O ténis não é estranho a nomes que dominaram as principais competições durante vários anos e a intensas rivalidades. Bjorn Borg, John McEnroe, Ivan Lendl, Stefan Edberg, Pete Sampras e Andre Agassi são apenas alguns dos tenistas que marcaram a modalidade nas últimas décadas. Entretanto, três nomes ascenderam ao topo do desporto e tardam em abrir mão da sua supremacia em relação à nova vaga de talentos: os “Big Three”.

É esta a designação habitualmente usada para agrupar Novak Djokovic, Rafael Nadal e Roger Federer. Os três nomes têm acumulado recordes desde meados dos anos 2000.

Se contabilizarmos os 69 Grand Slams (Open da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e Open dos Estados Unidos) disputados entre a edição de 2003 de Wimbledon e a edição de 2020 de Roland Garros, o trio levou o troféu para casa em 57 dessas ocasiões. Durante este período, somaram uma série de 18 vitórias consecutivas, entre Roland Garros, em 2005, e Wimbledon, 2009, e mais outra de 13 títulos ininterruptos entre os Opens da Austrália de 2017 e 2020. 

Os “Big Three” lideram as tabelas de conquistas em Grand Slam – 20 para Federer e Nadal, 17 para Djokovic – em torneios Masters 1000 e nas ATP Finals, as principais competições do calendário tenístico. Devido à sua longevidade e simultaniedade no topo da modalidade, esta é já descrita com a “Era Dourada” do Ténis

Federer, o mais velho dos três e já com 39 anos, foi o primeiro a destacar-se, seguido de Nadal, o espanhol de 34 anos, com quem construiu uma das mais marcantes rivalidades da história do desporto. Mais tarde, sobretudo a partir de 2011, foi Djokovic, sérvio de 33 anos, quem começou a exercer o seu domínio no circuito masculino.

Todos eles já ganharam pelo menos uma vez cada um dos Majors, o chamado Grand Slam de carreira, mas Nadal é o único com uma Medalha de Ouro em singulares nos Jogos Olímpicos, conquistada em Pequim, 2008. Na companhia do escocês Andy Murray, longe no número de títulos conquistados, mas durante muitos anos, o quarto elemento deste grupo maravilha – “Big Four” -, têm dividido a liderança do ranking mundial, desde 2 de fevereiro de 2004, ou seja, há mais de 17 anos que um jogador fora deste grupo não é número um mundial.

Esse domínio fica também patente quando percebemos que apenas em três dos torneios Grand Slam disputados desde Wimbledon, em 2004, a final não teve no elenco pelo menos um destes quatro nomes – o Open da Austrália, em 2005 (Marat Safin vs. Lleyton Hewitt), o Open dos Estados Unidos, em 2009 (Marin Cilic vs. Kei Nishikori), e em 2020 (Dominic Thiem vs Alexander Zverev).

Ao JPN, Rui Silva, coordenador técnico da Associação de Ténis do Porto (ATPorto), explica que este domínio por parte dos Big Three vem da “conjugação de um jogo mais completo” com uma “vantagem mental”, conseguindo uma “melhor adaptação às diferentes circunstâncias” dos encontros, especialmente em Grand Slams.

A “Next Gen”

Em 2016, com o propósito de tentar elevar e popularizar os atletas mais jovens e contrabalançar o gradual envelhecimento dos principais nomes do desporto, a Association of Tennis Professionals (ATP)  – federação que rege o circuito masculino de ténis – criou a iniciativa “Next Gen”, a par do torneio ATP Next Gen Finals, que reúne os oito melhores jovens da temporada.

Apesar da designação oficial se aplicar apenas a tenistas abaixo dos 21 anos que estejam no Top 200 da hierarquia mundial, o termo tem assumido uma maior abrangência para incluir todos os tenistas apontados à sucessão dos “Big Three”, já que vários dos principais nomes da nova vaga de tenistas já passaram a barreira dos 21 anos.

Dominic Thiem, por exemplo, tem já 27 anos, mas chegou à sua primeira final de Grand Slam na terra batida de Roland Garros, em 2018, quando tinha 24. O seu primeiro título a este nível surgiu apenas na sua quarta final, na mais recente edição Open dos Estados Unidos, na qual não participaram Federer e Nadal, enquanto Djokovic foi desqualificado durante a prova.

Alexander Zverev, de 23 anos, Stefanos Tsitsipas, com 22 anos, e Daniil Medvedev, de 25 anos, tornaram-se, entretanto, presenças assíduas no Top 10 mundial e em fases adiantadas dos torneios Grand Slam, com Masters 1000, a mais alta categoria de torneios depois dos Majors, e ATP Finals, torneio de final de temporada exclusivo para os oito melhores da época, conquistados.

Domínio precoce dos Big Three e a afirmação tardia da nova geração

A consistência do nível exibicional dos três principais nomes da modalidade tem contribuído para o retardar do salto para a ribalta dos tenistas novos. Vindos de “uma outra geração”, os jogadores nascidos depois de 1995 “foram criados de uma maneira diferente”, afirma Rui Silva. O treinador, que já formou diversos campeões nacionais, refere que esta geração “mais virada para a tecnologia” quer “sempre tudo rápido”. 

“Muitas vezes perdem noção de que o controlo é mais importante que a velocidade” e têm sempre vontade de “terminar os pontos o mais rapidamente possível”, com recurso à “velocidade de bola e a um estilo de jogo situado atrás da linha de fundo”, reforça o coordenador técnico da ATPorto.

Deste modo, enfrentar “campeões, de experiência elevada, que dominam todos os aspetos do jogo, são rápidos, pressionam o adversário e ganham pontos na rede”, obriga-os “sempre a um maior número de pancadas, de sofrimento” e uma maior necessidade construir pontos, ser paciente e de conseguir lidar com os momentos em que as coisas correm menos bem.

Analisando as conquistas dos “Big Three”, verifica-se que estes foram bastante mais rápidos a alcançá-las. O suíço Federer, por exemplo, ganhou o seu primeiro Major, em 2003, quando tinha 21 anos. Com 25, a idade atual de Medvedev, o número de conquistas era de 11. Em contraste, Thiem apenas aos 27 anos conquistou o seu primeiro Grand Slam, Medvedev e Zverev têm apenas uma final em provas do género, enquanto Tsitsipas atingiu as meias-finais por três ocasiões.

Por sua vez, Djokovic conquistou o primeiro Major aos 20 anos, na Austrália, em 2008, competição onde já leva oito títulos e procura chegar ao nono na final de domingo. Atingiu o nível que o colocou no topo da modalidade em 2011, ano em que celebrou o 24º aniversário e adicionou mais três Grand Slams ao currículo.

Nadal ganhou o seu primeiro grande troféu em Roland Garros, dois dias depois de fazer 19 anos e na sua primeira participação no torneio, onde goza do registo de mais de 100 vitórias no torneio e apenas duas derrotas, com 13 títulos em 16 participações. Antes de fazer 23 anos, tinha já seis títulos do Grand Slam e aos 25 anos somava uma dezena de conquistas.

O domínio psicológico sobre os mais jovens

Apesar de contarem com vários troféus nos seus currículos e algumas vitórias de relevo frente aos “Big Three”, a nova geração tem-se revelado particularmente débil nos momentos mais críticos da temporada e as estatísticas no confronto direto em Grand Slams mostram precisamente isso. “Enquanto não vencerem duas, três, quatro vezes seguidas, vai-se manter sempre um certo respeito. Trata-se em saber que conseguem fazer, mesmo nas derrotas”, diz Rui Silva.

Dominic Thiem é, também devido à maior experiência acumulada, o que apresenta um registo mais respeitável, mas ainda assim longe de ameaçar o estatuto dos favoritos. Em sete encontros contra Nadal e Djokovic em Majors, o austríaco soma três vitórias, com duas delas a surgirem frente ao sérvio na terra batida de Paris, o seu piso de eleição e onde o atual número um mundial sente mais dificuldades. Embora nunca tenha defrontado Federer em Grand Slams, tem um saldo positivo nos embates com suíço.

Alexander Zverev tem derrotas nas três partidas disputadas em Majors, enquanto Medvedev perdeu os dois embates que teve até ao momento nestes palcos. Tsitsipas, grego de 22 anos, é o único deste grupo que não tem saldo negativo neste departamento, com duas vitórias, a mais recente no Open da Austrália frente a Nadal, na quarta-feira, e duas derrotas.

Tsitsipas com o troféu do Estoril Open Foto: ATP

Mesmo fugindo à esfera dos Grand Slams, todos apresentam saldo negativo no confronto direto com Nadal e Djokovic, algo que não se verifica com Federer, já numa fase mais adiantada da carreira, que apenas tem vantagem sobre Medvedev neste capítulo.

Ainda assim, a taxa de sucesso da “Next Gen” frente aos “Big Three” em torneios ATP e, surpreendentemente, nas ATP Finals é claramente superior ao que se verifica nos Grand Slams. Em 47 encontros disputados ao nível ATP, a nova geração venceu 20 (42,5% de vitórias), enquanto nas ATP Finals apresentam oito vitórias em 18 partidas (44,4% de vitórias). Já em Grand Slams e, consequentemente, em encontros à melhor de cinco sets, a taxa de sucesso baixa para 26,3%, com apenas cinco vitórias em 19 partidas.

Para o coordenador técnico da ATPorto, “a diferença entre jogos a três sets e cinco sets é brutal”, tanto a nível da preparação física, mas sobretudo no que diz respeito à fadiga mental. Estar “quatro ou cinco horas no court é um fator muito duro” e o “desgaste mental é um dos fatores determinantes nessas partidas”. São estes momentos em que a maior experiência dos grandes campeões se sobrepõe a alguma fragilidade psicológica dos jovens.

Rui Silva escolhe Stefanos Tsitsipas como o jogador “que está na linha da frente”, devido à sua versatilidade. É um jogador que “tem um bom serviço, tanto para o lado direito como para o lado esquerdo, mexe-se muito bem no court e tem um jogo muito variado, que cria mais dificuldades aos seus adversários”. É também um jogador que “transita bem da linha de fundo para o jogo de rede”, algo raro num tenista de uma geração “treinada para jogar atrás da linha de fundo” e com “pouca variedade de jogo”. 

Apesar disso, e na opinião do coordenador técnico da ATPorto, a luta por Grand Slams depois da retirada dos “Big Three” vai ser dividido por alguns jogadores, como Tsitsipas, Dominic Thiem, Daniil Medvedev e os canadianos Denis Shapovalov e Félix Auger-Aliassime.

Artigo editado por Filipa Silva