Draghi, na cerimónia de despedida de Draghi da presidência do BCE, em outubro de 2019. Foto: BCE

Perante a crise governamental aberta por Matteo Renzi, que culminou com a demissão do primeiro-ministro Giuseppe Conte, o Presidente da República italiana, Sergio Mattarella, tentou, junto dos partidos e com a ajuda de Roberto Fico, formar um novo executivo. O fracasso destas negociações levou Mattarella a procurar uma solução fora do espectro partidário, tendo a sua aposta recaído sobre Mario Draghi.

O nome do economista é uma “referência” a nível mundial, como sublinha, em entrevista ao JPN, Vania Baldi, professor italiano do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro. Em Itália e na Europa, o clima é, agora, de “grande esperança”.

“Uma figura que garante competência”

Mario Draghi, presidente do BCE entre 2011 e 2019, é conhecido como o homem que salvou o euro, feito este que lhe valeu a alcunha de “Super Mario”. Com 73 anos, o especialista em economia reúne quase quatro décadas de experiência de liderança nas finanças internacionais e italianas.

Diretor-geral do Tesouro italiano durante dez anos e governador do Banco de Itália durante mais de cinco, Draghi “conhece muito bem todo o tecido económico do país”, bem como a “máquina administrativa” italiana e os seus problemas, assegura Vania Baldi. Portanto, o país reconhece-o como uma figura “muito competente”.

A atual crise governamental foi encarada “como uma loucura”, conta Vania Baldi, até o presidente Mattarella fazer o nome de Draghi emergir das águas políticas turbulentas de Itália. A crise provocada por Renzi não terá sido compreendida pela sociedade italiana, que se assustou com o “tiro no escuro” e o indesejado cenário de eleições antecipadas. Com o governo Draghi, os italianos esperam, agora, com grande otimismo, o “início de uma nova fase muito promissora”, antevê o professor da Universidade de Aveiro.

Um histórico consenso parlamentar em Itália

Já desde o fim da Segunda Guerra Mundial (quando foi necessário redigir a Constituição da República Italiana, em 1947) que não havia um governo que reunisse o apoio de “quase todas as forças parlamentares”, destaca o docente universitário. Efetivamente, Mario Draghi conta com o apoio de todos os partidos no Parlamento, exceto do “partido de extrema-direita” Irmãos de Itália. Desta forma, o partido liderado por Giorgia Meloni “pretende destacar-se como uma força política totalmente alternativa”.

Este consenso parlamentar “tão transversal” acarreta consigo o “transformismo” de alguns partidos, isto é, implica que partidos como a Liga e o Movimento 5 Estrelas (M5S) – o partido com mais deputados e mais senadores no Parlamento italiano – estejam a ir contra os ideias que proclamavam.

Vania Baldi expressa ao JPN a sua “surpresa”: “Como é que, de repente, a Liga, um partido tão austero em relação à Europa e às instituições europeias, alinha com um governo liderado por aquele que é um símbolo dessas instituições? E o M5S, hiperpopulista, até queria fazer um referendo para sair do euro, eventualmente até sair da União Europeia (UE); e, de repente, ‘viva Draghi’…“, comenta o docente.

Ambos os partidos contarão que, com o ex-líder do BCE a liderar o executivo, o dinheiro do plano de recuperação da UE (para combater os efeitos da pandemia da COVID-19), destinado a Itália será “bem gerido”, afirma Baldi. Trata-se de “um momento histórico”, de “uma oportunidade única” para Itália, que vai receber a “maior fatia” desse fundo europeu – 209 mil milhões de euros.

Assim, por trás do apoio a esta solução política pode bem estar o instinto de sobrevivência dos partidos: para posteriormente poderem também reclamar o mérito das reformas feitas com o fundo da UE e, assim, angariarem votos, os partidos não se podem excluir do governo Draghi. Apesar do seu cariz eventualmente “oportunista”, esta atitude dos partidos não deixa de aliviar os italianos, pois permite o consenso parlamentar necessário para terminar com a crise política que abala Itália “num momento tão delicado”, considera o professor universitário.

A Europa também está “a festejar”

A ideia de um governo italiano liderado pelo ex-presidente do BCE traz “grande alívio” à Europa, que passa a ter, nos diálogos da UE, um “interlocutor” que já conhece e que sabe ser “um garante do projeto europeu”, alega Baldi.

Para além disso, a Europa está segura de que Mario Draghi não permitirá que haja “desperdício” na aplicação do fundo de recuperação europeia, sendo este utilizado para as reformas que “Itália realmente precisa”. Assim, o país vai ganhar “destaque” dentro da Europa, acredita o docente italiano.

Mario Draghi, na cerimónia de despedida da presidência do BCE, em outubro de 2019. Foto: BCE

Mas os ganhos não se esgotam aqui – também a Europa vai angariar maior “prestígio no cenário mundial”. A prévia liderança do BCE permitiu a Draghi construir uma rede de contactos internacional, que abrange, nomeadamente, os atuais governadores das reservas dos Estados Unidos da América ou da China. Logo, Vania Baldi antecipa “um reforço da Europa ao nível intercontinental”.

 

Artigo editado por Filipa Silva