No Porto, as ruas estão despidas de turistas, não há passos apressados dos estudantes ou dos trabalhadores. O silêncio ecoa pelas ruas da cidade e os taxistas sofrem com isso. Nos pontos emblemáticos do Porto, não faltam táxis estacionados à espera de clientes.

Passam alguns minutos das 09h00 da manhã. O céu está cinzento, não há qualquer sinal de sol e a chuva ameaça cair. Está pouca gente na rua e não há muito trânsito. Um sinal dos tempos. 

Luís Oliveira, taxista há mais de dez anos, começou o dia de trabalho às seis da manhã. Fez apenas um serviço e está estacionado na postura da Praça da República há 40 minutos. Num tempo em que não havia pandemia, era estranho só ter feito um serviço, mas, nos dias que correm, sente-se “com sorte, porque deve haver colegas que a esta hora não fizeram nada”. 

Luís Oliveira, 31 anos, taxista Foto: Ana Matos

Apesar de o negócio estar “pelas ruas da amargura”, Luís Oliveira “gosta de trabalhar no táxi” e considera que o “trabalho é mesmo entusiasmante”. Sempre que alguém entra no carro é “uma aventura, acontecem sempre peripécias”.  Recorda os tempos em que a calçada da Invicta era percorrida por turistas de todo o mundo que visitavam o Porto pela primeira vez e o taxista lhes dava a conhecer a cidade. 

Mas Luís não tem só saudades dos turistas. Aliás, antes da pandemia a maior parte dos clientes não eram turistas. “Talvez dois ou três serviços por dia fosse com turistas.” O resto era “levar pessoas ao emprego, à escola e ao hospital”. Luis Oliveira sente a falta dos clientes fixos, porque com esses “criava-se uma certa empatia”. 

Sem turistas e com a maior parte dos portuenses em teletrabalho e com ensino à distância, Luís reconhece que a situação é cada vez mais incerta. Confessa que sai de casa desanimado, porque não sabe quantos serviços vai fazer, ao passo que até março do ano passado contava fazer “dez, 11, 12 serviços” por dia. 

“Antes tínhamos clientes mais certinhos. Os poucos serviços que temos agora são de clientes certos que continuam a ir trabalhar e que utilizam o táxi, idas ao supermercado, ao hospital e retornos e pouco mais. Só mesmo se alguém tiver mesmo que sair de casa.” O taxista conta que ainda esta semana levou um senhor com quase 90 anos a tomar a vacina para a Covid-19, porque “estava com muito medo de sair de casa, pois já não saía há muitos meses”

Luís Oliveira, apesar de saber que os tempos não estão fáceis, não quer desistir da profissão. “O negócio é de família, vem do meu pai. Eu pretendo continuar, ir à luta”

Ali ao lado, na Cordoaria, só se veem gaivotas à procura de algo para comer e ouve-se o vento. A praça que, antes, alojava estudantes em festa, turistas a passear e risos de crianças, não passa, agora, de um Porto vazio.

Na postura da Cordoaria, o estacionamento está cheio de táxis. São cinco os profissionais ali parados à espera dos clientes que, por algum motivo, ainda podem sair de casa. Em segundo lugar na fila, encontramos Abel Camões, de 73 anos. Mais de metade da sua vida foi dedicada ao táxi. Nunca, nos 40 anos da profissão, tinha feito tão poucos serviços. “Três serviços por dia, quatro e mais nada. Pelo menos, para mim, não dá mais.” Aqui, está apenas há 20 minutos, mas esteve, durante duas horas, à espera de serviço na postura de São Roque.

Abel Camões, 73 anos, taxista Foto: Ana Matos

A necessidade de dinheiro é o que ainda o faz conduzir o táxi pela cidade do Porto. Com uma reforma de 420 euros, não aguenta sustentar-se a si e à mulher. “Tenho de aguentar”, afirma Abel. No entanto, com apenas dez a 15 euros por dia, não vê grande futuro para o setor, pelo menos para este ano. Para além disso, ainda é necessário pagar impostos, seguros e gasóleo. Sem apoios do Estado e com a concorrência da Uber, o taxista acredita que se não fosse a reforma, tinha de abandonar a profissão.

Sonhando com um mundo sem pandemia, Abel Camões conta que o que lhe faz mais falta é o convívio com as pessoas que faz passar melhor o tempo. Agora, chega a passar 12 horas numa postura, sem qualquer serviço. Contudo, prefere passar o tempo a trabalhar do que estar fechado em casa: “também para ficar em casa metido entre quatro paredes, uma pessoa entra em parafuso”, desabafa.

Enquanto não tem clientes, Abel permanece no seu carro, à espera. Preenche as palavras cruzadas, faz o sudoku e lê o jornal.

Descemos a rua dos Clérigos e vemos alguns táxis estacionados. Lugares que antes estavam destinados a esta atividade são agora ocupados por outros carros, porque muitos taxistas já abandonaram o ofício. 

Benjamin Azevedo, taxista há mais de 30 anos, conta que está a trabalhar desde as seis da manhã, já fez dois serviços e amealhou 10,25 euros. Hoje, está parado há quase duas horas e desabafa que há dias bastante piores. “Já tenho estado três, quatro, cinco, seis horas sem fazer nada. E tenho colegas que já tiveram alturas em que estiveram sem fazer um único serviço durante sete horas, e foram embora para casa sem fazer nada.”

Benjamim Azevedo, 53 anos, taxista Foto: Ana Matos

Benjamim tem esperança que a vacina chegue a todos o mais rapidamente possível, embora pense que o processo está “muito atrasado”. Acredita que pela altura do final do ano a cidade tenha mais movimento, “que as pessoas voltem aos seus trabalhos normais e não fiquem em teletrabalho”. Até lá, dá este ano como perdido.

Em São Bento, não faltam táxis. Um dos pontos de chegada de turistas está cheio de carros, mas pobre em nacionalidades. Não se ouve o inglês, o espanhol ou o italiano. Apenas português e com sotaque nortenho.

Rui Queirós, 49 anos, está em sexto lugar nesta postura. Iniciou a atividade no setor há cinco anos, mas admite que há um ano para cá, a situação complicou-se. Esteve em layoff. Voltou ao trabalho em setembro, mas nada melhorou. “Acho que ainda está pior do que na primeira fase”.

Rui Queirós, 49 anos, taxista Foto: Ana Matos

Numa época em que não existia a pandemia, Rui estava habituado a fazer, por dia, 15 a 20 serviços. Agora, com o confinamento, faz quatro serviços, num bom dia de trabalho.

O taxista afirma que o turismo era importante no seu trabalho. Contudo, também o movimento de pedestres, as lojas e os restaurantes ajudavam a colorir a Invicta. Agora, só existem poucos portuenses nas ruas despidas de movimento. “Vamos esperar que melhores dias venham”.

Os dias são passados, normalmente, parados em posturas à espera de clientes. No caso de Rui, este apenas chegou neste momento a São Bento. No entanto, esteve cerca de duas horas e meia noutra postura à espera de serviço. O taxista conta até que, um colega, chegou às 09h30 e saiu às 17h00 para fazer uma “chamada” de seis euros e qualquer coisa.

Rui sente saudades de um Porto cheio de bandeiras e línguas que não conhecemos. Sente falta de conviver, conhecer e ouvir. Sente falta daquela conversa de taxista, mas não acredita que esta volte tão cedo. “A curto prazo, não vejo assim perspetivas muito animadoras”, afirma.

Prevendo um futuro incerto, o taxista guarda já alguns contactos, caso seja necessário mudar de profissão, embora goste bastante daquela que tem neste momento. Por agora, mantém-se por aqui, mas não sabe como vai chegar ao final do mês.

Artigo editado por Filipa Silva