A notícia foi avançada esta quarta-feira pelo “Expresso”. Os autarcas eleitos por movimentos independentes em 2017 podem estar na iminência de criar um novo partido. Manuel Cordeiro, atual presidente da Câmara de São João da Pesqueira pelo movimento “Pela Nossa Terra”, convocou para sábado uma reunião de carácter urgente na qual vão participar também o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, e de Oeiras, Isaltino Morais. A reunião terá lugar no Museu do Vinho. Os restantes autarcas eleitos por Grupos de Cidadão Eleitores (GCE) podem marcar presença via zoom, caso não se consigam deslocar. O líder da Associação Nacional de Movimentos Autárquicos Independentes (AMAI), Aurélio Ferreira, também atenderá à reunião, relata a edição online do semanário.

A iniciativa surge em reação à polémica revisão da lei eleitoral autárquica, aprovada a 21 de agosto de 2020, pelo PS e pelo PSD, muito contestada pelos independentes. Dentro das mudanças, ficou a prever-se, por exemplo, que nenhum cidadão ou movimento se pode candidatar simultaneamente à Câmara, à Assembleia Municipal e a todas as freguesias do município, tendo por isso de recolher assinaturas em separado para diferentes candidaturas, o que se afigura ainda mais complicado num cenário de pandemia.

Os independentes passaram, ainda, a estar impedidos de usar os mesmos nomes, símbolos e siglas para órgãos distintos. A revisão da lei impõe ainda a estes movimentos que não podem usar nas suas designações as palavras “partido” ou “coligação” e exige-lhes o reconhecimento notarial de um número ainda indeterminado de assinaturas.

“Ao contrário de nós, os partidos podem concorrer à Câmara, Assembleia Municipal (AM) e freguesias com as cores, símbolos e siglas de sempre. Enquanto o meu GCE terá de se candidatar com uma denominação, sigla e símbolo comum à Câmara, AM e a uma junta”, mas encontrar “outras dez [denominações, siglas e símbolos], todas diferentes, para poder concorrer às restantes dez freguesias”. “Se isso não é discriminação, é o quê?”, adverte o autarca em declarações ao “Expresso”.

Manuel Cordeiro não quis adiantar qual o caminho que vai ser tomado, mas comum a todos é o ponto de reversão da legislação autárquica, isto caso o PS e PSD não cumpram com a clarificação das alterações. Se não acontecer, a estratégia poderá passar pela criação de “um novo partido de âmbito nacional de ideologia municipalista”, avança. “É algo que queremos evitar, até por subverter o sentido que levou à nossa participação política através de movimentos de cidadania, sem bandeira partidária”, afirma o autarca. “Não obriguem os GCE a terem de deitar mão a este recurso de conveniência”, apela.

PS recua e quer alterar lei. PSD mostra-se disponível para rever

Há precisamente uma semana, no programa da TVI, “Circulatura do Quadrado”, Ana Catarina Mendes, líder parlamentar da bancada socialista, afirmou que o PS vai apresentar uma proposta para corrigir algumas situações previstas na lei, “que é penalizadora da vida democrática”, alegou. Apesar de defender alguns dos pontos lá instituídos, considera que existem normas que “são dificultadoras dessas candidaturas”.

O PSD também se mostra disponível para a rever. David Justino, vice-presidente do PSD, declarou no dia seguinte à intervenção de Ana Catarina Mendes que “está disponível e já está a analisar o documento”. “Aliás, já percebemos que alguma coisa não correu completamente bem e, portanto, vamos ver qual é a razão de ser de algumas dessas críticas. Se ficar demonstrado que há medidas penalizadoras, iremos tentar encontrar soluções alternativas. Não sei se são aquelas que o PS vai apresentar, mas nós temos consciência de que há ali coisas que podem ser mudadas e melhoradas. Estamos a analisar ponto por ponto aquilo que podemos melhorar”, comunicou à TSF.

Outros partidos também já se manifestaram quanto ao assunto. O CDS apresentou uma proposta pela revisão da lei, “como é normal, como é justo, e como é de resto lógico”, afirmou Telmo Correia, presidente do grupo parlamentar centrista. O Bloco de Esquerda (BE) confirma que fará o mesmo. O PAN também apresentou uma proposta quanto à matéria autárquica. O partido pretende travar a vigência da lei para este escrutínio. Ao “Expresso”, o PCP declarou que vai esperar para ver as propostas dos restantes partidos, sem apresentar para já um projeto próprio.

Quem também foi ao encontro do desejo dos independentes foi a Provedora de Justiça que pediu a fiscalização da constitucionalidade da lei eleitoral. Maria Lúcia Amaral enviou para o Tribunal Constitucional, na sexta-feira, um pedido de “declaração de inconstitucionalidade” de dois pontos de um dos artigos alterados na lei eleitoral autárquica. A provedora considera que as alterações feitas à lei colocam em causa a “violação dos direitos dos cidadãos de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país”, direito previsto na Constituição e que não está a “ser respeitado”.

Autárquicas: no outono ou no inverno?

Mas a questão da revisão da lei eleitoral não é a única a pairar no campo da política, no que às Autárquicas diz respeito. Em discussão está, também, a proposta do PSD de adiar por dois meses as eleições – em vez de acontecerem entre os dias 22 de setembro e 14 de outubro, passarem para uma data entre 22 de novembro e 14 de dezembro. Em causa, está a evolução da situação pandémica e do processo de vacinação nacional, defende Rui Rio.

Com as Presidenciais ainda frescas e os olhos postos no decorrer da pandemia, o tema divide opiniões. O JPN contactou os candidatos à Câmara do Porto, cujas forças políticas têm representatividade nos órgãos camarários da Invicta, para saber a opinião deles quanto ao assunto: adiar ou não adiar as autárquicas?

Candidatos maioritariamente contra

João Teixeira Lopes, ex-deputado do BE, candidato pelo partido à Câmara do Porto em 2017, mostra-se contra o adiamento. O porquê foca-se na forma como decorreram as presidenciais. “Já tivemos umas eleições e fizeram-se em segurança, ninguém ficou contaminado por participar nos atos simbólicos de campanha. E, de tal maneira são importantes as eleições, de tal maneira são estruturantes da nossa vida em comum, que me parece que devemos demonstrar, pelo contrário, que mesmo nas alturas de maior crise mantemos a nossa rotina democrática”, sustenta em declarações ao JPN. “É um sinal para todos aqueles que não gostam de democracia”, conclui.

Manuel Pizarro, vereador na Câmara Municipal do Porto pelo PS, partilha da mesma opinião de João Teixeira Lopes. “A realização das eleições na altura prevista não compromete os objetivos de proteção da saúde. As eleições presidenciais decorreram em janeiro, no período mais intenso da terceira vaga em Portugal, e não ficaram associadas a qualquer aumento da transmissão do vírus. Adiar as eleições gera incerteza e põe em causa a democracia local”, afirma o também eurodeputado. Mas ressalva: “Claro que organizar as listas e a campanha exigirá um maior esforço aos candidatos, mas não parece que esse seja argumento suficiente para adiar o ato eleitoral. Acresce que nessa altura espera-se que 70% dos portugueses estejam vacinados”, remata.

Por parte da CDU, Ilda Figueiredo também se mostra contra o adiamento, mas deixa a mesma nota que Manuel Pizarro. Considera muito cedo para discutir-se o tema nesta fase, “ainda estamos muito longe das eleições”, mas afirma que “a situação está a melhorar significativamente. Uma evolução positiva e com vacinação”, motivo pelo qual não considera “necessário” adiar. “O que é preciso é que a vacinação avance o mais urgente possível”, ressalva.

Rui Moreira não partilha da mesma opinião

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, também neste ponto não alinha pelo diapasão da esquerda: “Esta ideia de que as eleições Presidenciais correram muito bem (…) não corresponde, de facto, à realidade”, puxando os dados da abstenção, que ascenderam os 60%. “Não me parece a mim que a democracia fica em risco pelo facto de se ajustar o calendário das eleições àquilo que é uma situação de emergência”, afirmou em entrevista à TVI24.

O autarca deixou ainda vincado que há diferenças entre uma campanha para as eleições Presidenciais e para as Autárquicas: “Não é muito diferente no meu caso, que sou presidente da Câmara Municipal do Porto e a comunicação social, normalmente, organiza debates, acompanha a campanha. (…) Em territórios de baixa densidade, em municípios mais pequenos, em freguesias e tudo mais, a campanha eleitoral das autárquicas é uma festa da democracia, em que as pessoas vão ao café, vão à loja”, completando, “ou seja, as pessoas apresentam-se ao seu eleitor através de gestos individuais que me parece, neste momento, que estão em risco”. O autarca alega que a decisão pode não ser tomada agora, mas acha “que era importante que [o ator eleitoral] decorresse este ano”.

Por sua vez, o vereador Álvaro Almeida, candidato pelo PSD em 2017, contactado pelo JPN, não quis pronunciar-se quanto à questão do adiamento.

Bebiana Cunha considera que, mais importante que adiar, é rever a lei

Sobre o possível adiamento, Bebiana Cunha, do PAN, admite que o partido ainda está a analisar “internamente essa proposta”, mas acrescenta que “mais importante” do que esse ponto é a revisão da lei eleitoral. Por isso, o partido está a preparar uma proposta com vista a “garantir a participação de todos os cidadãos e cidadãs e garantir também que se aproxima o ato eleitoral das pessoas”, refere ao JPN.

Não querendo adiantar muito do documento, Bebiana Cunha deu o exemplo de aumentar no tempo o período de voto, colocar a possibilidade do voto eletrónico, “devidamente monitorizado”, e alargar o período de voto antecipado a todos os que estejam impossibilitados de ir votar. “De quatro em quatro anos o que se faz? Lamenta-se a abstenção. Não pode ser. Nós temos que, e o PAN está profundamente comprometido com isso, apresentar soluções para combater a abstenção, para aproximar a política das pessoas e, portanto, entendemos que é nosso papel propor soluções e apresentar propostas, e assim faremos”, concluiu.

Artigo editado por Filipa Silva