Conhecido pelo talento para comunicar e à vontade com as lides mediáticas, Marcelo Rebelo de Sousa tem ajustado as suas comunicações relacionadas com o estado de emergência às diversas flutuações que a situação pandémica tem sofrido.

Ao décimo segundo discurso, marcado para as 20h00 desta quinta-feira, o Presidente depara-se com o desafio de conseguir mobilizar os portugueses, numa altura em que o desgaste relativamente às medidas de confinamento é cada vez maior.

O JPN analisa as 11 comunicações feitas nos últimos 11 meses e destaca os principais traços dos discursos do Presidente.

Primeiro estado de emergência: uma ‘guerra’ que terminou em ‘milagre’

A declaração do primeiro estado de emergência ocorreu a 18 de março. O país, incrédulo, parou para escutar aquele que foi até à data o discurso mais longo de Marcelo Rebelo de Sousa proferido neste contexto. Destaca-se o uso de termos como ‘Governo’ e ‘República’, mas também ‘guerra’ e ‘combate’. Foi um discurso de mobilização para uma batalha que seria longa e que é rematado da forma preferida pelo Presidente, com a palavra ‘Portugal’.

No dia 2 de abril, Marcelo volta a dirigir-se ao país para a primeira renovação do decreto. O discurso continua e complementa o anterior, procurando motivar os portugueses para um desafio “sem paralelo na nossa história democrática”. ‘Saúde’ e ‘Vida’ são das palavras mais usadas.

Catorze dias depois, o Presidente volta a falar ao país para declarar que “estamos mais próximos” de ganhar a batalha contra o vírus e, de facto, a 3 de maio, Portugal pôde respirar de alívio e começar a desconfinar.

É um discurso longo, em linha com os anteriores. Nas imagens televisivas, o chefe de Estado apresenta-se de semblante descontraído, chegando mesmo a sorrir enquanto discursa, o que reflete o otimismo das autoridades na eficácias das medidas adotadas para conter a pandemia.

A frase com que encerra o discurso passará aos anais da história desta pandemia: “O milagre chama-se Portugal”. Com estas quatro palavras, o Presidente sintetiza a ideia, que hoje sabemos ingénua, de que o país poderia passar à margem dos efeitos mais crueis da Covid-19 – remetidos, então, para locais como a Lombardia, Nova Iorque e Madrid.

Segundo estado de emergência: a preparação para a batalha de inverno

A 6 de novembro, é declarado o segundo estado de emergência. O Presidente precisa de apenas 646 palavras e pouco mais de 6 minutos para desfazer a ilusão do estado de excecionalidade português. O otimismo dos discursos anteriores é substituído por expressões como ‘evolução negativa’ e ‘lições’ que é preciso retirar dos erros cometidos. As palavras ’emergência’ e ‘pandemia’ ganham desta vez preponderância.

No discurso da primeira renovação, que terá lugar duas semanas depois, Marcelo recorre à sua fórmula favorita de estruturação destas comunicações: a apresentação sucessiva de diversos pontos – sete, neste caso concreto – que justifcam a imposição de restrições às liberdades cívicas. Daqui deduz-se a necessidade de manter o rumo e “convergir no possível, mesmo discordando”. ‘Portugueses’ é a palavra mais usada neste discurso.

A 4 de dezembro, a apresentação de uma comunicação mais curta – não chega a 9 minutos – confirma uma tendência que irá manter-se daqui em diante: o Presidente da República começa o reduzir a duração das suas comunicações.

900 palavras depois, contudo, o essencial ficou ainda assim por dizer naquele início de dezembro: vai ou não haver Natal?

Um Natal de poucas palavras

Com o início da pré-campanha para as eleições Presidenciais, que viriam a ter lugar a 24 de janeiro, Marcelo suspende os discursos televisionados e faz curtas declarações escritas à imprensa (com pouco mais de 200 palavras).

A 17 de dezembro, o Presidente faz o último discurso antes do Natal (cuja celebração o Governo decidiu autorizar) e a expressão ‘contrato de confiança’ com os portugueses repete-se várias vezes. Um pressuposto que se irá desfazer nas semanas seguintes.

2021 começa com uma declaração no Dia de Reis a adiar decisões, a que se segue nova comunicação uma semana depois, em que o Presidente constata o óbvio: é necessária uma ‘inversão’ do rumo traçado em dezembro face ao alastramento da pandemia.

Brevidade e clareza à maneira de Marcelo

Marcelo voltaria a falar no Palácio de Belém a 28 de janeiro, um discurso em que começa por dizer: “Vou ser breve e claro”, fórmula que voltará a adoptar duas semanas depois, quando fizer a comunicação da sétima renovação do segundo estado de emergência.

 

De facto, nestas duas últimas comunicações os discursos tornam-se mais curtos, insistindo na economia de recursos estilísticos e enumeração de orientações transparentes sobre o rumo a seguir. O essencial é comunicar de forma objetiva o que a população tem que fazer para ultrapassar a crise.

Um presidente a reconstruir-se

Em suma, as palavras mais usadas pelo Presidente ao longo destes meses são ‘pandemia’, ‘portugueses’, ‘saúde’, ’emergência’ e ‘vida’. Resumem o foco que tem sido a ação do mais alto magistrado da nação neste período: mobilizar a população para a defesa dos valores da vida, sem ocultar as dificuldades e urgência inerentes à tarefa.

A tendência dos últimos meses para simplificar o discurso poderá confirmar-se com a comunicação de hoje, ainda que o Marcelo seja famoso precisamente pelo contrário: profusão oratória e compulsão (praticamente incontrolável) para comunicar.

Outra hipótese é o Presidente fazer uma súmula do que tem sido o combate à pandemia até aos dias de hoje e tentar desenhar perspetivas de evolução para o futuro mais próximo. Nessa altura, talvez vejamos ressurgir o ‘Presidente dos afetos’, o Marcelo capaz de aportar esperança e confiança aos portugueses.

Artigo editado por Filipa Silva