Registaram-se manifestações violentas em Espanha, na noite desta quarta-feira, contra a prisão do músico Pau Rivadulla Dúro, conhecido artisticamente por Pablo Hasél. Madrid, Barcelona e outras localidades do país foram palco de conflitos entre manifestantes e polícia.
O protesto contou com faixas que pediam pela “liberdade de Pablo Hasél” e a “morte do estado fascista”. As Unidades de Intervenção da Polícia (UIP) presentes no local, numa tentativa de conter a violência, recorreram a cargas policias. Num protesto sinalizado por confusão, interdição de vias públicas e incêndio de barricadas, houve também relatos de atos de vandalismo e tentativas de saques. A imprensa espanhola destacou a detenção de manifestantes e policias feridos.
Pablo Hasél foi preso esta terça-feira, depois de ter recusado entregar-se às autoridades, na reitoria da Universidade de Lérida, onde se manteve em conjunto com dezenas de seguidores contrários à sua detenção. Mais tarde foi transferido para a prisão onde deve cumprir uma pena de nove meses.
Esta não é a primeira vez que o rapper fica diante da justiça espanhola. Em 2014, o cantor foi condenado e teve pena revogada pela Audiência Nacional, único tribunal com jurisdição em todo o território espanhol, a uma pena de prisão de dois anos por fazer menção a organizações como ETA, Grapo, Terra Lliure e Al Qaeda nas suas canções e publicações nas redes sociais.
O cantor foi condenado em 2018, por letras e tweets onde chamou Juan Carlos, o rei emérito, de chefe da máfia e caracterizou as autoridades espanholas como responsáveis pela tortura e morte de migrantes e manifestantes. Para além disso, o artista fez ainda referências a grupos terroristas, como o grupo paramilitar e separatista ETA.
Por decisão do tribunal de recurso, Pablo Hasél teve a sua pena reduzida para nove meses de prisão, sentença ratificada pelo Supremo Tribunal em 2020 e responsável pela sua prisão na terça-feira (16).
Os antecedentes criminais de Hasél são apontados pelo Supremo Tribunal Nacional como justificação para a ordem de prisão. O tribunal argumenta que “com este registro criminal seria absolutamente discriminatório em relação a outros criminosos, e também uma grave exceção individual na aplicação da lei, sem qualquer justificação, a suspensão da execução da pena a este condenado”.
Liberdade de expressão em causa no debate público e jurídico espanhol.
A prisão do cantor colocou em causa o poder de interferência do governo espanhol sobre a liberdade de expressão dos cidadãos. Assim como Pablo, muitos foram os que apontaram a decisão judicial como um ataque a liberdade de expressão dos espanhóis, em geral.
Em apoio ao rapper, o artista Roc Blackblock pintou um mural em Barcelona com a imagem do rei emérito espanhol, Juan Carlos, alvo de acusações de desvio de fundos. Horas depois a obra foi apagada pelos serviços de limpeza, ação que somou inúmeras críticas nas redes sociais. O destaque do episódio levou a presidente da Câmara a pedir desculpas ao artista pelo erro e prometer a revisão dos protocolos de atuação dos serviços de limpeza em situações similares.
As mensagens de apoio nas redes sociais estenderam-se, a formulação de um manifesto contra a condenação de Pablo Hasél, que contou com mais de 200 assinaturas de personalidades espanholas.
A Amnistia Internacional, organização não governamental em defesa dos direitos humanos, também se posicionou diante do ocorrido, ao assumir que o rapper foi “condenado por exercer a sua liberdade de expressão”. A organização ainda indicou inúmeros processos que jornalistas, artistas e utilizadores das redes sociais sofrem na Espanha por delitos classificados como injúrias e calúnias.
O caso levou o Governo da Espanha a mostrar-se favorável a uma revisão do Código Penal, que qualifica a glorificação do terrorismo, discurso de ódio e ofensas inseridas num contexto de atividades culturais e artísticas como merecedoras de pena de prisão.
Em nota divulgada pela imprensa, o Governo realiza a promessa de alteração da definição dos delitos “para que apenas se castiguem condutas que pressuponham claramente um risco para a ordem pública ou a provocação de algum tipo de conduta violenta, com penas dissuasórias, mas não privativas de liberdade”. De acordo com o jornal El País, a reforma do Código Penal pelo Governo da Espanha também deve incluir uma revisão do crime de sedição, entendidos como crimes contra o Estado e a paz pública, pelo qual ex-governantes da Catalunha já foram condenados, com longas penas de prisão.
A repercussão do caso não é exclusiva do território espanhol. Em entrevista concedida ao JPN, a rapper portuguesa Capicua declarou o seu apoio a Pablo Hasél, assumindo a prisão como um ataque à liberdade de expressão do músico. A cantora acrescentou que “as letras são escritas com recursos de enfatização do discurso que não podem ser levadas ao pé da letra, sendo consideradas incitamento à violência ou glorificação do terrorismo. Há liberdade poética e recurso a linhas de impacto e, portanto, só de forma muito mal intencionada pode levar a uma leitura literal”, considerou a artista portuense.
Capicua também citou o caso do rapper espanhol Valtonyc, exilado na Bélgica há uns anos após ser condenado a três anos e meio de prisão na Espanha: “Outros artistas também têm a sua liberdade de expressão posta em causa por diversas vezes, principalmente quando o tema é a monarquia” apontou.
Artigo editado por Filipa Silva