Atenas deu palco ao regresso oficial das Olimpíadas. 1.500 anos depois e já sem os principais impulsionadores do evento na Era Moderna (Soutsos, Zappas e Brooks), a Grécia recuperou uma das caraterísticas mais únicas no mundo de então: a tradição desportiva.

Zappas tinha deixado ao governo grego uma relação de confiança para financiar os futuros Jogos Olímpicos. Esta confiança foi fundamental para o financiamento dos Jogos de 1896. George Averoff, empresário e filantropo grego, contribuiu generosamente para a renovação do estádio Panathinaiko. O governo grego também financiou a reforma por meio da venda futura de ingressos e com a venda do primeiro conjunto de selos comemorativos. Todos estavam prontos para acolher a primeira edição olímpica da Era Moderna.

Os primeiros Jogos Olímpicos de Atenas acolheram 14 países, com principal destaque dado às maiores delegações. Desde a anfitriã Grécia, a países contribuidores e impulsionadores dos Jogos Olímpicos – Reino Unido e França – e Alemanha. 241 atletas distribuíram-se por 43 eventos.

Um salto em incumprimento

James Connolly fez história ao tornar-se no primeiro campeão olímpico pós-Antiguidade. Foto: Comité Olímpico Internacional

Já nesta altura se pôde verificar aquilo que seria uma atração paralela e tradicional à competição: As histórias dos atletas e do seu trajeto até aos Jogos inspiram gente desde sempre a procurar bater mais recordes e a superar mais obstáculos. Foi com certeza o caso do norte-americano James Connolly, o primeiro campeão olímpico de Atenas 1896. Venceu o triplo salto e arrecadou medalhas de prata – na altura correspondente ao primeiro lugar e consequente título de campeão – e bronze no salto em altura e salto em comprimento, respetivamente. 

O problema é que Connolly tinha apenas 27 anos e era estudante em Harvard. A orientação do reitor era de que não competisse devido ao já pobre aproveitamento escolar do atleta. Temia-se que o tempo ausente dos estudos pudesse prejudicar até a sua readmissão no ano letivo seguinte, mas não havia como o parar. Enganou a proibição da Universidade de Harvard e competiu pelo Suffolk Athletic Club. Na primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, os atletas não eram organizados em delegações por países como acontece nos dias de hoje. 

Dos fortes, rápidos e audazes rezam as lendas e James Connolly ultrapassou as dificuldades que encontrou para plantar a semente que gerou a superpotência desportiva e olímpica que são hoje os Estados Unidos da América.

O ‘clássico triunfo’

Era importante que um atleta doméstico pudesse vencer uma prova olímpica. Não só para cimentar a aposta do evento no povo helénico, mas também como regresso do ‘Homem Ideal’ como montra do país. Já dizia Platão que “ginástica e música, uma intercalada com a outra” eram a fórmula do equilíbrio entre corpo e espírito.

E foi nesse contexto que surgiu Spyridon Louis, o primeiro herói olímpico grego na Era Moderna. Louis era pastor de ovelhas e longe de ser favorito à vitória na maratona dos Jogos Olímpicos de 1896. Cruzou a meta com sete minutos de avanço sobre o segundo classificado e foi o único campeão olímpico grego dessa edição.

Spyridon Louis tornou-se num herói nacional com a sua vitória, fazendo relembrar os semideuses da Antiguidade. Foto: Comité Olímpico Internacional

O curioso é que, apesar da vitória que o consagrou, ele voltou para Marousi, sua cidade natal, e nunca mais voltou a correr. Quando Spyridon Louis se aproximou do final da maratona, mensageiros entraram no estádio para avisar o público de que um grego liderava a competição. A multidão foi ao delírio com a vitória do atleta e Spyridon Louis ascendeu a herói no seu país. Foi-lhe oferecido presentes e riquezas, mas, alegadamente, apenas quis um carrinho para ajudá-lo a carregar água na pastorícia. Permaneceu uma lenda olímpica e foi convidado do Comité Organizador nos Jogos de 1936 em Berlim. O Estádio Olímpico de Atenas 2004 foi batizado em sua homenagem.

Este resultado, aliado à contagiosa alegria das gentes gregas, motivou o Governo a pedir ao Comité Olímpico Internacional (COI) para que o país organizasse sempre o evento. Proposta negada, pois o objetivo era “levar os Jogos Olímpicos ao maior número de países possível”. E o destino seguinte já era conhecido: França.

Paris 1900: A desilusão espalhada entre maio e outubro

Velódromo de Vincennes, em Paris. O palco oficial dos II Jogos Olímpicos da Era Moderna. Foto: Getty Images

Os Jogos Olímpicos de Verão de 1900 (oficialmente conhecidos como II Jogos Olímpicos da Era Moderna), realizaram-se em Paris, França, terra natal do seu criador, o Barão Pierre de Coubertin. Por questões políticas, os Jogos foram integrados na Exposição Universal de Paris, uma grande feira mundial de comércio realizada pela França na época. As Olimpíadas de 1900 ficaram na história como sendo um falhanço, muito por causa de terem sido diluídas ao longo de mais de quatro meses, entre 14 de maio e 28 de outubro.

As olimpíadas do Barão de Coubertin acabaram batizadas de Concurso Internacional de Exercícios Físicos e de Desporto. Os participantes chegaram a sentir que participavam num grande circo de variedades, em vez da celebração desportiva. A feira oferecia várias atividades paralelas em artes e comércio, e o desporto foi apenas mais uma. Além disso, Paris não possuía nenhum complexo desportivo olímpico e as provas de atletismo foram disputadas no meio dos bosques e árvores do Bois de Boulogne e a natação em plena corrente do rio Sena.

O Comité Olímpico Internacional teve pouca influência na condução destes Jogos, cabendo à organização da Exposição Universal a gestão dos eventos. Como os responsáveis consideravam o desporto uma atividade secundária, as diferentes modalidades foram dispersas pelos diversos locais da Exposição e muitas vezes com classificações no mínimo curiosas. Nomeadamente, a organização classificou ginástica na secção de “desporto escolar para crianças”, esgrima na seção de “cutelaria” e remo na secção de “socorrismo”.

Adicionalmente, ao longo da Exposição Universal e, concorrentemente com as modalidades olímpicas, realizaram-se eventos em muitas outros desportos, tais como motonáutica, corridas em balão, natação subaquática, natação com obstáculos e tiro aos pombos, que não foram entretanto reconhecidas como modalidades olímpicas, pelo que esses eventos não são considerados como parte dos Jogos Olímpicos de 1900.

De tanto desgosto e deceção com a falta de organização e desinteresse dos seus próprios compatriotas, mais preocupados com a Exposição em si, Coubertin chegou a abandonar a chefia dos organizadores dos Jogos.

Graças à grande confusão que foi a organização dos Jogos da II Olimpíada, o número de participantes (e mesmo de modalidades) varia largamente de acordo com diferentes fontes. De acordo com o Comité Olímpico Internacional participaram 997 atletas, representando 24 nações e competindo em 20 modalidades.

No futebol, cabo de guerra, pólo, remo e ténis competiram equipas mistas, compostas por atletas de diferentes nações. 25, no total.

Não foi um evento – ou conjunto de eventos – feliz, a todos os níveis. Era a despedida curta da Europa com destino a Saint Louis, no estado do Missouri. Antevia-se uma melhor organização olímpica nos Estados Unidos, apesar de não ter sido obrigatoriamente dessa maneira.

Saint Louis 1904: A famosa maratona e não só

Os Jogos Olímpicos (JO) de 1904, conhecidos oficialmente como Jogos da III Olimpíada foram os Jogos realizados na cidade Saint Louis, em Misssouri, Estados Unidos, sendo os primeiros realizados fora da Europa. Além disso, foram alongados para cinco meses, de 1 julho a 23 de novembro de 1904.

A decisão do Comité Olímpico Internacional (COI) de recompensar os Estados Unidos pelo apoio aos dois primeiros JO com tanto entusiasmo, ao permitir a realização do evento em Chicago, gerou bastante controvérsia. Saint Louis em Missouri tinha programado uma feira mundial no mesmo ano e ameaçou realizar um evento desportivo rival se não tivessem permissão para realizar as Olimpíadas. O apoio do presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, foi decisivo e os Jogos foram transferidos de Chicago para Saint Louis.

Foto: Wikimedia Commons

A terceira edição dos JO seguiu o exemplo de Paris e foi um fracasso, sobretudo na organização. Assim como em território francês, Saint Louis integrou os Jogos numa exposição comercial, na Louisiana Purchase Exhibition. As tensões causadas pela guerra entre a Rússia e o Japão e a dificuldade em chegar à cidade contribuíram para que poucos atletas do topo do ranking de fora dos Estados Unidos e Canadá participassem nesta edição. Apenas 62 dos 651 atletas (645 homens e 6 mulheres) vieram de fora da América do Norte e somente 12 países estiveram representados.

Além disso, o formato atual de três medalhas – ouro, prata e bronze para o primeiro, segundo e terceiro lugares, respetivamente, foi introduzido nesta edição.

Um dos Jogos Olímpicos mais insólitos da história

Na primeira edição em solo americano, participaram países como África do Sul, Alemanha, Austrália, Aústria, Canadá, Cuba, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Irlanda, Grécia, Hungria e Suíça. Estas nações disputaram diversas modalidades entre as quais o atletismo, boxe, futebol, remo ou tênis.

Espelho das fracas condições de organização, os eventos de natação realizaram-se num lago perto de Wydown Boulevards, habitado por peixes.

Foto: Wikimedia Commons

Um dos atletas mais notáveis foi o americano George Eyser, que ganhou seis medalhas, três delas de ouro, apesar da sua perna esquerda ser feita de madeira, fruto de uma amputação na infância. Frank Kugler ganhou quatro medalhas em luta livre, levantamento de peso e cabo de guerra, tornando-se no primeiro a vencer uma medalha em três categorias diferentes nos mesmos JO. Também George Poage tornou-se no primeiro negro a conquistar uma medalha olímpica, bronze, nos 200 e 400 metros de barreiras.

O atleta olímpico de Chicago James Lightbody venceu a corrida com obstáculos e os 800 metros depois de estabelecer um recorde mundial nos 1.500 metros. Também Archie Hahn foi campeão nos 60, 100 e 200 metros, estabelecendo um recorde que perdurou durante 28 anos. No lançamento do disco Martin Sheridan conquistou a medalha de ouro.

A equipa que representou a Grã-Bretanha recebeu um total de duas medalhas, ambas conquistadas por irlandeses. O melhor atleta não americano foi Emil Rausch, da Alemanha, que venceu três provas de natação. O Galt Football Club, do Canadá, conquistou a medalha de ouro no futebol.

A louca maratona de Saint Louis

Em todas as provas existem suspeitas de infração de regras, mas a Maratona Olímpica de 1904 foi uma das pioneiras. Foram inscritas 40 pessoas, mas apenas correram 32. Entre os atletas, existiam alguns que já tinham ficado bem classificados na Maratona de Boston, a principal fora do circuito olímpico. No entanto, a maioria na linha de partida era composta por dez gregos que nunca tinham corrido uma maratona e que se inscreveram no dia anterior à prova, dois homens de uma tribo e o cubano Félix Carbajal, um carteiro que conseguiu angariar dinheiro para participar.

Sob 32 graus à sombra e humidade perto dos 90%, os atletas tinham de percorrer 40 quilómetros, com partida e chegada no Estádio Olímpico. Existiam sete colinas, variando entre os 30 e os 100 metros, algumas com longas e brutais subidas. Em alguns sítios, o chão estava coberto de pedras ou com pessoas a passear os seus cães. Num percurso de terra batida, o arranque dos carros levantava poeira – o que levou ao desmaio de alguns e à desistência de outros.

Durante toda a prova só existiam dois sítios para hidratação, ao décimo e ao 20º. quilómetro. A ideia foi propositada por parte de James Sullivan, o diretor da prova, que queria minimizar a ingestão de líquidos para testar os efeitos da desidratação propositada.

As primeiras colinas não aparentavam ser um problema, mas a subida da temperatura e a poeira tornaram-se num problema ainda maior. William Garcia quase se tornou na primeira vítima de uma maratona olímpica, depois de ter sido encontrado inconsciente ao lado da estrada. Além disso, Len Tau, um dos participantes de uma tribo, foi perseguido durante vários minutos por cães raivosos.

No final da prova, o norte-americano Fred Lordz foi desclassificado, depois de cruzar a meta em primeiro, mas tendo-se descoberto que tinha percorrido mais de dezoito quilómetros à boleia num carro de um amigo. A medalha de ouro foi dada a outro americano, Thomas Hicks, que durante toda a prova foi reanimado várias vezes para prosseguir a maratona. Com ovos crus e estricina fornecidos pela sua equipa, Hicks cruzou a linha de chegada bêbado.

Além dos americanos, estava um cubano com 1,50 metros de altura e grandes bigodes, que apareceu na prova com boina, camisa e calças compridas. Os organizadores da prova tentaram impedir a sua participação, mas atletas americanos e simpatizantes, ajudaram-no a transformar a sua roupa em algo semelhante a um equipamento desportivo. Felix Carbajal acabou em quarto lugar e podia ter ganho uma medalha, caso não tivesse parado para conversar ou invadir um pomar de maçãs.

Foto: Wikimedia Commons

Apenas 14 atletas concluíram a prova, incluindo os três gregos que nunca tinham corrido uma maratona e o sul-africano que tinha sido perseguido por cães.

Apesar dos protestos por causa de ajuda química a Hicks, o diretor da prova confirmou o norte-americano como vencedor. Contudo, a maratona foi tal de maneira desastrosa, que no COI se discutiu sobre a permanência da prova nas próximas edições. Quando recebeu a coroa e a medalha, Hicks afirmou: “Nunca na minha vida eu vou correr outra prova como esta“.

Londres 1908: o salto de qualidade

Foto: Comité Olímpico Internacional Comité Olímpico Internacional

Depois da realização de Jogos em 1906 em território grego que não foram considerados oficiais pelo COI, os Jogos da IV Olimpíada realizaram-se em Londres entre 27 de abril e 31 de outubro de 1908. Numa fase inicial o destino era Roma, mas uma erupção de um vulcão obrigou os romanos a utilizar os recursos para corrigir os danos da tragédia e a desistir da ideia dos JO.

Os Jogos em território britânico foram considerados os primeiros bem organizados, depois do fracasso de Paris e Saint Louis. Foram novamente alargados por seis meses e decorreram no primeiro complexo olímpico construído, o Estádio Olímpico de White City, com capacidade para 68 mil espectadores.

Inaugurados pelo Rei Eduardo VII, os JO tiveram a participação de 22 nações e mais de dois mil atletas, entre as quais 37 mulheres. Foi neste ano que a Grã-Bretanha, pela primeira e única vez, liderou o quadro de medalhas, com 56 de ouro, mais do dobro dos norte-americanos.

O espírito olímpico foi dignificado e promovido naquela que ficou marcada como a mais longa edição da história dos Jogos com 187 dias. Por causa da longevidade, o evento dividiu-se em duas fases: os Jogos de Verão (atletismo, natação, ciclismo e remo) e os Jogos de Outono (patinagem no gelo, boxe, futebol e rúgbi). Além disso, esta era a primeira de três ocasiões na qual Londres foi sede dos JO. As outras duas edições foram em 1948 e 2012.

Uma cidade aristocrática como Londres esteve na origem de diversas tradições que se mantêm até hoje. A maratona foi disputada pela primeira vez com uma distância de 42.195 metros para que a família real pudesse acompanhar a prova nos jardins do Palácio de Verão. Outra tradição olímpica foi pronunciada no estádio durante a abertura dos Jogos pelo Barão de Coubertin. Aquele que é considerado o fundador dos JO imortalizou a frase que tinha ouvido de um pastor: “o importante dos Jogos Olímpicos não é ganhar, mas sim participar“.

Foto: Comité Olímpico Internacional Comité Olímpico Internacional

Pela primeira vez as Olimpíadas tiveram o desfile de cada nação na cerimónia de abertura, com as bandeiras de cada país. Desde então, a delegação da Grécia abre o evento, seguido do país que organiza os Jogos e pelos restantes países por ordem alfabética em inglês.

As medalhas para todos os gostos e idades

O italiano Dorand Pietri protagonizou um dos momentos dramáticos desta edição, ao vencer a maratona completamente exausto e desorientado e ser desclassificado logo depois, por ter sido ajudado a cruzar a linha de chegada por organizadores. Também em território britânico Charlotte Dod e William Dod, foram os primeiros irmão e irmã a receberem medalhas olímpicas.

Oscar Swahn, então com 64 anos, foi o atleta mais velho a conquistar uma medalha de ouro, na competição de tiro. Além disso, o norte-americano Ray Ewry ganhou, pela terceira vez, as provas de salto em altura e salto em distância sem impulsão, mantendo-se, até à data, o único atleta a ganhar oito medalhas de ouro em apenas provas individuais.

Na final da luta greco-romana entre Frithiof Martensson e Mauritz Andersson, a mesma foi adiada para permitir que Martensson recuperasse de uma pequena lesão. No final, Martensson ganhou a medalha de ouro.

Pela primeira e única vez na história dos JO uma competição ficou sem vencedor. O sprint de ciclismo não teve campeão, nem vice nem terceiro classificado, apesar de 45 atletas terem participado.

As polémicas apesar da competência

Não obstante todo o sucesso em redor da organização destes Jogos, muitas polémicas surgiram. O sucesso dos britânicos foi questionado devido à parcialidade dos árbitros, todos ingleses. Após o encerramento dos jogos, o COI decidiu retirar o controlo da arbitragens das mãos dos futuros organizadores, entregando essa tarefa às organizações internacionais de cada desporto.

Foto: Comité Olímpico Internacional

Devido aos protestos dos Estados Unidos que se recusaram a aceitar a suspensão da primeira corrida dos 400 metros no atletismo e a disputar outra corrida, o inglês Wyndham Halswelle conquistou a medalha de ouro ao correr sozinho. Pela primeira vez foram registrados protestos nacionalistas. Os atletas da comitiva norte-americana recusaram-se a saudar o rei Eduardo VIII e a equipa da Finlândia recusou-se a carregar a bandeira quando foi informada de que teria de desfilar sob o estandarte do Império Russo. Também na inauguração, a equipa da Suécia recusou-se a participar no desfile porque a sua bandeira não estava exposta no estádio.

Estocolmo 1912: a estreia da comitiva portuguesa

Olímpíadas de Estocolmo marcam o início da participação portuguesa nos Jogos. Foto: Wikimedia Commons

As Olimpíadas de Estocolmo de 1912 marcaram a transição dos JO daquilo que era uma competição de tamanho modesto para um evento mediático global. Toda a preparação, arenas construídas e toda a importância que a imprensa dava começaram a ofuscar as próprias competições.

Com a abertura do Rei Gustavo V, os Jogos foram um modelo da eficiência sueca e o primeiro a que compareceram atletas de todos os continentes representados na bandeira olímpica. Além disso, foi o primeiro evento em que se utilizou um sistema de som espalhados pelo complexo olímpico e pela cidade, para informar sobre os resultados de cada desporto. Também foram os primeiros Jogos em que aplicaram a cronometragem semi-eletrónica na natação e no atletismo.

Pela primeira vez, foram organizadas provas culturais, além das desportivas, que abrangeram áreas como a pintura ou poesia. O presidente do COI atribuiu a si próprio a medalha de ouro na poesia. A Suécia arrecadou o maior número de medalhas com 65 no total.

Portugal fez a sua estreia nos JO e, antes da competição, a campanha lançada pela imprensa gerou um clima de euforia entre os portugueses, que em 1910 assistiram à instauração da República em Portugal. No entanto, a comitiva portuguesa debateu-se com a falta de meios financeiros para se deslocar até à capital sueca. Fruto disso, quatro atletas do grupo inicial de dez foram deixados de fora.

A estreia de Portugal ficou marcada pela morte do atleta Francisco Lázaro, que morreu de desidratação e ataque cardíaco após correr 30 quilómetros de maratona e abandonar a prova. Noutros desportos como atletismo, luta e esgrima, os atletas não ganharam nenhuma medalha.

O início do sucesso finlandês 

Foi em Estocolmo que se introduziu o pentatlo moderno, modalidade que combina esgrima, tiro, corrida pelo campo, equitação e natação num desporto só. Além disso, a organização dos Jogos não permitiu disputas de boxe no evento, já que a legislação sueca proibia a prática, o que fez com que o Barão de Coubertin aprovasse no COI uma lei que diminuía o poder do país anfitrião.

A semifinal na luta greco-romana entre Alfred Askainen e Martin Klein durou onze horas, uma das mais longas lutas da história dos Jogos.

Foto: Wikimedia Commons

Os JO de Estocolmo impulsionaram a aparição vitoriosa do atletismo finlandês através de Hannes Kolehmainen que ganhou três medalhas de ouro e, passado oito anos, ganhou a maratona. O sucesso do atleta inspirou diversos finlandeses e o país nórdico dominou o atletismo de pista nos Jogos antes da I Guerra Mundial.

Como era habitual, a maratona destacava-se pelas peripécias. Kanakuri Shizõ, um atleta japonês, desapareceu durante a corrida. Ficou inconsciente e foi ajudado por uma família que o convidou para uma festa para matar a sede fruto das altas temperaturas. Depois disso, apanhou um comboio para Estocolmo e deixou o país no dia seguinte sem ter avisado os responsáveis da corrida. 50 anos depois foi convidado pelas autoridades suecas para completar a corrida com um tempo não oficial de 54 anos, 8 meses, 6 dias, 8 horas, 32 minutos e 20,3 segundos.

O herói norte-americano

Foi também em corrida que se destacou Jim Thorpe, o americano de descendência indígena que conquistou a medalha de ouro no pentatlo e no decatlo, onde arrecadou o recorde mundial, sendo considerado o atleta perfeito da altura. A aventura de Thorpe, após os Jogos de Estocolmo, foi contada em vários livros, revistas e até chegou às salas de cinema.

Foi acusado de ganhar dinheiro como jogador de basebol em ligas secundárias dos Estados Unidos, antes de ser campeão olímpico. A infração cometida fez com que lhe retirassem as medalhas que tinha ganho. Durante anos, autoridades e jornalistas lideraram movimentos para que lhas devolvessem, mas esbarraram sempre na vontade do COI.

Foi preciso esperar até 1983, trinta anos após a sua morte, para que o COI reconhecesse a injustiça e devolvesse aos seus filhos as medalhas daquele que foi considerado por muitos jornalistas desportivos o melhor atleta da primeira metade do século XX.

Com os jogos de 1916 a serem cancelados pela I Guerra Mundial, a aventura olímpica prossegue para a cidade de Antuérpia, Bélgica. Esta e outras aventuras olímpicas no próximo capítulo do A a T.

Artigo editado por João Malheiro