As três principais redes de notícias dos EUA, CNN, Fox News e MSNBC, têm desfrutado de uma viagem de montanha-russa nos últimos cinco anos, graças a um homem, Donald J Trump. A sua presidência pode não ter sido ótima para a América ou para a democracia, mas foi fantástica para os canais de notícias.
Este retrato das redes de notícias em fluxo é baseado em entrevistas com quase uma dúzia de membros atuais e antigos da equipa interna e externa da CNN e MSNBC, a maioria dos quais solicitou anonimato para falar francamente sobre os problemas que atormentam os principais executivos. A maioria concordou que haveria uma queda nas classificações em 2021, dizendo que a única questão é quão grande será. Entretanto, a queda já se tornou visível.
A recusa de Trump em deixar o palco político silenciosamente manteve os espectadores fisgados durante o momento pós-eleitoral. Em janeiro, a CNN bateu regularmente a Fox News, a rede de notícias a cabo há muito tempo número 1, no total de telespectadores. A CNN também liderou o grupo de adultos com menos de 54 anos de idade, todos os dias, por mais de um mês, seu maior período desde 11 de setembro de 2001.
A crise atingiu também os jornais
Martin Baron, 66 anos, editor do Washington Post, anunciou que vai deixar o cargo no próximo dia 28 de fevereiro, deixando o seu lugar à disposição. Além dele, é esperada também a saída dos editores de New York Times, Los Angeles Times, CNN e Reuters.
Algumas destas mudanças são bastante aguardadas, mas foram reprimidas por Donald Trump e pela sua postura de oposição à imprensa durante os cinco anos de campanha e governo.
A troca de chefia acompanhada mais atentamente é a do New Yok Times, jornal que terminou estes cinco anos com 7,5 milhões de assinantes, parte deles adquiridos pela resistência ao ex-presidente. O crescimento da audiência ficou conhecido como “Trump bump”.
Desde a derrota de Trump na eleição americana, há 3 meses, que Dean Baquet edita o jornal Times de Los Angeles, no entanto diz que vai voltar para Nova York, quando o jornal encerrar a rotina de trabalho à distância, mas que ainda assim, precisa de sair do cargo até o próximo ano, quando faz 66, a idade máxima permitida internamente.
Norman Pearlstine, de 78 anos, do LA Times, juntamente com Baron, é toda uma geração de comandantes de Redação que vai sair de cena. Baron já chefiou o Miami Herald e o Boston Globe, participou inclusive na cobertura jornalística que originou o filme “Spotlight”, em que é representado pelo ator Liev Schreiber.
Baquet já tinha sido editor do LA Times e agora especula-se que poderia voltar para o posto, uma vez que agora vive em LA, mas ele nega.
O que se projeta, até nos próprios jornais que ainda dirigem, é que os três, e os demais que saírem entretanto, devem dar lugar a uma geração de mulheres e, eventualmente, minorias étnicas.
“As mudanças de direção editorial são fenómenos cíclicos nos média, que até acontecem talvez com mais frequência num pais como Portugal do que num país como os Estados Unidos. Se, nalguns casos, posições ocupadas por homens passam a ser ocupadas por mulheres, creio que isso é natural, se pensarmos que as mulheres representam já a maioria dos profissionais em vários países.”
“O problema é antigo, tem raízes que se misturam com a História do próprio país e nalguns jornais desencadeou até processos de profunda e acesa discussão interna (pelo menos nos últimos anos). Um trabalho jornalístico como o ‘Projecto 1619’, do NYT, foi motor de muitos desses debates (que se alargaram para fora da actividade jornalística) mas, naturalmente, todos os eventos e situações relacionados com o movimento BLM tornaram a questão mais presente nesta altura.
São debates complexos que vão ter, de certeza, implicação na composição das redações mas também no exercício profissional. Mas são debates que ainda agora arrancaram, que serão alimentados por iniciativas como esta – https://mediareparations.org/ – e que não se resolvem só com a eventual substituição de editores.” adverte LAS.
No jornal de Los Angeles, são nomes como Kimi Yoshino e Julia Turner, ambas da própria Redação, Janice Min, do Hollywood Reporter, e Anne Kornblut, no Facebook.
Tanto para o LA Times como para o Washington Post, outro nome citado repetidamente é o do jornalista negro Kevin Merida, editor na ESPN.
No NYT, pode-se dizer que a mudança começou há cerca de uma década e agora está apenas numa fase de ampliação. Baquet, que é negro, foi precedido por uma mulher, Jill Abramson. E no último ano duas mulheres assumiram funções de direção: Meredith Kopit Levien, presidente da NYT Company, e Kathleen Kingsbury, editora de Opinião, de posição hierárquica equivalente à de Baquet, que dirige o noticiário.
A pressão por mulheres e negros em posições de poder, nos três jornais e por toda a imprensa americana, vem como continuidade de movimentos como #MeToo e #BlackLivesMatter, que têm gerado rebeliões dentro das próprias Redações. Mas a decisão final é dos controladores, bilionários de tecnologia como Jeff Bezos, do Washington Post, e Patrick Soon-Shiong, do LA Times, ou a família Sulzberger, do NYT.
Bezos acaba de deixar a presidência executiva da Amazon para, segundo relatos, se dedicar a projetos espaciais e ao jornal que comprou há sete anos, a começar da escolha do novo editor.
Baron já estava no cargo, quando da aquisição. A. G. Sulzberger, 40 anos, publisher do NYT, também herdou Baquet, ao assumir o jornal em 2018, e deverá fazer agora sua primeira escolha, de facto.
Na agência de notícias Reuters, que enfrenta menos pressão de opinião externa, a decisão sobre o substituto do editor Stephen Adler, 65 anos, será da corporação canadense Thomson Reuters, anunciada até abril. Adler editou a Businessweek antes de chegar à agência, onde há dez anos comanda 2.500 jornalistas espalhados pelo mundo, a partir de Nova York.
Jeff Zucker, 55 anos, presidente da CNN, é considerado um caso à parte pela idade e por não ser propriamente jornalista, mas um executivo de televisão, tendo presidido a NBC quando Trump se tornou apresentador do reality show The Apprentice.
Há sete anos no canal de notícias, deu prioridade à cobertura de Trump já na campanha e depois tornou a CNN um veículo marcadamente de oposição, com audiência crescente, a ponto de superar a TV concorrente Fox News.
A aquisição da CNN pelo grupo de telecomunicações AT&T, há dois anos, gerou conflitos corporativos, com um projeto para streaming como modelo de negócio, onde acaba a tv paga, e Zucker anunciou que sai antes do fim do ano.
Baron, o mais emblemático do grupo de editores, fez um breve balanço da cobertura da era Trump, falando à revista alemã Der Spiegel, com uma conclusão central: “Devíamos ter sido muito mais diretos sobre a falsidade de Trump, sobre as suas mentiras, desde o início. Ele era o presidente, devidamente eleito, mas ele estava a explorar isso, a explorar os nossos princípios”, afirmou Baron. Ele deixou um alerta, para a imprensa como um todo: “Nunca tinhamos enfrentado este nível de pensamento conspiratório. O jornalismo, como profissão, não está preparado para cobrir isso”.
Ascensão da mídia social de direita
Independentemente da rede, a disseminação de fontes de notícias mais radicais já acontece há algum tempo.
“Não começou este ano, já dura uma década ou mais”, disse Cynthia Miller-Idriss, professora da escola de relações públicas da universidade americana. A expansão e proliferação de sites extremistas e hiperpartidários que pretendem ser notícias, disse Miller-Idriss, “é realmente perigosa em termos de alfabetização mediática e democracia”.
“Agora você acaba de obter dezenas e dezenas e dezenas de fontes de notícias em potencial, muitas das quais são tremendamente imparciais”, disse ela.
Longe dos canais emergentes de notícias a cabo, outra fonte de direita tem atraído atenção – e números: Parler, uma “alternativa” conservadora ao Twitter e ao Facebook. Fundado por John Matze e Jared Thomson, foi financiado por Rebekah Mercer, apelidada de “primeira-dama da direita alternativa” pelo CEO da Newsmax, Chris Ruddy.
Na semana seguinte à eleição, Parler cresceu de 4,5 milhões de contas de usuários para 9 milhões, disse o chefe de operações, Jeffrey Wernick, ao Washington Post.
“Tem havido uma enxurrada de pessoas a aderir”, disse Miller-Idriss.
“Tem um potencial real – acho que ninguém sabe exatamente se é um potencial de fixação. As pessoas chegam lá e ficam frustradas com isso, decidem não ficar?”
Não parece haver muita diversidade de opiniões sobre Parler, onde quase todos os relatos pertencem à direita.